segunda-feira, 31 de agosto de 2009

ELOGIO FÚNEBRE

Morreu, hoje, aquela que foi a minha professora de música por excelência, Maria de Lourdes Martins, conhecida, entre os amigos, era uma grande amiga de minha mãe que não deixou de a acompanhar até ao fim (!), pelo diminutivo Milú ...!
Professora e compositora de excelência, introdutora da Pedagogia Orff entre nós, com ela a aprendi, como a ler e a escrever música, tocar flauta e piano e ainda em criança participei, como intérprete cantor, numa performance do seu Auto de Natal se não me falha a memória nem o nome ...
Maria de Lourdes Martins deixa um enorme vazio preenchido de muitas excepções que como ela, em vida, não terão sido como continuam a não ser, devidamente valorizadas.
Que Deus a tenha em Seu eterno descanso!
E que os homens a valorizem agora que já não está, embora fique, na sua companhia!!!
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 31 de Agosto de 2009

INFLEXÃO DE RITMO

Diane Maloney, Allegro Vivace
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No final do mês de Julho apostei com os meus botões que, exactamente quando todos se preparavam para ir de férias iria intensificar o meu trabalho e tentar manter uma produção de originais bi-diária.
Bem ao gosto da contra-corrente que, convenhamos, de há muito cultivo!
Só anteontem o confessei a minha mulher quando a meta já estava quase a ser atingida.
E atingi-a ontem!
A riqueza de um trabalho, daquilo a que chamo a minha Obra e que não se estabeleçam confusões com obras ou instituições, eu sou uma pessoa independente, não filiada (!), claro que não se mede pela sua quantidade, antes sim pela qualidade do que foi criado mas, julgo, no caso, sem abdicar da riqueza de conteúdos, a verdade é que consegui alcançar o objectivo que a mim próprio havia, secretamente, estabelecido.
Não poderei, agora, deixar de reduzir este meu ritmo de produção que, aliás, tem um preço.
Ele sai-me da carne, desencarna-se de mim mesmo!
Estou, confesso-o, muito cansado ...
E, depois, não deixa de ser verdade que, introduzindo radicais alterações ao meu ritmo de produção, sei-o já de experiência feita, tal também se reflecte e pela positiva, na qualidade e na diversificação dos temas que, eventualmente, venha a abordar.
Não estranhais pois, a alteração que, de hoje em diante ao meu ritmo decidi imprimir:
De allegro vivace para andante con moto.
Bem hajam!
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 31 de Agosto de 2009
Chris Ranes, Andante Con Moto

domingo, 30 de agosto de 2009

NÃO VENHAM

Luca Giordano, Madrid, Museu Nacional do Prado
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Não me venham pias laicas
vozes cantar quais algozes
dizerem como alcatrazes
que escolhi mal minhas sortes
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Não me venham com seus portes
dizer sem força dos fortes
sinuosas em osmose
serem mais do que prosápia
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Fingindo serem amigas
e das mãos terem lavado
como Pilatos intrigas
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Vozes sem ar e sem fado
com o sabor de fingidas
e que respiram enfado
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Agosto de 2009

QUEM SOU

Georgio de Chirico, 1917
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Eu sou o que sou mas também sou o que quero ser!
Cronologicamente, a minha vida pode ser descrita nos seus traços mais relevantes cuja importância, aliás, diverge de acordo com a perspectiva e no que ao próprio, a mim mesmo me concerne, esses traços não conferem, seguramente, com a oficialidade de um percurso, tão redutor que é na descrição de si, de mim mesmo.
Eu não me limito a ser qualquer contextualização que de mim, por mim próprio ou terceiros se pretenda fazer.
A cronologia é, por sua própria definição, o Passado de mim mesmo e nenhum de nós é, numa sistematização que se queira com rigor, apenas o Passado.
O Passado é, por suposto, a aproximação ao que eu fui mas o que fui não se poderá nunca perceber sem o desejado Futuro, aquilo que quero ser, as metas que pretendo alcançar, à luz das quais, aliás, melhor se poderá perceber essa mesma cronologia biográfica, relato dinâmico que nem se extingue, tão pouco, no momento Presente, que passa, que já passou.
Sem projecto de vida, o aglomerado de factos cronológicos de uma qualquer existência pouco sentido fazem e por extensas que sejam as habilitações, licenciaturas ou graduações que de qualquer ordem se possam apresentar.
Já o mesmo não se pode dizer de um percurso, à luz dos seus objectivos aplicados, repito, aplicados e, convenhamos, dos objectivos enunciados de uma vida que são fundamentais para se avaliar, com congruência, o que move quem quer que seja e que sentido fazem, afinal, quaisquer habilitações, marcos que se apresentem.
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Ser doutor
sem causa
arte
é viver
num mundo à parte
é encher um mealheiro
podendo ser-se
trapaça
é pensar em si primeiro
e esquecer o mundo inteiro
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Agosto de 2009

sábado, 29 de agosto de 2009

FIAR

Fia que fia
é o meu odor
do cerco e da porfia
ao alcaide mor
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É a minha dor
tudo o que eu já via
relâmpago pavor
de toda a cobardia
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É o meu amor
a minha alegria
dor que com sabor
da amargura ria
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É sentir a cor
em tudo o que te cria
arco-íris flor
da tua magia
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É querer o que for
sem ter a mania
espantar o horror
em valsa fantasia
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 29 de Agosto de 2009

FACILITISMO

Quem se atreverá a dizer
ter sido
até aqui
fácil o meu caminho
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Ter sido
ou continuar a ser
-
Facilitismo
-
Facilitismo é viver à sombra de fantasmas
de demónios
de medos
ectoplasmas
da superfície das coisas
sem olhar às demais loisas
-
Quem se atreverá a dizer
-
Quem terá o desplante
de olhar para o infante
sem ver os cabos que ao medo
ultrapassou de rompante
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 29 de Agosto de 2009
Painel representando Bartolomeu Dias a dobrar o Cabo das Tormentas

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

INVENÇÃO

É o homem uma invenção de Deus ou Deus uma invenção do homem?
Invenção:
Imaginação produtiva ou criadora, capacidade criativa, inventividade, inventiva, descoberta ou criação, faculdade de criar, de conceber algo novo ou de pôr em prática, de executar uma ideia, uma concepção, coisa que se dá como verdadeira, invencionice, fantasia, descobrimento, achado, inventos da ciência, da técnica, da medicina ...
Tudo isto retirei do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa.
Invenção!
Quando alguma coisa se inventa, cria, concebe, diz a modéstia que deve prevalecer, na atitude artística, técnica ou científica, que se inventa até que o tempo ao invento ou descoberta os venha a suplantar, ultrapassar ou, pura e simplesmente, pôr em causa.
Esta atitude é, implícita, parte integrante daquilo que aos criadores os move, a descoberta sempre inacabada da verdade, sob pena de o próprio espírito que a eles tem de presidir se ver adulterado numa deriva bloqueadora da abertura de espírito sem a qual a arte não se expande, a técnica emperra e o espírito científico definha, deriva e se subverte.
Para os crentes, por seu lado, Deus é uma questão de fé e logo, insusceptível de ser demonstrado.
Contudo, seja qual for o ponto de partida de que se parta, a probabilidade ou a fé, esta é uma discussão sem fim e que os alavanca e sempre, a História o demonstra, convenhamos, a ambos os pontos de partida.
A invenção, contudo, é comum a ambos.
Foi Deus que inventou, criou o Homem ou foi o Homem que inventou, criou Deus?
Pergunta:
Não é a invenção, a criação em si mesma, terreno suficientemente fértil e comum, vasto, susceptível de os mobilizar a ambos os campos e independentemente do ponto de que se parta?
Se foi o Homem que inventou Deus, que espírito é esse de tal maneira vasto, até ao improvável, que permitiu que chegássemos até aqui?
Que invenção maior essa que, igualmente, permite questionar até que ponto é que o Presente não é, ele mesmo uma invenção e cada um de nós também!?
Ou então, se Deus criou o Homem, que parte relevantíssima não tem ele, o Homem, na própria Criação!?
E por fim, nesta intersecção ou encruzilhada, que necessidade existe de continuarem, um e outro campos barricados nas suas trincheiras como se em guerra civil permanente continuassem a viver e dela, acossados, tivessem absoluta necessidade para sobreviverem?
Como se lhes faltasse, a uns e a outros (!), convicção bastante que os obrigasse a estarem sempre a jogar numa aguerrida defensiva!?
Não contem comigo para qualquer choque confessional, já que o ateísmo é, ele próprio, uma confissão, aquela que acredita que não crê, ou ideológico, de religiões, cultural tão pouco, campo fértil para quem, ainda que diga o contrário, na Humanidade não acredita de todo!
Choque que, aliás e na oportunidade dos tempos que correm, no seu cerne alimenta, em si mesmo, todos os fundamentalismos, laicos ou confessionais e neles incluídos os fundamentalismos do terror!
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( A necessidade aguça o engenho, o aguço engenha a necessidade e o engenho necessita do aguço, do estímulo.

E o que é o estímulo, o input, o impulso?

Eu, pela minha parte, e podendo dar-lhe uma infinidade de nomes, sei muito bem de onde ele vem e que nome dar-lhe, mas vindo e sendo de natureza confessional, não o quero estar a impôr a ninguém nem tal é, para o caso, de bem sopesada relevância! )

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Jaime Latino Ferreira

Estoril, 28 de Agosto de 2009

CONVERSA FIADA

É muito cómoda a atitude daqueles que, não dando a letra ao manifesto, disse letra e não corpo intencionalmente porque me refiro à palavra escrita embora a analogia faça sentido, e à medida que a minha Obra cresce, encontram ainda o desplante de mandar bitates de oralidade mais do que duvidosa.
Pegando em pontos desgarrados e descontextualizados do que meticulosa e publicamente vou escrevendo, dando a cara embora não tenha ainda a fotografia, o nome e o corpo inteiro, quando oportunidades não lhes faltam para aqui ou por outros meios escritos deixarem, de sua justiça, o que tenham a escrever, insinuam para a esquerda e para a direita e a seu belo prazer como se tivessem legitimidade de me obrigar, a partir desse ponto desgarrado, a escrever, melhor, dizer tudo o que na Obra, sistematicamente já foi abordado e esmiuçado desde o seu início.
Como se eu tivesse a obrigação de lhes contar, em particular, o que a seu tempo não tiveram disponibilidade para ouvir, como se fosse teta sempre pronta e até à exaustão, a ser ordenhada!
Vantagens da escrita ...
Descobri-as, posso escrevê-lo e sublinhá-lo, há muito ...!
É que, o que está escrito, está escrito, não é o diz que diz-se da boataria!
É por essas e por outras que, doravante, quando me venham com conversa fiada lhes direi:
Basta, tenham ao menos a frontalidade, a dignidade diria mais (!), de dar o corpo, a letra ao manifesto!
Não concordais, escrevei-me pois e dos porquês que eu cá estarei para responder pelos meus.
Chega de paternalismos, de prepotência, de omissão e de diktats que os houve e em demasia!
E se não escreverdes nada, fundamentada, explícita e directamente ... é porque, definitivamente, a razão não está com a conversa que se fia sem qualquer comprometimento.
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Agosto de 2009
Thomas Gainsborough, Boy in Blue

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

DISPARATE TÉTRICO

Tétrico
o disparate
remate
que encaixe
não vai-te
estragar
a noite
que escura
põe-te azul e muito dura
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Esqueleto
disforme
que entorne
tua secura
que dorme
e que te faça suar
da doçura
cura fura
que te mostre a formosura
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( ai dos sisudos
casmurros
que assustarei
boquiabertos
se lhes acerto
é certo
que os urros
deste esgar
os atingirão por perto
)
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É uma ossada
que ri
palmadinhas
que benzi
tétrico
o disparate
é um vate
raios ta parta
profecia que previ
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 27 de Agosto de 2009

DISPARATE ELÉCTRICO

O disparate
tem métrica
que medida
é simétrica
tem a rima
diluída
choque de
corrente eléctrica
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Corrente
que passa num fio
e galvaniza o pavio
o disparate
que passa
tem a vontade do cio
o desejo que se ergue
de tudo aquilo que mio
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E quando rio
se liberta
a paródia que acerta
do disparate
não fio
o acanho
em que se aperta
a vergonha que deserta
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 27 de Agosto de 2009

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

DISPARATE ÉTICO

Francisco Goya, Disparates
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Ético disparate
troco-lhe as voltas
que ate
pois que siga o dislate
do que até
em ti
desate
-
Oh disparate
sem mácula
sem mate
sem xeque
empate
pois se ético nasceu
que disparate é o meu
-
Dispara
o que dispa
e que diz
disparate
por um triz
pára o que diz e que para
ti eu dispo enquanto ris
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 26 de Agosto de 2009
Francisco Goya, Disparates

TENSÃO

Sem essa tensão, sem a tensão do relatado anteriormente, o que escrevo não teria a intensidade que, julgo, tem.
Entre o bem e o mal fazer que é também o escrever;
Entre o melhor e o pior;
Entre tudo e nada ...
Corda!
Corda esticada ao limite, na afinação possível do instrumento que vibra, que sobe aos céus e dos infernos vê o precipício, mantendo um equilíbrio que se expande mais e mais no tempo, sem a veleidade messiânica mas repelindo sempre o malévolo, a tentação totalitária.
Para bem agir, não é preciso ser-se um santo e muito menos proceder como o Santo dos santos ...!
Os tempos e também por Sua acção, mudaram e muito ...
Não é preciso seguir-se à letra ou a própria letra nos diz que para nos guiarmos, no caminho da Libertação, veio cá Um, a partir do Qual, cada um de nós terá de encontrar os seus caminhos, à sua escala e medida!
Nesse equilíbrio folheia-se o Livro e, à sua luz e na matriz em que nos moldou, encontram-se caminhos intermédios, balanceados, terrenos e a que a Terra não se cansa em nos desafiar na salvaguarda da Liberdade a que me mantenho fiel, sempre, interpelado pelos gritos com que, à saciedade, ela própria nos invoca.
Afinado o instrumento e na tensão suscitada, desde o início, entre a Estética e a Ética, na entrega que logo aqui se patenteia a quem dúvidas lhe restem, calibro a tonalidade e sigo o meu percurso no registo que vou, paulatinamente, abrindo e deixando ...
A ninguém assiste o direito de exigir a santidade até porque os santos a não exigem aos demais e mais, compadecem-se de nós!
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( A linguagem utilizada foi esta como podia ter sido outra bem mais prosaica e profana )
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 26 de Agosto de 2009

Théodore Géricault

QUANDO ESCREVO

Quando escrevo um poema
a tensão que o emprenha
na ética matriz e seu lema
na estética ele se embrenha
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Sem tensão entre dois pólos
o que me saia não cola
é lassidão sem ter colos
não salta como uma mola
-
Não vibra na minha sacola
sem estocada de uma rena
é como sapato sem sola
-
Quando escrevo o que venha
sem ética estéreis os solos
nem há estética por senha
-
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 26 de Agosto de 2009

terça-feira, 25 de agosto de 2009

DA IMPORTÂNCIA DA ESTÉTICA

Há quem insinue, por actos e por palavras, ser a Estética de somenos e a olhe de viés:
Que não alimenta;
Que não faz dinheiro;
Que não se reproduz.
É claro que a verdade não se confina, dura realidade (!), ao belo e à reflexão que lhe subjaz!
Nem o discuto, é por demais evidente ...!
Mas o que sei é que a Estética que, aliás, não prescinde da Ética, tem maiores implicações no real do que, à primeira vista, se possa intuir ou pressentir.
Pergunto:
Que seria da vida sem as artes plásticas?
Que seria da vida sem a música?
Que seria da vida sem a poética que logo e independentemente de outras e distintivas leituras que em outros planos se sobrepõem, enforma os Livros?
Por Livros refiro-me eu e aqui, sem desprimor por todos os outros que de qualidade literária sejam e não excluindo aqueles que de qualquer persecução moralista cada vez mais insuportável são alvo como, tantas vezes, as artes em geral o são (!), refiro-me, escrevia, aos sagrados e de todas as religiões, dos mais antigos resistentes à prova do tempo ...
Que seria das religiões sem a arte!?
Não se reproduz, a Estética, em bens tecnológicos, materiais ou económicos ... quem o poderá garantir!?
Se exalto o belo, crio, pela emoção, eventual oxigenação;
Faço-a replicar-se;
Reproduzir-se e se assim é crio espaço, folga, respiração adicional, esperança;
Sim, esperança!
Se crio respiração adicional, contribuo, inevitavelmente (!), para o equilíbrio ecológico, não se trata de um mero jogo de palavras, para cuja sustentação não basta um normativo pejado de nãos, em si mesmo inquisitivo, por demais desmobilizador;
E se, implicitamente, reforço a Ética, o carácter distintivo, a qualidade no seu mais alto grau e que logo para a Estética, de novo, remete, dou um alento adicional a todas as boas práticas.
Boas práticas que, em si mesmas já são artísticas, estéticas e independentemente de se traduzirem ou não em obras de arte!
Será pouco ...!?
Então que dizer da beleza, da beleza intrínseca, entenda-se (!), que se não for instilada e no stress e aridez em que quotidianamente se vive, nos asfixiarão, secarão em insuportável sufoco!?
O não sufoca e mata, o sim que pela Estética se alimenta e reproduz, nunca pelo não (!), multiplica-se, replica-se e pode, essa sim (!), ser verdadeira e globalmente mobilizadora.
E ainda que apenas a um, a um destinatário ela chegue, toque, imbua que noutro e noutro mais se fará, por natureza, replicar.
Reparem que, não casuisticamente, identifico a Estética tal como a Ética com um sim implícito, com a afirmação, com uma atitude positiva, com um mais que suplanta todos os nãos!
É escusado, diga-se o que se disser (!), a Estética é verdadeiramente contagiosa e aponta para longe, muito mais longe do que o real, em si mesmo, já desvenda, é transformadora e de alcance incalculável!
A Estética que pela Ética e não por falsos moralismos se realiza, conta-se entre os bens mais preciosos, materializáveis, replicantes, hereditários e duradouros.
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Agosto de 2009

QUADRATURA DO CÍRCULO

Sou do círculo quadratura
ou a vontade que dura
lados que tenho visão
da curva este meu chão
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Em círculo resolução
quadratura prontidão
do quadrado tenho altura
diâmetro do círculo largura
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Das arestas tenho a dura
resistência prontidão
a persistência que fura
-
Na palma da minha mão
da curvatura a lisura
do rouxinol emoção
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Agosto de 2009

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

ARLEQUIM

Banhista na praia
campista
férias
benditas
canção
é minha fórmula
razão
de um poema
teorema
matemático
trovão
cientista
supetão
de minha arte
artista
da palavra
pianista
-
Cérebro ao quadrado
por massa
sou energia
que passa
de todas as cores
sem ter raça
sou um Einstein
que trespassa
nasço
das flores
argamassa
coberta
de tudo
o que faça
-
Sou arlequim
benjamim
trapezista
frenesim
de um alquimista
eu vim
pelas terras
do sem fim
nelas me banho
das regas
nos lodos
macios
as refregas
e toco
no meu clarim
-
Ouves tocar
pois então
porque esperas
vastidão
tocas melhor
não sei não
e de cor
eu sei o chão
que piso
oh multidão
é meu olhar
um clarão
da luz
que corre
em meu vão
-
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 24 de Agosto de 2009
Almada Negreiros, Estudo Cénico, Arlequim

FUI

Em alguma vida fui ave
-
Pois se dela guardo a memória
-
E se dela sinto a história
-
A menos que essa glória
passada
não seja mais
do que a levada
residual
recordação
de um coração que bate
como as asas
de uma bela ave
sobre as casas
-
Terei sido
fui
que importa
anjo
-
Pois se dela sinto o voo
serei um banjo
-
( Dedicado a um poema, Lembrança Alada de Mia Couto editado a 23 de Agosto no blogue Em Segredo, http://filomena-emsegredo.blogspot.com/, de Filomena Claro )
-
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 24 de Agosto de 2009

domingo, 23 de agosto de 2009

PLANOS DISTINTOS


Ao contrário do que alguns pensam e independentemente de se acreditar ou não, exaltar-se a vida não rouba terreno à fé nem, tão pouco e necessariamente, a desvirtua.
Muito antes pelo contrário!
A perplexidade que a realidade concreta, quantas vezes, pelo belo, nos fascina pode antes ser terreno fértil que logo pela perplexidade a alimente sem que, é certo, se devam confundir os planos distintos de abordagem que sempre, neste tipo de reflexão, nos interpelam.
Olhe-se para um pessimista inveterado que, em simultâneo, não seja pessoa de fé e interrogamo-nos, eventualmente, sobre as saídas que ele, assim sendo, nos deixa!?
Provavelmente, nenhumas!
Olhe-se para um pessimista, não menos inveterado mas que se afirme crente e, provavelmente, ficaremos a pensar que se por aqui não nos são oferecidas quaisquer saídas, restar-nos-á, contudo, a esperança numa outra vida ...
De permeio, contudo, o que restará!?
De que servirá, então, esse in between!?
E, que relação existirá entre ele, esse permeio que é a nossa vida e essa esperança que esse crente não parará, supostamente, de invocar!?
Há distintos planos de abordagem desta problemática, quer pelo olhar de quem não crê como pelo olhar da fé a que não me furto e onde me integro mas eu atrever-me-ia a dizer que como leigo, não posso deixar de valorizar esta vida sem a qual não restarão possibilidades de redenção, de ligação à outra.
E que, se o não fizer, se não exaltar o belo que se patenteia a quem saiba olhá-lo e que logo da realidade jorra, estarei como tantos outros a cavar o fosso de acesso a esse Portal, sem o qual, à outra também não acederemos!
Há, repito, planos diferentes de abordagem destas matérias, mas o que eu queria aqui sublinhar é que eles são complementares e que, portanto, não se antagonizam, necessariamente, entre si!
Há olhares a que eu chamaria de piedosistas que à força de tanto se quererem identificar com o além desprezando o aquém não melhoram este e não servem a quem, por tantas e esforçadas juras, quantas vezes (!), dizem querer servir.
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 23 de Agosto de 2009
National Geographic

AZULEJO

Em branco
como o papel
o ecrã
é o meu painel
tela
suporte
cinzel
gravador
de meu burel
-
Hóstia sem mácula
anel
junção
com a minha pele
timbre
sem ter o fel
é azulejo
lugar
ala a namorar
-
Em branco
cerâmica e par
é o meu eu
sem secar
fonte ao expirar
é como água
a brotar
onde tudo
tenho a dar
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 23 de Agosto de 2009

sábado, 22 de agosto de 2009

A LUZ E O SOM

A luz é o que se vê depois do rastro deixado pelo som e que vem de muito antes e de muito depois
-
Ela ofusca-nos
subverte as coordenadas de uma equação que
em rigor
se deveria enunciar na inversa
-
Imaginemos
por um momento
que o Sol implodia sobre si mesmo e que
a essa implosão
incólumes sobreviveríamos
-
Primeiro
alguns minutos depois
deixá-lo-íamos de ver
-
Só muito depois
fizessem-se as contas
e já que a velocidade do som pastela quando confrontada com a da luz
chegar-nos-ia o som desse fenómeno
-
Ele
o som
pós-cede na recepção mas antecede na emissão
porém
o eclodir luminoso enunciado
-
Ele
o som
simetria do que se vê
da luz
ambos facetas inseparáveis da energia refractada
abre-a e fecha-a
dá-lhe profundidade
sentido global
universal
-
O som pré-anuncia e resolve
-
Falo porque processo a informação e esse processo assenta
desde a raiz
na matriz sonora
no pensamento onde som e luz invertem as suas velocidades
e que pela simbólica da escrita
seu reflexo
os faz convergir
síncrones
reencontrados
audio e visual
a luz e o som
num todo que se reformula
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 22 de Agosto de 2009