sexta-feira, 31 de julho de 2009

PALAVRA

A palavra dita
oralmente transmitida
é sempre susceptível
do ruído que se lhe interponha
-
Do diz que diz-se
da minha versão contra a tua
e
às vezes
pasmo pela candura
daqueles que uns aos outros se desmentem
acusam
e a utilizam como arma de arremesso
em deambulações
que criam irrelevantes factos políticos
amplificados publicamente
na desvalorização compulsiva
a que ela
a palavra dita
se reduziu
-
É verdadeiramente constrangedor
e tanto mais quanto
nesses episódios recorrentes
intervêm pessoas de lei
políticos
e não incautos
que na palavra
bem hajam
ainda acreditam
-
Chega a arrepiar
-
Eu acredito na palavra mas
se a mim me fizessem qualquer proposta
sondagem ou indagação
polidamente responderia
que me as apresentassem vertidas por escrito
que de igual forma
eu lhes responderia pelos mesmos meios
-
De preferência por carta
e em correio postal
devidamente assinada
-
É que assim
acautelem-se
não se espantem da desconfiança latente
que a todos vos tende a tomar por mentirosos
-
Brada aos céus
-
( a propósito de um diz que diz-se que, à míngua de assuntos que as férias sempre suscitam, neste nosso portugalzinho dos pequeninos, ainda corre o risco de se tornar em acontecimento político maior )
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 31 de Julho de 2009

INOMINÁVEL TERROR

O terror é inominável!
Chamo-lhe terror e não terrorismo porque, graças a Deus, não tenho memória curta ...
Lembro-me como se hoje fosse, do tempo em que, a ditadura colonial, aos movimentos de libertação das antigas colónias portuguesas os apoucava de terroristas ...
Terror!
O terror não tem cor, é camaleónico, reveste-se de inqualificáveis pretextos, os que lhe estiverem à mão e tornando uns e outros, indiscriminadamente, reféns, para sem olhar a meios, tentar atingir os seus, repito, inqualificáveis fins!
Terror!
Aqui é pela autonomia, ali por uma qualquer religião, acolá travestido de dinheiro sujo e sempre e cada vez mais promíscuo das chagas que os tráficos de armas, de seres humanos, de drogas e do branqueamento de capitais, cada vez mais em rede desencadeiam, não hesitando cego em matar quem quer que seja, sem aviso e sempre na sabotagem das estratégias que o visem neutralizar e dos regimes democráticos que lhe são, por natureza, particularmente adversos!
Terror!
O terror é inqualificável e mobilizador das melhores causas que, para o combaterem não podem descurar dos meios, não valem todos (!), que o visem conter e neutralizar.
Neutralizar sim já que, infelizmente, não devo ter a irrealista pretensão de achar poder ser possível exterminá-lo ...
O terror é, por tudo isto e, porventura, mais, inominável!
-
( Em memória de todas as vítimas do terror )
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 31 de Julho de 2009

quinta-feira, 30 de julho de 2009

TEMA E VARIAÇÕES

Tema o repito neste dito
ai se o que lhe calha não tem fito
-
vario então o dito
cheiro a rosa
em tragos de sorver
tão saborosa
és tu minha amada
a ditosa
mulher de meu desejo
a mais formosa
-
Tema o repito neste dito
ai se o que lhe calha é proscrito
-
os teus divinos seios
teu regaço
afrodisíaco cheiro
eu te abraço
mel escorre dos veios
de teu traço
às mãos boca meneios
os enlaço
-
Tema o repito neste dito
ai se o que lhe calha é bendito
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Julho de 2009

Passacaglia

VARIAÇÃO LIVRE A WOLF E A GOETHE

Conheces
-
Conheces este meu mundo
onde nascem os citrinos
as laranjas e os limões
os sóis
abraços divinos
elixires
fluxos supremos
que amadurecem os vinhos
-
Conheces
-
Conheces a minha casa
meu altar e minha asa
esta suprema graça
de onde te escrevo
e que enlaça
a quem me oiça e me sinta
afastando a desgraça
nesta cromática tinta
-
Conhecerás porventura
meu protector de aventura
-
Conhecerás a montanha
que se ergue de tamanha
vontade sem ser tacanha
de vistas inalcansáveis
que não se cansam amáveis
que vêem para lá dos cumes
e que à terra amenizam
de paisagem que perdura
-
Conhecer-me-ás
-
Deixa-me ir ao caminho
com denodo
em meu trono
beber do cálice sacro
os odores deste meu sumo
do qual se pressente o fundo
não o fim nem o princípio
no que com a voz te fecundo
-
( Em homenagem a Elisabeth Schwarzkopf e a Gerald Moore e com um agradecimento à Antena 2 que esta manhã me inspirou )
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Julho de 2009

quarta-feira, 29 de julho de 2009

HOMBRIDADE

Escolásticos, escondem-se por aí agarrados aos seus currículos, incapazes de verem para além dos seus fios de prumo, dos seus saberes específicos que, afinal, com todos os outros se complementam, num academismo soletrador apenas, já não é mau (!), dos alfabetos.
Incapazes de se aventurarem senão por trilhos reconhecidos o que também já não é mau de todo (!), esqueceram a dialéctica que a todos, metodológica mas holisticamente os fazem confluir.
Porque se há trilhos e nada como escalpelizá-los, todos eles como veios de um sistema maior e que nos ultrapassa, ai de quem arrogante afirme que não (!), interagem, num incontido dinamismo, multifacetado entre si.
Vantagens de um percurso que, se não exclui porque não excluo os saberes especializados, antes os valorizo, na linguagem comum, porém, a todos os faz incluir e não a excluírem-se, nas partes que ao todo o enriquecem.
Enriquecem e potenciam!
Exponenciam ...
Escalpeliza-se Deus e a Sua ausência como se se quisessem marcar pontos;
Escalpelizam-se as artes como se estas, apenas pela tecnicidade das suas linguagens específicas, dos contextos ou do sucesso imediato se pudessem avaliar;
Obcecam-se as mentes nas demonstrações científicas, naquilo que objectivamente se comprova ver, fundamental (!) e escamoteia-se tudo o resto e o ouvir, e o sentir, como se como autómatos nos conformássemos com tão só.
E a hombridade, esse desejo de ombrear, altivez louvável, dignidade, nobreza de carácter tão reclamados e imprescindíveis na criação de um novo esboço, apenas perfil global a ser paulatinamente preenchido e sem o qual os contornos de um Novo Paradigma, com dimensão humana porque só pode é tê-la (!), não se compõem nem definem!?
Hombridade, perdoai-me (!), não me falta para escrever o que aqui Vos deixo, mas onde fica a hombridade que recíproca a exponencie ainda mais!?
Neste meu registo minimalista, os meus Destinatários de sempre sabem muito bem o que eu quero, escrevendo, dizer!
E uma entre as muitas coisas que eu quero dizer é que sem a valorização, pelo exemplo, da hombridade não se previne e muito menos contém o flagelo, a chaga aberta dos compadrios e da corrupção.
-
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 29 de Julho de 2009

AFERIÇÃO

Aferir não é simplesmente inventariar
o que a favor ou contra se sufraga
embora o que se eleja tenha a força
de ao povo lhe dar voz e soberania
-
Aferir o que se escreve não prescreve
em soma dividida ou subtraída
tem a ver com a força intrínseca potenciada
e com a subtileza contradita
-
Se a aferição é o silêncio
o que este argumente está em mim
no que eu contra-argumente ao que invente
-
E do que eu assim em mim sustente
e tanto mais quanto o silêncio se enraíze
se torna o resultado grande auditório
-
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 29 de Julho de 2009

terça-feira, 28 de julho de 2009

SEM PÁGINAS DE UMA ARTE

XI- SONATA DE OUTONO
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MÃE E FILHA/AO ESPELHO
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Escolhem sempre a mesma mesa, num canto junto às enormes janelas, de frente uma para a outra. O mar ao lado.
A filha diz:
-Mamã está bem sentada? Veja se quer que eu lhe empurre mais a cadeira. Cuidado com a bengala, acabou de cair!
A mãe balbucia qualquer coisa, não refeita ainda de um mal recente. A filha não lhe dá tempo e continua o monólogo:
-Mamã vamos pedir peixe, é mais saudável. E a sopa está boa? Coma-a até ao fim, os legumes fazem-lhe bem. Olhe, cuidado! Limpe a boca antes que suje a blusa!
A mãe obedece. Desejaria explicar à filha que consegue puxar a cadeira para si, que sabe que a bengala caiu, que gostaria de comer o borrego com alecrim, que sentiu a sopa a escorrer, que chega perfeitamente ao guardanapo e que ouve bem tudo o que lhe diz.
A mãe olha para a filha e vê-se há trinta anos atrás. Ao espelho. Secretamente deseja que a filha se cale também e reflicta silenciosamente a sua imagem.
Deseja dizer-lhe que é demasiado parecida consigo, que não vale a pena dar-lhe tanta atenção, que fale mais baixo, que coma menos, que arranje um namorado, que olhe para além do m2 da sua existência.
Que o faça depressa, porque o tempo voa e ela não, e explicavelmente daqui a trinta anos não terá reflexo no espelho da sua vida.
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De "Instantes Com Mar Ao Fundo"- Sesimbra 2008
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Como dois espelhos em frente um do outro, vemo-nos ou não vemos nada?

Celebrando:
- Höstsonaten- Sonata de Outono - 1978
-Realizador: Ingmar Bergman
- Chopin- Prelúdio op.28 nº2 interpretado por Cláudio Arrau
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Manuela Baptista
Estoril, 28 de Julho 2009

ESPELHADO

Mas, às vezes, a alma é uma fingidora e reflecte o que é, o que não é e o que desejaria ser.
A escrita é um espelho do que somos e do que não somos.
Também tem sons do passado e uma busca incessante de futuro.
Como dois espelhos em frente um do outro.
Se me cederes uma página explico melhor.
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Manuela Baptista
Estoril, 25 de Julho de 2009
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Extraí este comentário, de minha mulher, da página Espelho d'Alma editada a 24 de Julho ...
Fi-lo na convicção de que, às Suas ideias minha mulher teria ficado com vontade de as desenvolver mais, numa nova página que, entretanto, a minha intempestividade criativa ou as circunstâncias neutralizaram.
E como não gosto de calar o meu interlocutor, deliberada ou involuntariamente, aqui reponho o nosso diálogo naquele ponto em que, de novo, a ela lhe dou a deixa de poder concluir, sem ruído interposto, aquilo a que se aprestava a desenvolver.
Espero, Manuela, que ainda encontres a oportunidade de, sobre o assunto, escrever de tua justiça!
Da minha intempestividade te peço desculpa ...
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Julho de 2009

segunda-feira, 27 de julho de 2009

OS TRÊS PÊS

O privado, o público e a política.
Hoje, como sempre, tende-se a encerrar os conceitos em semântica não comunicante, sem dinamismo nenhum, tornando-os estanques e como se se antagonizassem uns aos outros, na contradição das partes que, evidentemente ou não existiriam de per si (!), aos conceitos os enformam.
Fiz uma pequena investigação num bom dicionário de português, o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, aquele que possuo, na procura das pontes que aos três pês, privado, público e política, os pudessem conjugar, complementar mais apropriadamente escrevendo.
Qualquer um a pode fazer e comprovar ou não (!?) o que escrevo e para não me tornar demasiado exaustivo, aqui vos deixo os elos que entre os três conceitos estabeleci:
Privado ou pertencente a um indivíduo, assumido individualmente ou por conta própria, afastado do conhecimento público e veja-se lá (!), relativo ou pertencente a fonte governamental e logo pública, isto é, matéria de Estado embora, eventualmente, seu segredo ou reservada que a há e mesmo se sendo pública ( ... )
Público ou aberto a quaisquer pessoas, sem carácter secreto, manifesto e transparente, universalmente conhecido, o homem ( mulher ) comum, do povo, o que se torna conhecido, que se difunde ou sai a público, o que é editado, publicado, impresso ( ... )
Política ou série de medidas para obtenção de um fim, orientação ou método político, arte de influenciar a opinião pública, conjunto de princípios ou opiniões políticas, urbanidade, habilidade no relacionar-se com os outros tendo em vista a obtenção de resultados, astúcia ( ... )
Pelo que, daqui se pode, legitimamente, inferir que aquilo que individualmente eu assumo e ainda que afastado do conhecimento público generalizado pode ser, paradoxalmente, público, isto é, não ter um carácter secreto, ser um longo manifesto e transparente, saído a público ou editado, tudo o que escrevo o é, dizei-me que não (!?) e reflectir uma orientação ou método político com vista a influenciar a opinião pública e independentemente da escala a que essa influência se processe no relacionar-me com os outros, ondas se vão sentindo (!), com urbanidade seguramente e com um apurado sentido da cidadania, o que é dizer a mesma coisa e reflectindo a habilidade, a astúcia com vista à obtenção de resultados que se partem do homem comum como poderão partir da mulher, lhes não poderão ser negados pelo que anteriormente foi escrito.
Ou poderão ...!?
Muito menos quanto com tamanha urbanidade!
Desiludam-se os que pensam serem o público como a política privilégios de uma casta, classe como soi dizer-se.
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vozes públicas
linhas de pensamento privados
recanto íntimo publicamente iluminado
tal como um espectáculo ou os meus textos
ou de como o privado se torna e no respeito pela privacidade
nos contextos aludidos
intencional
politicamente público
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 27 de Julho de 2009

domingo, 26 de julho de 2009

SEM PÁGINAS DE UMA ARTE

X- AS FÉRIAS DO SR. HULOT
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QUANDO A PRAIA ERA GRANDE
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Os Verões tinham o significado da eternidade, as noites eram quentes e o vento suave como um fino veludo.
Não havia futuro nem passado, o presente era feito de água salgada e areia, de amizades construídas e desconstruídas ao sabor das ondas e as batatas fritas em pacotinhos de papel vegetal eram permitidas entre cada mergulho.
Quando virados para o mar, o lado direito da praia pertencia ao Sr. João e o lado esquerdo ao Vicente, ambos banheiros de calção azul e camisola branca, armando e desarmando toldos e barracas de grossa lona, também ela às riscas azuis e brancas.
Ninguém sabia explicar porque é que o Sr. João, jovem e alto, era Senhor e o banheiro Vicente, mais velho e mais baixo, era apenas Vicente.
As mães confiavam o banho e a aprendizagem rudimentar da arte de nadar a estes dois homens, que terminavam a sua tarefa com cada criança, com uma tapadela de nariz e um valente mergulho que deixava os mais incautos num imenso pranto!
Tive a sorte de escapar a este tratamento de choque porque, com uma mãe que não acreditava na força mas no estímulo, com uma irmã e primos mais velhos, eu já sabia nadar havia muito, mas sempre me senti solidária com os pequenos e tiritantes banhistas.
Às vezes a praia era um palco e tudo ganhava uma enorme cor, quando o som de uma roufenha corneta anunciava o Homem dos Fantoches, os Robertos, que montando um desequilibrado biombo nos contava a eterna história do Toureiro e do Touro Lindo, da Menina Apaixonada ou do Homem Mau que com um cacete batia continuamente na cabeça de alguém.
Outras vezes, eram os Saltimbancos que sobre um pano leve de algodão indiano e ao som de um pequeno tambor, apresentavam uma menina pequenina que se contorcia, dando cambalhotas para a frente e para trás, fazendo o pino num só braço e dando duplos saltos sem hesitar.
A Menina era magrinha e triste e nenhum menino falava com ela, mas em segredo sonhávamos com caravanas, acampamentos e aventuras.
E para assustar chegava o Homem Que Engolia Fogo e que, no meio de um cheiro a gasolina, soprava e incendiava tochas, apagando-as em seguida como quem trinca um chupa.
Até hoje não sei porque é que os Barquilhos estavam escondidos naquela espécie de grande lata com uma roleta, nem porque é que as bolas de Berlim da Sra. Maria não tinham gordura nenhuma.
Todos os anos regressávamos, mas era sempre a primeira vez.
Naquele tempo, a praia era grande e o areal imenso.
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A vila da Parede nos anos cinquenta, era um lugar privilegiado com o iodo da sua pequena praia, a Pensão Portugal, que albergava quem não possuía casa e os seus dois cinemas o Royal Cine e o Parque Oceano, este ao ar livre, onde aprendi com Jacques Tati o que é ter sentido de humor!
http://www.youtube.com/watch?v=SAHf7fuXCGs
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A todos os Tertulianos, para que tenham umas Boas Férias!
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Celebrando:
- Jacques Tati "Les Vacances de Monsieur Hulot"-1953
-Léo Ferré - La Mémoire et la Mer
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Manuela Baptista
Estoril, 26 de Julho 2009

SEM SENTIDO NENHUM!?

É uma vaca amarela
uma gata na tigela
um pesponto
um contraponto
um sapo de gravata
uma batata
uma avestruz
contra-luz
um laço sem nó
no sapato
um pão de ló
roubado a um palhaço
um buraco
no mar alto
um vaidoso
de um contralto
uma velhinha atrevida
um chocolate preto
com dor de barriga
um barco de pernas para o ar
um ministro a besourar
um pirata a chorar
e um besouro a governar
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Manuela Baptista
Estoril, 26 de Julho de 2009

SEM SENTIDO NENHUM

( Posto em comentário, rascunho, na caixa de comentários da página anterior por sugestão de minha mulher )
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Sem sentido nenhum
nem um
nem pum
nem toda a sorte de rum
nem bebida
nem comida
nem por saber-te ungida
aqui multiplicadas
sem norte
sem sequer terem a sorte
as palavras divididas
são autênticas lamelas
são miseráveis favelas
são sequências amarelas
são pequeninas parcelas
de uma conta por achar
são nada mais que encontrar
ou esconder com falta de ar
entre o que elas queiram dar
são toda a sorte
sem corte
são as palavras meu norte
e se te revês neste porte
é porque elas nesta rima
estão prenhes de minha enzima
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 26 de Julho de 2009

sábado, 25 de julho de 2009

MULTIPLICAÇÃO

O que é que vale mais, multiplicar números ou palavras?
Em certo sentido esta é uma falsa questão já que a multiplicação dos números, simbolizando a racionalização matemática, o raciocínio abstracto é molde sem o qual impossível se torna organizar as palavras na sua multiplicação produtiva, fecunda.
Mas, posto este considerando, a multiplicação das palavras é verdadeiramente factor incontornável de riqueza sem o qual, aliás, a Democracia não faria o menor dos sentidos.
Escrevo sempre na esperança de que o que escreva gere interacção, operatividade e, de facto, não me posso queixar da falta delas.
Se atendermos à produtividade mais do que diária a que se sucedem as minhas páginas, raro é que no seu interior não se gere um qualquer diálogo e este é cerne, verdadeiro operador de riqueza que a Democracia, indefinidamente, potencia.
Aliás, a operacionalidade numérica, a matemática, ela também não se tornaria acessível sem a lógica que a explica e desenvolve e essa, convenhamos, exprime-se e logo a começar, pela palavra.
A matemática, tal como as línguas, é uma linguagem!
É um tanto como na música onde em simultâneo confluem, escondida e matricialmente, como suporte ou alicerce, o ritmo, matemática pura, e a pureza da arte que aos sons, pelo sentir arquitectónico, estético, os combina.
Pureza, sublinhe-se, em sentido lato.
Em todo o caso e em última instância não se pode como aqui, deixar de recorrer ao que pela multiplicação da palavra as torna, à música como à matemática, mais inteligíveis.
Como fugas ou diásporas, a palavra torna-as mais operativas, ainda mais potenciadoras e multiplicativas ...
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Julho de 2009

ONDAS

Como comentário ao teu poema ( Farol ) envio uma coisa que me surgiu:
-
Percorri-me pelo mar como a luz de um farol.
Perdido,
sigo a onda
a espuma desgarrada
a escarpa escura
com a cara curtida
pelo sal da história.
-
Percorri-me pelo mar
como farol perdido
como luz em onda
que busca um horizonte,
outro e outro ainda
até ao fim dos horizontes!
-
Percorri-me pelo mar
e estou aqui
no farol que descobri
neste horizonte.
E afinal não é mais que um recomeço!
-
Mário Piçarra
24 de Julho de 2009
-
-
De luz e de faróis se fazem, também, as nossas vidas. Ou mais largas ou mais compridas, mas que sejam iluminadas. E luminosas!
-
a luz não meço
em cada passo que faço
nesse eterno recomeço
luz de farol dirigida
que atravessa o meu regaço
a dar um sentido à vida
-
de luz me faço
de luz vos tenho
neste universo que abraço
- o farol do nosso empenho
-
Estiveste mais do que uma vez presente, Jaime, que sabíamos haver ali um lugar teu. Abraços.
-
-
Orca
25 de Julho de 2009

sexta-feira, 24 de julho de 2009

ESPELHO D'ALMA

Há quem diga que os olhos são o espelho, a janela da alma.
Mas mais do que os olhos, a escrita é espelho d'alma porque nela confluem à uma, o que se vê na escrita com aquilo que nela se ouve, estruturado em linhas de pensamento.
Como se poderá ser sem pensar e Ser sem a palavra que é dela e do sentir, que também através dela se exprime, que o pensamento se faz!?
E tudo isso conflui no que se escreve ...
Espelho d'alma, intencionalmente cingido por um apóstrofe é, concentrado, um poema que se dá a quem vendo-o e logo o lendo, o queira ouvir.
-
ESPELHO D'ALMA
-
É meu espelho d'alma
uma salva
de tiros
homenagem que não mata
ou seja ela só esculpida em prata
-
É uma terrina
ou malga cheia
dos melhores paladares
seja lampreia
sabores das partidas do mundo
império
feito de mil odores
e muita veia
-
É este reflexo
meu amplexo
enorme
sem ser côncavo
ou convexo
sem horizonte fixo
nem complexo
arfando sustenido
como sexo
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 24 de Julho de 2009

FAROL

Farol
é luz que emana
como um sol
ainda que nocturna
ou bemol
que rodopia inteiro
como anzol
alerta desta costa
perigos mole
a cantar o meu mar
naquele escol
que reunido incita
canta
grita
a alegria invicta
desta prole
-
( Nas pessoas do Jorge Castro e do Mário Piçarra, aos meus Amigos que hoje se reúnem pela noite, a partir das vinte e uma e trinta, na esplanada do Farol de Santa Marta, em Cascais, cantando poemas sobre o mar. )
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 24 de Julho de 2009

quinta-feira, 23 de julho de 2009

REFLEXO

Que vejo eu no espelho?
Sou eu?
Não, é o meu simétrico.
E o simétrico, é o meu contrário?
Não, não é, é o meu inverso aditivo.
É o que a mim se soma na aparente disposição contrária que o não é!
É o outro do outro lado, tão longínquo que o nem oiço embora com ele me identifique.
De tanto com ele conviver, mais depressa me revejo no negativo fotográfico do que no positivo embora entre ambos haja uma ponte, um contínuo de revelação.
E que ponte, que contínuo é esse?
É a imagem visual, não a sonora (!), o simulacro da imagem pura que o espelho recriou, descoberta maravilhosa que logo nos fez ver, sem o sabermos, para lá de a meio caminho da anti-matéria ...
E o som, a imagem sonora?
É aí, precisamente aí que a contradição é mais radical sem o ser!
Eu não oiço, vejo o que o meu reflexo diz na absorção monopolista do som de que sou detentor ...
Ele há, porém, uma décalage, fracção temporal diminuta entre o que eu digo e o que vejo o meu reflexo mimar.
Décalage ...!?
Sim, uma décalage que, à escala, ultrapassa os trezentos mil quilómetros por segundo da velocidade da luz, é tal a distância que me separa do meu reflexo e que explica que a este, aprisionado pela luz, o não o oiça.
O reflexo é a imagem distorcida porque fundida com o som que nele, pela distância na relativa proximidade, se confunde.
O reflexo está longe, muito longe, tão longe que afinal até se diz, quando pretendendo romper essa distância partindo o espelho que são sete anos de azar ...!
Afinal, aquele com que mais depressa me identifico, o meu reflexo, dista tão longe, tão inacessível que, não fora ele e não seria capaz de ver ainda mais longe ...
Ele, o reflexo é um permanente enigma!
Se, com a escrita, ela mesma já reflexo, espelho da alma, a Humanidade passou da Pré-História à História, com o espelho, que salto não deu!?
Não te esqueças que todos aqueles instrumentos, microscópios e telescópios, que nos permitem ver em profundidade em direcção ao micro como ao macrocósmico são, todos eles, complexas combinações de espelhos que aproximam o infinitamente distante!
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 23 de Julho de 2009

quarta-feira, 22 de julho de 2009

PORTA

Por aqui, porta de acesso, também se passa a outra margem!
A outra dimensão ...
Que seria do que escrevo sem o que está escrito?
Sem o permanente fluir de meus escritos, dos anteriores aos posteriores?
Nada disto seria o que é sem o que foi!
E o que é também não o seria sem o que está para vir.
Eu rasguei uma perspectiva transbordante de passado e voltada para o futuro, porta virtual sem a qual nada do que escrevo se poderia ir materializando a cada momento que passa, a cada texto que escrevo.
É essa perspectiva, fundada num contínuo devir, que a cada momento molda este barro que trabalho da fonte que brota de meu pórtico.
Nele está contida uma imensa vastidão espaço/temporal.
Como se a cada momento em que me reflectisse ao espelho, espelho que é já esta pantalha em que Vos escrevo, nele a visse a toda essa vastidão, tão ou mais acutilante para a frente, para o futuro, porque lhe dando permanentemente voz que se vai sedimentando para trás, para o passado a tal ponto que nem sei já o que é mais real:
Se o que foi, se o que será.
O que foi, no entanto, já era o que virá a ser!
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 22 de Julho de 2009

PORTAL

Capuchinho de meus medos
teus segredos
são esta vontade
sem degredos
-
Canto porque me encanto
de ver o canto do teu espanto
-
Imperecível adorno de meu manto
é o adorno janela
caravela
-
És meu suporte firme
barco à vela
és minha emoção
e a razão
-
Ai se não foras tu
mantendo à tona
todo este cru
escrever
estar nu
-
Canto sem parar
sem falta de ar
tudo o que sinto
no meu mar
-
E tu se te dás conta
quanto nele
do canto és sal
és alegria
meu portal
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 22 de Julho de 2009