terça-feira, 30 de junho de 2009

VINDE

http://www.youtube.com/watch?v=Sr1mZ98RiJo
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Vinde a mim
dispersas sortes
não olheis a quanto importe
se trazeis o que sabeis
mais interessa o que cantais
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Vinde e não chorais
passai por estes portais
pois que a música dos arrais
é bem mais
se é
é cais
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Vinde sem falsos ais
dos puritanos não reza
esta canção minha presa
que aqui vos canto
e que é tesa
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Vinde sem serdes soezes
sem vãs mentiras nem ares
de vos achardes mais pares
sem o saberdes às vezes
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Vinde que tendes lugar
neste meu porto sem par
que na canção que cantais
da entoação sei eu mais
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Vinde que neste meu porte
há lugar para todo o corte
que me interessa se o pecado
é de nós todos bocado
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Vinde sem culpa formada
que desta nossa fornada
há mais um lugar para a enxada
que tragas sem estar inquinada
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Vinde bendita música
arte a tua e minha sina
não julgarão que ensina
o que não sabe
nem rima
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Vinde
que a minha lira
no que toca não delira
se chora é porque tarda
a saber-se o que ela encarna
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Vinde pois
que depois
se saberá porque o canto
vai mais longe neste pranto
não renega o que é santo
é o meu eterno esperanto
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http://www.youtube.com/watch?v=coENn4UzHsY
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Junho de 2009

Magritte, La Folie des Grandeurs
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HOMENAGENS
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Hoje, despenhou-se mais um Airbus 310 ao largo das Ilhas Comores com 153 pessoas a bordo, houve um terrível descarrilamento em Itália que provocou muitos mortos e feridos, mais atentados terríficos provocaram dezenas de mortes no Iraque e morreu, fulminantemente, Pina Bausch. Como na Valsa que coreografou, vida e morte rondam a sua sorte.

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http://www.youtube.com/watch?v=03OAyfCzln8

segunda-feira, 29 de junho de 2009

CASTOR E POLLUX

http://www.youtube.com/watch?v=VvxO0IbagLU
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Sou castor
tu és Pollux
e depois
que interessa o corte
se esta canção é meu porte
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Trabalho dentro de água
faço represas sem mágoa
tu alegras dás calor
aqueço-me em teu ardor
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Tu és estrela
diamante
inundas-me como turbante
acordas-me desde o levante
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Tu és grande
eu pequeno
és brilhante
sou sereno
-
E depois
quero lá saber
do meu tamanho ou dos sóis
se aquilo que em meu ser
o que já faço constróis
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Iluminas
entorpeces
no brilho que expandes
se teces
no que irradias
não vês
nem sabes pôr os porquês
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Se sou cosseno
és seno
ordenadas
simples ângulos
inseparável
aceno
dizes adeus
não és Zeus
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 29 de Junho de 2009

domingo, 28 de junho de 2009

PROBABILIDADE

http://www.youtube.com/watch?v=4ugdr3el9r4
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Antes de mais será importante dizer que se tive uma boa formação elementar e básica, não sou cientista, matemático muito menos.
Gosto, é certo, de fazer perguntas inabituais ou quando se pensaria que nada mais havia a perguntar e, à palma dessa minha curiosidade, espírito crítico seguramente e entre outras coisas, se explica a dimensão de uma Obra cuja extensão já não sei medir em termos físicos, isto é, em número de páginas ou volumes mas de cujo impacto eu não perdi a noção ou não fora parte relevante dela já estar depositada, como me foi participado em ofício e o que maçadoramente Vos repito, na Biblioteca do Centro Nacional de Cultura.
A probabilidade desse depósito poder ter acontecido ...!?
Nunca me tinha, sequer, ocorrido mas o que é certo é que aconteceu!
Às vezes, gosto mesmo de ser salutarmente provocador e foi a isso que, uma vez mais, hoje não resisti:
Estando a tomar o café da manhã numa pequena pastelaria do Estoril, eis que entra nela uma conhecida personalidade ligada ao mundo das matemáticas, do ambiente também e que se dirigiu ao balcão.
Não resisti a abordá-la.
O tempo era pouco e não deu para muito mas, após uma pequena apresentação e introdução, perguntei-Lhe:
- Imagine que toda a problemática ambiental ganharia outros contornos, também outra urgência, admitindo a hipótese de termos atravessado um Buraco Negro?
O meu interlocutor, desfazendo-se num riso que não deu para determinar se era de nervoso, de ironia ou de quem fica pouco à vontade, lá acabou por me responder:
- Altamente improvável, se tal tivesse acontecido, o mais certo era já nos termos desintegrado ...!
Improvável e ... o mais certo ...
Quase que me deu vontade, não tive foi tempo, de invocar o cálculo das probabilidades para que então se pudesse determinar a probabilidade do improvável e de o mais certo poder ou não acontecer.
Não será, a vida, altamente improvável no Universo!?
E mais ainda se complexa!?
E mais e mais ainda se com o grau de complexidade de um ser humano!?
E seremos nós tão antropomorficamente determinantes naquilo que nele, no Universo, tem lugar!?
E que dimensão astronómica, esquecemo-nos muitas vezes dessa sua sobre dimensão espaço/temporal, um Buraco Negro não terá para que, invisível para mais, o pudéssemos ter atravessado, nada de especial (!), sem nos darmos disso conta ou dando-se apenas poucos!?
Sem nos darmos conta a não ser pelos efeitos colaterais, pela exclusão de partes que nos permite identificá-los, aliás, no Universo e já que não se vêem!?
E, admitindo a travessia, que outros efeitos, por reflexo, não desencadearão eles à escala humana e no seu habitat desde a aceleração da História à panóplia de desequilíbrios ecológicos dos quais nós próprios, como reflexos, mais não seríamos do que agentes!?
E que, já agora, as coisas não se passam exactamente como se ilustram nas simulações, animações e maquetas que a um Buraco Negro pretendem retratar!?
Nem na velocidade, nem no tempo e nem no espaço!?
E que por efeito das forças envolvidas em tão complexo e monumental fenómeno, se faz acelerar ainda que subtilmente, sobreaquece e a tudo fragiliza na sua composição!?
Alterando, ainda que ligeiramente, a organização da própria energia o que não quer dizer que ela, a sua massa, a diminuta matéria quando comparada com a dimensão de um Buraco Negro, necessariamente se desintegre!?
O que ajudaria a explicar, por fim, o desajustamento crescente dos modelos de que partimos para atacar os problemas que, a todos os níveis, se mostram cada vez mais e mais inconsistentes e desadequados!?
Em todos os campos do conhecimento!?
E que o tempo, à escala humana é um mas outro à escala astronómica!?
E se tivesse tido tempo, teria continuado a perguntar por aqui fora como exaustiva e sistematicamente o fiz já na minha Obra.
Obra depositada na Biblioteca do Centro Nacional de Cultura, em muito boa companhia como na altura me foi dito, sublinhado e explicitado, na companhia de outros grandes criadores.
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Junho de 2009
Rameau, Dardanus, Les Musiciens du Louvre, Marc Minkowski

sábado, 27 de junho de 2009

SEM PÁGINAS DE UMA ARTE

VIII- MATCH POINT
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O Misterioso Chapéu de Chuva de Seda
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Ninguém sabia ao certo como tinha ido ali parar, mas dava nas vistas o velho Chapéu de Chuva de Seda, rosa fúchsia, leve, macio, brilhante!
Não era dos clientes habituais da pastelaria, pois há mais de uma semana que um dos delicados e zelosos empregados perguntava a quem saía se não se teriam esquecido daquele chapéu de chuva.
A verdade é que o chapéu nem se podia considerar de chuva, tal a delicadeza do seu tecido e do seu padrão. Num início de Verão suave qualquer ventinho o levaria, quanto mais uma chuvada de Inverno.
-Tenho a certeza que pertencerá a uma bailarina, pois apenas alguém sensível e dançante poderia gostar de um chapéu assim! -disse o Escritor, sentado como era seu costume, a uma mesa perto do bar a beber uma bica cheia e escaldada com os seus dois companheiros de tertúlia.
- Pois eu acho que pertence a um sonhador! Apenas alguém que sabe sonhar usará este chapéu. -contrapôs o Pintor mexendo vagarosamente o açúcar na sua meia de leite.
- Mas não, é claro que não! Este chapéu só pode pertencer a um viajante que o terá trazido de longe numa das suas viagens! -interrompeu o Falador, que tinha o péssimo costume de discordar de toda a gente, dando uma enorme dentada num delicioso croquete.
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O Escritor, o Pintor e o Falador todos os dias se encontravam, conversavam sobre os seus trabalhos e embora diferentes, tinham muito em comum. O Escritor escrevendo crónicas e versos, também desenhava e nunca estava calado; o Pintor, que carregava consigo um enorme caderno onde desenhava tudo o que o rodeava, também ilustrava com palavras o que via e o Falador, discordando, discordando, tinha um traço miudinho e gostava de desenhar janelas e varandas de ferro forjado.
Já não se lembravam de como tinham ficado amigos, de como num dia qualquer subiram os quatro degraus que conduziam ao bar, se sentaram perto uns dos outros e como uma certa palavra tinha sido dita e não outra, um certo desenho tinha sido mostrado e não outro, um certo desafio tinha sido lançado e outro não.
Poderia ter sido de outra forma, o tempo e o modo poderiam ter-se inclinado exactamente para o lado contrário e a conjugação daqueles três nunca teria acontecido. Talvez tenha existido um momento de pausa em que os passos se suspenderam, em que os olhos se fixaram, em que as mãos se imobilizaram, em que o tempo parou e depois de repente decidiu qual a direcção a tomar. E o decisivo ponto de encontro tinha sido especial para todos.
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Quanto ao misterioso chapéu, foi colocado para seu conforto no recipiente de cobre destinado aos chapéus de chuva molhados, mas irremediavelmente só, pois estávamos no Verão e não se avizinhava chuva.
No entanto todas as manhãs o Chapéu de Chuva de Seda aparecia num sítio diferente, num canto do balcão, na esplanada, nas prateleiras das caixas de lata onde se guardavam as deliciosas Pratas, colado aos Croissants e chegou mesmo a aparecer junto dos pastéis de nata.
-Mas este chapéu, não tem vergonha nenhuma, sempre de um lado para o outro a perturbar! Se ele pensa que a beleza que possui me vai impedir de o pôr no olho da rua engana-se!-vociferava zangado o dono da pastelaria.
Era um Chapéu de Chuva de Seda inquieto!
Alguém sugeriu que a confusão adviria da sua linda cor, rosa fúchsia e do facto de Fúchsia ser uma flor da família dos Brincos-de-Princesa ou Lágrimas e que o Chapéu não teria resolvido ainda a sua verdadeira identidade, mas como em princípio os Psiquiatras não aceitam chapéus como pacientes, esta observação caiu no esquecimento.
O Escritor sugeriu então fazerem circular na net uma página, para procurar alguém que quisesse e fizesse seu o Chapéu de Chuva de Seda. O Falador disse imediatamente que não, mas foi o primeiro a abrir o p.c. e a executar o sugerido.
O Pintor ilustrou o texto que dizia o seguinte:
"Procura-se Bailarina, Sonhador ou Viajante que tenha perdido um maravilhoso Chapéu de Chuva de Seda rosa fúchsia numa Pastelaria à beira mar e que seja seu desejo recuperá-lo e amá-lo, pois o mesmo encontra-se um pouco baralhado e ainda não encontrou o seu verdadeiro lugar"
Responderam ao desesperado apelo e por ordem de chegada:
-uma Infanta de Espanha
-um Palhaço
-um Psiquiatra
-um Poeta
-uma Menina Vaidosa
-um Ladrão de Pratas
-uma Princesa da China
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Não sabemos quem era o verdadeiro proprietário do Chapéu de Chuva de Seda, mas temos a certeza, que no momento em que este foi reconhecido o tempo parou e que uma Flor ou Chapéu de Chuva de Seda rosa fúchsia soltou uma leve, macia, brilhante e furtiva lágrima.
O meu decisivo match point com Woody Allen foi em Manhattan no preto e branco de uma cidade onde nunca pus os pés e que conheço e imagino graças a ele.
Identifico-me com os seus personagens, com a fragilidade dos laços amorosos, com as angústias de uma sociedade a andar à roda, com os seus intelectuais, com o seu humor meio perdido, imperceptível por vezes, desajeitado e comovente.
Perdoo-lhe os seus filmes menos bons porque se não existissem, como é que poderia apreciar esta obra maior intitulada "Match Point", com o seu enredo perfeito e as suas perfeitas árias de Ópera?
E assim ofereço-lhe uma temporada na Pastelaria Garrett do Estoril, com as suas perfeitas Pratas e um Chapéu de Seda abandonado para que ele realize, com a banda sonora perfeita, o mistério dos seus encontros.
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Resta-me acrescentar que a Infanta de Espanha aparece pela Páscoa, o Escritor mora cá em casa, o Pintor mudou-se para Lisboa mas continua nosso amigo, o Falador não gosta da Garrett após as obras e come croquetes noutro lado, Ladrões de Pratas, Psiquiatras, Meninas Vaidosas e Palhaços há muitos e finalmente o Poeta e a Princesa da China andam por aqui.
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Manuela Baptista
Estoril, 27 de Junho de 2009

PENSAMENTO

http://www.youtube.com/watch?v=22yoYf8d3_E
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Tenho de Vos confessar que ao longo do tempo de vida deste blogue, seis meses que em breve se perfazem, com uma produção de originais mais do que diária, é esta a 189ª página e que vai correndo ao ritmo dos dias e das notícias, dos comentários e das efemérides, das dicas e da espuma do momento que se sucedem e no encadeado que ao texto o coreografa com a música e as imagens e pese embora às vezes poder parecer o contrário, não tenho dado o tempo como perdido.
Se pensamento transportava de trás derramou-se agora aqui, flexibilizando-se a todo um outro ritmo e capacidade de síntese a que este suporte, pela sua natureza, logo me obriga.
Depois, coloco sempre essa interrogação (!), põe-se também a questão do destinatário:
Quando me limitava a escrever por correio postal, os meus destinatários eram concretos por muitos que fossem e ao discurso o tinha sintonizado para essa plateia composta por um público alvo definível nos seus contornos gerais;
O que escrevia também tinha um ritmo diferente, não apenas no tempo, no seu espaçamento mas também na extensão dos textos que um tal suporte permitia;
Depois, passando às mensagens universais enviadas por e-mail, embora se tivesse, em muito, alargado o espectro do meu público alvo sem perder a sua caracterização em traços gerais, a natureza do veículo, permitiu-me imprimir outra cadência e pôr à prova a minha capacidade de síntese;
Agora, se, é certo, ainda mais desafiante se tornou atestar essa mesma capacidade e a aceleração do ritmo de produção, perdi, no entanto, a possibilidade de caracterizar o público a que me dirijo.
Sei que não escrevo para o vazio como sei que não perco de vista todos os destinatários que nas fases anteriores cultivei como continuo a cultivar e quer me leiam, quer não;
Sei que o meu pensamento, de então para cá, não se alterou;
Sei que o meu blogue me possibilitou ganhar ritmo;
Sei, por fim, que a flexibilidade que me tem facultado adaptar a novos suportes e em benefício próprio e de quem me lê não menos me tem permitido continuar, sem falsas modéstias, a desenvolver o meu pensamento.
Subsiste, porém, a questão de como caracterizar, agora, o público a que me dirijo e aí, importa frisar que, como sempre, escrevendo em linguagem comum mas sem o menorizar, ao público alvo, encaro-o inteiro como a mim próprio sem abdicar da qualidade que, se quero que valha para mim entendo que, por maioria de razão, para o público terá de valer.
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 27 de Junho de 2009

sexta-feira, 26 de junho de 2009

SELVA PANTANOSA

A PREPOTÊNCIA COMUM
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Somos todos capazes de assestar baterias ao institucional por omissão ou abuso
indiferença ou compadrio
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Olhe-se
no entanto
para o comportamento padrão
em relação ao cidadão comum
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Se alguém foge da norma
de um comportamento previsível
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Se alguém ousa questionar
quando tal não se esperaria
no incómodo que a interrogatividade suscita
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Se alguém olha mais longe
e sobretudo
sem que tenha um qualquer aval ou chancela
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Se alguém
e tanto mais próximo quanto o for
inesperada
legitimamente se afirma
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Se alguém
se atreve a não seguir os trilhos da ortodoxia
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Logo desaparece todo o espírito crítico
como se as pessoas se sentissem desarmadas
defraudadas
despidas
elas mesmas questionadas
adensando-se um silêncio
esquivo e esmagador
que ultrapassa qualquer outra praxe
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Revela-se este em selva
como bioma armadilhante
ratoeira que à Árvore
em vão
a tenta asfixiar
impedindo-a
desafiando-a a crescer
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A clareira
a claridade desaparece
num torvelinho pantanoso
de enganos
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Mas
e se esse alguém
erguendo-se
e voltando outra e outra vez a erguer-se
não mais parar de persistir
e no que indefinida
e congruentemente crie
se tornar incontornável
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( Na morte de Michael Jackson, a todos os Criadores no seu processo de afirmação )
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 26 de Junho de 2009

quinta-feira, 25 de junho de 2009

NEM SÓ DA PALAVRA VIVE O HOMEM

http://www.youtube.com/watch?v=N-9yNTSdAQs
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Será que estaremos todos de acordo em que não só da palavra vive o Homem!?
A expressão inversa, aquela em que, em resposta à tentação do diabo após a condução ao deserto onde jejuou durante quarenta dias e quarenta noites, Cristo terá afirmado que nem só de pão vive o Homem ( Evangelho Segundo São Mateus 4, 1 - 11 ) é por todos, crentes e não crentes conhecida.
Agora, nem só da palavra vive o Homem!?
É claro, pelo menos para mim, que quer em sentido estrito como em sentido lato, nem só de pão vive o Homem!
O Homem, a Humanidade, não vive apenas de coisas materiais, físicas, vive de muito mais do que isso:
Vive, Ele também da palavra, tomada em sentido estrito como aquilo que se diz ou escreve na sua relação coerente com o que se faz ou em sentido lato, para quem acredite, tomada esta como o Verbo ou sinónimo da palavra de Deus, de Deus em suma;
O Homem vive da realização espiritual;
Vive também da Arte tomada naquele sublimado sentido do real que o transporta para lá dos estritos horizontes do momento ou do projecto de vida que para si mesmo defina e no qual se abalance e persista.
Nem só de pão vive o Homem ...
Mas o inverso, sem cair em qualquer tipo de deriva de que não partilho, também é verdade!
Por alguma razão, logo a Igreja perpetua a celebração do Mistério no qual o corpo de Cristo se faz pão e é dado, em comunhão, à partilha dos fiéis ...!
O próprio jejum tem de ter uma duração limitada sob pena de nem da palavra nem do pão podermos usufruir!
E eu estou em muito boa situação, privilegiada, diria, para afirmar que nem só da palavra vive o Homem!
Essa posição resulta de quem, incansável e num compromisso que, em certo sentido (!), me tem obrigado a um infindável jejum no comprometimento que à palavra me obriga, me compromete e quer ela seja tomada em sentido estrito como lato.
Já lá vão vinte anos de compromisso, de compromisso à palavra dada, escrita por maioria de razão ...
Não se deduzam daqui comparações abusivas ou pretensões ilegítimas, messiânicas que a minha Obra, desde o seu início, aliás, refuta!
Mas a palavra, no mundo dos homens, só faz sentido se for congruente com a práxis de quem a utiliza e se for para ser tomada a sério ...
A sério ou a brincar desde que a sério ...!
E nesse sentido, pelas opções que tenho sido obrigado a fazer em prejuízo, e de que maneira (!), da minha vida profissional, estou em muito boa posição, se estou (!), para dizer que nem só da palavra vive o Homem!
Afirmo-o com a autoridade de quem sabe e em congruência age e portanto o pode, com todo o à vontade, afirmar ...
Afirmo-o com a autoridade de quem dá soberania à palavra!
Nem só da palavra vive o Homem, Ele também vive do pão.
Quem o poderá, com seriedade, negar!?
Enamorado, qual Orlando, o autor, por vezes, indigna-se!
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Junho de 2009
Gustave Doré, ilustração para Orlando Furioso de Ariosto

terça-feira, 23 de junho de 2009

DEMOCRACIA E MÉRITO

http://www.youtube.com/watch?v=g7TD2P0lQL8
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A Democracia não se revê apenas nos instrumentos do sufrágio universal, no pluripartidarismo, na divisão de poderes e no Estado de Direito, Ela consolida-se e aprofunda-se também na potencialidade que tenha de se rever na capacidade argumentativa através da qual se reforça e sustentabiliza.
Ela aprofunda-se, não apenas por conter em si mesma a multitude de grupos de interesses, sindicatos e organizações patronais, uma imprensa livre e o poder mediático na pluralidade opinativa que estes reflictam, organizações não governamentais, seguramente também, mas mais ainda, na medida em que, ela mesma seja capaz de se rever no indivíduo singular, no cidadão, de quem, aparentemente, tão alheada está.
Ela aprofunda-se na medida em que, à sua natureza representativa incontornável, consiga somar a participativa que não menos consistente o terá de ser.
No dia em que, com toda a transparência e na salvaguarda de tudo o que acima foi dito, o cidadão singular a Ela e às sua instituições representativas se dirija com o mérito de quem, pela palavra e sem recurso a meios ilegítimos, coactivos de qualquer espécie ou violentos, nela se reveja fazendo-A, à Democracia, em si próprio se rever, numa prova de fogo que tenha o tempo a temperá-la e conservando intactas as expectativas que o sistema democrático, em si mesmo, encerra, nesse dia mais se comprovará a superioridade moral da própria Democracia que não tem sistema rival à altura.
Não o tem, reafirmo-o!
No dia em que o indivíduo singular, cidadão solitário, sem tropas de choque nem compadrios, conseguir chegar ao âmago do poder democrático e seduzi-lo por seus méritos não menos democráticos e comprovados no tempo, a Democracia sairá duplamente vencedora!
Nesse dia Ela aprofundar-se-á, consolidar-se-á também e não vejo outro sistema que possa estar à altura de fazer frente aos enormes desafios que à Humanidade, no seu conjunto, a interpelam e nesta hora a convocam.
E esse dia, o dia da reconciliação entre super e infra-estrutura, entre o zero e o um, só pode é estar mais perto do que longe e logo porque essa prova vai sendo concretizada ...
De há vinte anos a esta parte e realizada com todo o mérito!
Demonstrai-me que estou errado!?
A Democracia tem, para mim, pelo menos a dimensão da expectativa gerada por vinte anos de intensa e multiforme produção literária, não desmobilizadora e com Ela comprometida, na qual eu mesmo me alimento mas à qual, Democracia e por esta via, não deixo, igualmente, de alimentar.
Mantendo Nela, inabaláveis, todas as expectativas e a esperança, não tenho uma dúvida de que à Democracia também a alimento!
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 23 de Junho de 2009

segunda-feira, 22 de junho de 2009

MÉRITO E RECONHECIMENTO

Havendo mérito, o reconhecimento não deve ser regateado!
Porquê?
Porque o reconhecimento estimula, projecta e difunde o mérito ...
Politicamente, entenda-se também!!!
Como sinal, o reconhecimento projecta a importância do mérito como algo que não é em vão e fazendo-o replicar só pode é contribuir para a multiplicação de atitudes meritosas que mais do que nunca o mundo clama num tempo de viragem que as próprias crises, endémicas diria (!), ao mundo o amachucam na prevalência de compadrios que às mesmas crises as explicam e acentuam na desmobilização que provocam e incentivam!
Num tempo de crise global e de eclipse de gastos paradigmas, o que é que deve prevalecer?
O salve-se quem poder ou a entrega generosa na construção do bem comum!?
Entrega transparente, pública e comprovada, na sua consistência e logo também porque sujeita à prova do tempo!?
E para que uma atitude meritosa de Serviço prevaleça, deve ou não esta ser acarinhada, consagrada, reconhecida e deste modo estimulada!?
Sim, porque não há mérito que não seja merecedor do estímulo!
O reconhecimento e logo o estímulo não são, contudo, fins em si mesmos ...
São meios através dos quais, com transparência, se pode vir a dizer, em voz sonante, que o mérito não é vão e que, se deve ser reconhecido ele apenas obriga a persistir a quem pelo mérito reconhecido o é, numa atitude responsável que apenas acresce ainda mais e ainda mais compromete quem por seus méritos vê a sua acção reconhecida.
O reconhecimento do mérito não é um fim em si mesmo.
É um poderoso e insubstituível meio de realização singular com vista à realização do bem comum e por este último justificado, reclamado!
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 22 de Junho de 2009
Anne d'Autriche

domingo, 21 de junho de 2009

CARTA

( A Obra )
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Minha Querida,
Há obras e obras e estas, sendo-o, não devem ser postas nos pratos da balança como se para aferir qual delas vale mais ou qual tem maior peso relativo.
Não estando em causa ou avaliada que esteja a sua oportunidade basta que o sejam, que sejam obras e que, portanto, tenham na mira o bem da Comunidade para que, sem hesitar, se lhes reconheçam os méritos sendo que feitas, está nas nossas mãos, em certa medida de todos nós (!), fazer com que concorram para o melhor, potenciando-as e delas permitindo tirar pleno partido.
Há obras físicas, infraestruturais e que obrigam a árduo labor, cuja construção não se eterniza no tempo e que uma vez concluídas há que dar-lhes destino para que todos, rapidamente, delas possam usufruir sendo que com maior celeridade se esquece o que ali antes não existia ou o que em seu lugar ali estava, a memória é curta (!), e com o tempo, acaba por parecer impossível que essas obras, uma vez concluídas, não tivessem estado sempre ali, ao dispor de todos!
Têm todo o mérito, essas obras, e há que felicitá-las!
Há também obras que se arrastam indefinidamente porque criadas a pulso no tempo, feitas de palavras e cujos méritos nem sempre ou muitas vezes tardam em ser reconhecidos ...
São essas obras menos valiosas!?
Terão elas um impacto mais limitado!?
Ou deverão elas, igualmente, ser reconhecidas!?
Como ...?
Há obras e obras e nenhuma delas deixa de ser necessária!
Uma casa é uma casa e sem a termos, dificilmente poderemos cuidar daquela outra mais preciosa que é cada um de nós.
E dessa casa, aquela que nós próprios, indivíduos singulares somos não há como cuidá-la, carinhosamente, senão com aquele que é o seu adubo de excelência e pesem todos os desencontros que se possam gerar e que a História abundantemente ilustra, o adubo da palavra.
Umas casas sem as outras não teriam prosperado mas não vale insistir na construção física das primeiras para que depois, inconsequentemente, e desabrochadas as segundas, não se lhes reconheça a estas últimas os méritos que lhes são, por hipótese, devidos.
A não serem reconhecidos esses méritos, para que servirá, então, uma casa!?
Um beijinho,
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( A uma Amiga, AV, que apertei hoje nos braços, após prolongada ausência )
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 21 de Junho de 2009

sábado, 20 de junho de 2009

CANÍCULA

Pesa como chumbo
o ar que vem
do mar e que anuncia
o que o tem
trazido e devolvido
a esta fraga
onde um castanheiro cresce e bem
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Dia de Verão tórrido
o denuncia
antes de chegada a hora
que demora
a vir-me convocar
neste meu estar
e a deste me levar por todo o mar
-
Pesa o calor
como um ardor
que a mim me obriga
seja onde for
a não parar de erguer
o que é meu querer
num grito que me abarca todo o ser
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Junho de 2009

É TARDE II

É tarde para retirar
para olhar sem te amar
na pincelada da música
que aprofunda o meu olhar
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É tarde
soa no ar
a dimensão do pintar
mesmo num grito exangue
sufocado por um esgar
-
É tarde
para não convocar
a beleza que dá vida
que acrescenta do som
as cores deste meu tom
-
É tarde
por nunca o ser
a vontade de viver
não poderei regressar
sem ter mais e mais para dar
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http://www.youtube.com/watch?v=cdN5CdM2B5Q
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Junho de 2009

sexta-feira, 19 de junho de 2009

VIDA E MORTE

Francis Bacon, Estudo a partir do retrato do Papa Inocêncio X de Velazquez
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Somos gerados num grito
nascemos com um grito
e
provavelmente
o amor é uma rede mosquiteira
entre o medo de viver
e o medo da morte
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( tradução livre de uma citação de Francis Bacon, pintor )
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http://www.youtube.com/watch?v=ap99itx8wNI
Francis Bacon, Estudo do corpo humano
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Nascidos vivemos
crescemos
morremos
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não vemos que a morte
é o esgar do grito
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sumiço
-
inspirado eco
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suspiro que damos
e damos
-
que damos e implode
mais quando amamos
-
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Junho de 2009
Francis Bacon

O BELO, A VIDA E A VERDADE

Alguém terá dito, Francis Bacon julgo, que o belo não é a verdade ...
Eu prefiro dizer que o belo não é toda a verdade.
Melhor ainda reforçaria que a arte, no tempo e de avanço, vai variando, forçando os cânones estéticos, introduzindo novos elementos de variação, de avaliação que à estética a redimensionam e nela integram o que até então não se predispunha a ouvir ou a ver, a admirar, desafiando aqueles a quem ela se destina e aos seus conceitos padronizados, enquistados, acrescentando ao belo o que até então se teria, em hipótese, por feio.
O nazismo excomungou aquilo a que chamou arte degenerada ...!
Hindemith incluía-se no role desses artistas que como muitos outros se refugiou nos Estados Unidos.
Acrescentaria então que na arte, o belo é subjectivo embora contenha em si mesmo todos os elementos de avaliação que o permitem dar, definir como tal.
Então, o belo não é a vida, a verdade toda já que nesta há fronteiras intocáveis e tantas vezes violadas, sob pena de cairmos no relativismo absoluto, embora à vida, integrando o até então dado como feio, obsceno mesmo (!), no belo, a arte o potencie, portanto, num belo que é muito mais do que os estritos cânones sociais encarados de uma forma fundamentalista, estática, que se quisessem impor formalmente ao conjunto da sociedade.
Por isso, muitas vezes, a arte choca, sempre chocou (!), faz parte da sua natureza pré-monitoria, precursora, sem que o choque queira dizer, necessariamente, blasfémia ou outros epítetos equivalentes que alguns estão logo prontos a lhe apontar num inquisitorialismo, esse sim, blasfemante.
Quanto mais admiro a arte da renascença ou do barroco, o classicismo também, mais gosto da arte contemporânea.
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http://www.youtube.com/watch?v=iTpAIEp6DUo
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Junho de 2009

Francis Bacon, Tríptico

quinta-feira, 18 de junho de 2009

AMOR MEU

Amor meu
quando te ouvi
soou à nota sensível
antes do dó que é o si
São João estremeceu
em acorde para ti
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Amor meu
quando nasceste
naquele rasgo que vi
num turbilhão de alegria
às mães todas dei uma flor
que cresceu dentro de mim
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Amor meu
meu filho amado
não foi em vão que um bocado
de ti o senti tocado
pela vontade que cabe
na Liberdade de um sim
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( nota Si deriva das iniciais de Sante Iohannes, S. João )
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 18 de Junho de 2009
Leonardo da Vinci, S. João Baptista

JOÃO

http://www.youtube.com/watch?v=HXGLrZMrpuw
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João
Querido filho,
Fazes hoje anos, trinta e pelo facto, à cabeça desta carta, te felicito e te desejo muitos e muitos cheios de realização.
Em Liberdade!
Saberás, porém, sei que o vais sabendo (!), que a Liberdade não é gratuita, tem um preço e tal como o belo, não é toda a verdade.
A Liberdade ... aprisiona-nos ...!
A Liberdade que ao teu pai o levou a fazer opções na vida, paga-se numa prisão que do fundo dos seus calabouços a mim me faz cantar assim, escrevendo, escrevendo, em coerência escrevendo, fazendo ressoar os ecos da minha escrita nas paredes e enchendo a cela da minha prisão de som sem fim e em ricochete, que entre outras coisas diz que te ama e que por te amar me obriga por demais a ser coerente num percurso feito de altos e de baixos mas todos eles momentos de realização profunda.
Que te teria eu para passar, se sendo teu pai não me esforçasse por sentir realizado levando-me, deste modo, a dizer-te com toda a convicção que vale a pena, a vida vale a pena e nela, se maior coisa temos para passar aos vindoiros é que na busca da realização, para a qual não existem receitas, persistir nela, cairmos e levantarmo-nos outra vez, sermos flexíveis quando necessário mas intransigentes no que consideramos serem questões de princípio, persistentes e pacientes também, ó meu filho, se vale a pena!
Amo-te muito, parabéns e muitas felicidades
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 18 de Junho de 2009

O CORREDOR DE SONHOS
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Tem sede
de ar e de água fria
do fruto doce das laranjeiras
do equilíbrio instável das trovoadas
do risco acrescido das correntes
dos degraus que elevam as escadas
de saltos no infinito
da linguagem dos sons
do canto dos pássaros de pedra
de bicicletas voadoras
de amigos de ouro e prata
de brinquedos de lata
de cavalos em madeira
de ternura e de afectos
Corredor de Sonhos
sem metros nem barreira
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http://www.youtube.com/watch?v=duZhnbjris8
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Ao João, Corredor de Sonhos tal como o seu pai, digo que a única prisão de onde não se consegue sair é a da falta de imaginação.
Com um beijo

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Manuela Baptista
18 de Junho 2009