DA CRIAÇÃO AO APOCALIPSE
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No princípio era a palavra, o signo ou input, um Eu sem limites nem fronteiras, mergulhado no caos e logo pela palavra o caos organizou-se.
À esquerda do Eu o divino, à direita o sibilino, em luta titânica ao Eu, nos seus inquestionáveis limites, o condicionaram retirando-lhe a liberdade sem fronteiras e obrigando-o a comer do pão que o diabo amassou em busca da sabedoria que o pudesse reconduzir e o fizesse reencontrar o paraíso perdido.
O Eu fez-se então um deus, uma multiplicidade de deuses para todas as situações, prostrados diante de um Eu maior e inquestionável à volta do qual os eus se situaram na inquestionabilidade do privilégio de se ser o deus de todos os deuses e no progressivo reencontro brutal de todos eles.
Um Eu houve, então, que se afirmou filho de um Deus maior e irmão de todos os outros eus, sem excepção, subvertendo a ordem estabelecida.
Condenado e por todos sacrificado recentrou Deus entre os deuses e colocou-O ao alcance de todos os eus, perante O qual, todos os eus passaram a ser irmãos e iguais.
Os eus, na subversão estabelecida e sempre replicante do caos, guerrearam-se entre si na presunção descabida de se continuarem a achar mais do que os outros e usurpando Deus aos deuses e aos eus.
Até que entre si se reviram uns nos outros, reconhecidos todos nos limites do mundo por explorar, depois da imensa e prolongada Diáspora que a todos os pôs, irremediável e definitivamente, em contacto.
O Eu percebeu, assim, quão longe poderia ir entre os seus pares, permanecendo um igual e em nome de todos os seus iguais, para que todos pudessem ir mais longe, sempre e cada vez mais longe.
E o céu abriu-se como o mar, a sangrarem, oferecendo novos e desconhecidos mundos ao mundo por explorar e que pelos eus, por todos eles devessem ser cuidados.
Quer os conhecidos como os desconhecidos eus ...
Quer os conhecidos como os desconhecidos eus ...
Aos eus, as palavras e os signos abriram-se-lhes também em profundidade por conhecer e que aos poucos e logo depois pela música, melhor os ía fazendo ver cada vez mais ...
Desmaterializando-se quase sem darem por isso, no império, todavia, da matéria a que ficaram, para sempre, amarrados, espírito e corpo, corpo e espírito da morte se íam, por esta via, libertando, em busca da Vida sempre por realizar no anunciado apocalipse que pela morte e em permanência se realiza também.
Deus tinha, sabemo-lo, descansado e sabia o que fazia porque o trabalho tinha sido delegado, à Sua imagem, em todos os eus!
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Outubro de 2009