V Série
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VÍCIOS PRIVADOS, PÚBLICAS VIRTUDES
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Aqui vai um presente para consolar o Jaime desejoso de Irish coffee:
http://www.youtube.com/watch?v=eeEbsttGCi8
Agora a história fica por tua conta, só sei que é sobre uma jovem menina que conta ao seu pai a sua adoração por café, trocando tudo por esta bebida incluindo namorados!
MB
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Amada Minha,
EXPIRAÇÃO
Eu não sou libretista nem estudioso de libretos!
Sei que, por alto, a Cantata do Café conta a história de um pai que tem uma filha em idade casadoira, viciada em café e que não o troca por nada deste mundo:
Nem pela varanda, nem pelos passeios, nem pelos namorados e que então, entre pai e filha se desenvolve um braço de ferro onde, final feliz (!) e a contento da filha, esta acaba por conseguir conciliar a sua sofreguidão por tão deliciosa bebida com um namorado à altura de os aceitar aos dois e que o pai se acaba por conformar com tal situação ...
Às vezes, parece que nos esquecemos mas o vício vem de longe ...!
A própria vida é um vício, agarramo-nos a ela e de que maneira (!), de tal maneira que, mesmo quando há um suicídio ele se dá também e eventualmente para que, aos que cá ficam, por aquela vida se sintam, finalmente, marcados, julgada justa ou injustamente por quem o pratica, não suficientemente notada, valorizada, acarinhada muito menos.
A vida, tal como o vício, mata!
Vive-se porém e hoje, numa tal paranóia do que se deve ou não publicamente fazer que o espaço público invadiu o privado num tal sufoco que, por vezes, mal se consegue respirar.
Há causas para que tal aconteça e muitas delas, convenhamos, prendem-se com o que se fazia e ainda faz dentro de portas e que fugia como muitas vezes continua a fugir para um território que parece estar ao abrigo do domínio como da condenação públicas, dando azo a todos os inomináveis.
Posta esta ressalva nada dispicienda, conto um episódio:
Há uns tempos, encontrando-me a fumar no passeio público, cruzo-me com um médico meu amigo que logo exercendo, extremoso, os seus cuidados, vira-se para mim e diz-me:
- Melhor seria se o meu amigo não estivesse a fumar!
Respondi-lhe então e prontamente:
- Sabe doutor, eu só gostava era que um dia fosse possível fazer um estudo onde se conseguisse determinar a importância da variável prazer que é tão subjectiva (!) na saúde e longevidade de cada qual. É que, só assim se percebe que haja centenários que morrem com a beata na boca!
- Tem razão meu amigo, respondeu-me o médico sem saber como retorquir.
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INSPIRAÇÃO
Foi preciso entrar em vigor a lei restritiva do tabaco em locais públicos para me dar conta de até que ponto, antes, imperava a ditadura do fumador.
Ajustei-me sem grandes dificuldades às novas regras e com elas tenho convivido sem por isso me passar a sentir, particularmente, discriminado.
Mas, conto agora um outro episódio:
Estando na fila, ao ar livre e à porta da Repartição de Finanças à espera que esta abrisse, puxo de uma cigarrilha e acendo-a com o cuidado, como sempre tenho, de não bafurar para cima de terceiros.
Atrás de mim, uma senhora aborda-me e diz-me com ar lastimoso:
- Não se importava de sair da fila e ir fumar afastado já que o fumo me incomoda!?
- Minha Senhora, respondi-lhe e também aqui prontamente, eu não estou a fumar para cima de Si e além disso estou na rua e ao ar livre, por isso, neste contexto, discrimine-se a Senhora se quiser porque eu não faço tensões de sair daqui!
E lá foi a senhora, resignada, discriminando-se e de castigo, aguardar a sua vez fora da fila e eu, pacatamente e diante do silêncio gélido e expectante que se instalou, continuei a saborear o fumo a que tinha direito.
Que saudades de um futuro em que imperassem as regras da boa educação:
- Importa-se que fume!?
E já desanuviado o ambiente e sem os constrangimentos de antigamente onde raramente alguém se atreveria a dizer sim, importo-me (!), estas então, fizessem o seu percurso sem tanto não, é proibido ou faz mal à saúde!
Como num salão russo em Nova Iorque ...!
Num sótão dos avós como o é e no melhor sentido o Hermitage onde Aleksandr Sokurov e num único dia realizou a Arca Russa percorrendo séculos de História da alma russa que é também, é bom não esquecer (!), a europeia.
E onde se dança e rodopia pelos salões respirando longamente ou na roda dos amigos se desafia:
- Vai uma pitada de rapé!?
Esse, ao menos, não tem a ele o fumo associado!
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 31 de Janeiro de 2009