sexta-feira, 30 de abril de 2010

SOMBREADO DE TI

Jaime Latino Ferreira, Sombreado de Ti, em suporte de papel e acrílico, lápis, canetas de feltro e de aparo, 6 de Fevereiro de 2003
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Sai a sombra da moldura e me invade
refresca-me da luz intensa e solar
lunar estrelado céu que não tem par
sem vestes que não sei onde buscar
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Pintei-te sem seres tu porque és ímpar
tu que a mim me tens em teu pomar
és tu que nos conduzes e que me há-de
mais do que à sombra ter e ao que quero dar
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De oiro fugidia e a voar
se escapa tua aura sem soltar-me
de ti e do fascínio de te amar
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Promessa de um eterno começar
são teus cabelos soltos quanto mar
e tua nudez chama que em mim arde
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no aniversário da nossa sagrada união
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ECOS DO QUE AQUI SE PASSA
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O meu muito obrigado!
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Abril de 2010

quarta-feira, 28 de abril de 2010

SEM TÍTULO

Luís Camacho, Aguarela Sem Título, 1985, fotografado e pertença de Jaime Latino Ferreira
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Que história, leitura sem título poderia eu extrair desta obra plástica que adquiri há longos anos em galeria de Cascais que hoje já não existe, A Alfarroba e de cujo autor não guardo senão vagas referências que para aqui não importará relevar?
Se, é certo, o autor a compôs com uma intencionalidade implícita ou explícita não menos certo é que quem à obra a observa dela se apropriando e neste caso no duplo sentido de dela poder usufruir e no privilégio que tive em a adquirir, a empatia que com a obra se cria é, em si mesma, recriação dela própria e que nada impede, a quem a admira, de o fazer.
Chamar-lhe-ia o terceiro sentido de uma trindade que reúne em si mesma a vontade do autor ou transmissor da mensagem artística, o que dessa vontade resultou, a obra em si mesma e que se estampa nesta ilustração e, por fim, a interpretação que o receptor, o espectador que dela usufrui lhe retira, esse tal terceiro sentido a que me refiro e sobre o qual, aqui, livremente efabulo.
É claro que se eu, como receptor privilegiado da obra lhe retiro como posso não retirar uma qualquer mensagem, interpretação, leitura ou história sempre legítima de se fazer, outro qualquer receptor, o leitor que aqui me siga, por exemplo, tem toda a liberdade de dela, da obra que a este meu texto a encima, na sua fruição, outros sentidos dela lhe extrair e desde que da obra, em si mesma e que ao autor já o espelha, não se lhe faça tábua rasa.
Há pois uma trindade sempre elevada à potência de quantos a observem inerente à criação artística aqui retratada numa pomba branca, diria, o estado de graça do artista e que quase ultrapassa os limites físicos da obra a tocar, para lá do suporte em papel ou cetim (!?), o seu invisível autor, sobre uma metade em fundo claro, luminoso em que esta se subdivide planando, talvez, sobre uma forquilha ou ancinho, arado, o aguçado olhar que à obra a revolve como terra arável, fecunda e pronta a dar-se a quem a vê ...
Da outra metade em fundo escuro, ressalta angular ou mais incisivamente sinalética a sugerir uma rúbrica, talvez um jota ( J ), um éle ( L ) e um éfe ( F ) duplamente invertidos e sobrepostos ou um sinal de igual que a Ti como num tê ( T ) igualmente invertido, ao observador, na emoção estética que desperta, o inclui revirando-o do avesso e quase o atingindo também para lá do suporte, a branco como a pomba também e cujo conjunto logo me interpelou quando a esta obra a decidi adquirir.
Aqui, nesta outra parte em fundo escuro, não há forquilhas, arados ou ancinhos, sobreleva em fundo o negro de todas as cores, a suavidade do abismo de quantos a usufruam, câmara escura de quem à obra a observa, dela se compraz e a revela como força de atracção irresistível que a capta e aprisiona no outro autor debruada a azul, o céu de cada um, uma vez mais aquele que dela usufrui, sua última razão de ser e que lhe dá uma pluralidade de sentidos, igualmente inesgotável, sem os quais a própria obra não teria razão de ser.
Em simultâneo, o autor retrata-se no acto de criar, à esquerda, pela distância panorâmica de um voo que sempre, ao acto, o caracteriza, na certeza de que este é inseparável do voo do outro autor que com ele próprio, na obra assim criada, face a face com ela se identifica nos sinais ou símbolos dados a conhecer e que aqui se descrevem e ainda que por portas e travessas, à revelia do próprio Luís Camacho ...
Sem Título é uma obra com título, o de Camacho e o meu próprio para não falar em todos os títulos que aqueles que aqui me leiam e à obra a observem a queiram deles acrescentar ou distinguir.
Poderia não haver história, uma emoção estética não racionalizável tão só, que nem por isso ou por maioria de razão, o título lhe encaixaria na perfeição ...!
Sem Título de Luís Camacho é uma obra que irresistivelmente me tocou e da qual, na legitimidade que ao outro autor sempre lhe assiste, sem hesitar, me apropriei comprando-a e dela me permitindo, embora Convosco a partilhando, usufruir em abundância!
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 27 de Abril de 2010

segunda-feira, 26 de abril de 2010

À BEIRA DO ABISMO

Olaria Negra de Bisalhães, Arte Popular, fotografia e peça de Jaime Latino Ferreira
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As coisas deixam de correr bem quando perdemos a noção de que vivemos à beira do abismo ...
O Universo é um abismo sem fim;
A Terra gravita nele e dele depende num encadeado de frágeis equilíbrios sempre à beira de se romperem;
Nós, Humanidade, da Terra dependemos e não ela da nossa proficiência e sem ela, sem o frágil eco-sistema que a caracteriza e em que tão miraculosamente nos integramos, que seria de nós;
Eu dependo dos meus pares e iguais e que seria de mim se as interacções que uns com os outros, vá-se lá a saber porquê e porque casuísticas oportunidades estabelecemos, falhassem ou se corrompessem ...
O que dávamos por adquirido ...!?
Habituados a vivermos em sociedades aparentemente seguras e pesem embora todas as disfuncionalidades e acidentes, atentados que, por todo o lado, à nossa volta têm lugar, o 11 de Setembro de 2001 constituiu um verdadeiro choque que subitamente atingiu o coração do sistema que para o melhor como para o pior dávamos por seguro e inexpugnável, nos elos aparentemente inquebrantáveis em que nos julgávamos, quiçá, bastar e mover.
Súbita e colectivamente, perdemos aquela sensação de segurança que tínhamos por adquirida no abismo à beira do qual, afinal, sempre gravitámos.
A vida, essa, exactamente porque despertos desse entorpecimento em que, anestesiados, sobrevivíamos, tornou-se mais real e sensível.
Sempre vivi na sensação ou vertigem de estar à beira do abismo e esse acontecimento apenas acentuou essa minha percepção!
E quando assim é, o mundo deixa de ser plano, contínuo e imediatamente cognoscível para passar a ser permanentemente interrogativo e uma ininterrupta descontinuidade a redescobrir nas contiguidades ainda e sempre por recriar ...
À beira do abismo, a percepção do real ganha outro relevo, magia mesmo e a não sermos tomados pelo medo e sem perdermos a capacidade de nos emocionarmos, maravilhamo-nos tal como, eventualmente, nos indignamos e sofremos a cada passo!
Quando assim é, munimo-nos de outra carapaça que nos transforma em verdadeiros sobreviventes e ainda que as causas por que pugnámos ou pugnamos transcorram, todas elas, num espectro micro-cromático que apenas o será, eventualmente, na perspectiva relativa de quem o ou as vê de fora.
Quando assim é, a vida vale mesmo a pena ser vivida e a Liberdade, frágil como ela também o é, conquista-se a cada dia que passa!
Em cada texto que escrevo, derramo tudo como se fosse o primeiro e o único que me sobrasse, à beira do abismo, deixar por testemunho, partilhando-o inteiramente Convosco.
À beira do abismo sou uma peça ímpar, par que junto a um poço na amizade ou no amor, que elo simultaneamente indestrutível mas tão frágil (!), se revê e sempre e mais se reconstrói!
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a um casal amigo de longa data que me ofereceu esta peça de olaria negra de Bisalhães
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 26 de Abril de 2010

domingo, 25 de abril de 2010

LIBERDADE

Jaime Latino Ferreira, Branco da Paz, 2010
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A Liberdade
é uma flor
cravo
rosa
flor de couve
seja qual for
ouve
já cresce
abre-se radiosa
frágil
e à Paz
alvo aroma
anuncia
cheio de cor
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nos trinta e seis anos sobre o 25 de Abril de 1974
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Abril de 2010

sábado, 24 de abril de 2010

II - SUBTERRÂNEO LIBERTO

Jaime Latino Ferreira, Passagem Para a Luz, 2010
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Há um ponto, insofismável ponto, em que o subterrâneo, confessional, sagrado e o que é deste mundo, secular ou da Liberdade do Homem, se encontram, a saber, o próprio Homem ...
Templo ele mesmo, Homem singularmente considerado!
No Homem se encontram Deus e a Humanidade ...
Na temporalidade, secularidade do mundo também!
No Homem, na sua sacralidade, consagrada sacralidade que o 25 de Abril veio, entre nós, potenciar, se reúne o que é do mundo e de Deus, na separação de poderes a ser, neste dia, o que anuncia já a celebração do 25 de Abril de 1974, reafirmada e no imperioso e incontornável aprofundamento que a própria defesa da Democracia exige ...
Quanto para a luz saiu e estava enclausurado, do subterrâneo que somos e em que tantos persistem, legítima como ilegitimamente, quantas vezes e tolhidos pelo medo, em permanecer!
Legitimamente, naqueles que na sua confessionalidade permanecem intimamente fiéis a Deus mas no respeito pela divisão de poderes e pela laicidade, secularidade, temporalidade do mundo!
Ilegitimamente naqueles que sem olhar a meios à sociedade civil, à temporalidade do mundo a querem vergar a um confessionalismo cego e faccioso, inconfessável, desprovido de toda a humanidade!!
Quanto não valem os desafiantes e, por isso mesmo, difíceis caminhos da Liberdade ...!
São difíceis os caminhos da Liberdade, e depois!?
E quanto esta passa pela reafirmação do que a César a César lhe pertence e do que a Deus de Deus Sua pertença é:
O que é do mundo a César, ao Homem lhe pertence e a Deus pouco Lhe resta senão por sua via, por via do Homem realizar!
E nem adianta invocar em vão o Seu nome:
Em bocas Dele cheio mas sem qualquer congruência com a realidade e interferindo, em permanência, com a própria Liberdade do Homem!
Os costumes são do Homem, a sua sacralidade, a inviolabilidade do Homem, a ambos, a Deus e ao Homem os reúne, reconhece e reencontra, reconcilia.
Eu não posso, eticamente e no exercício da cidadania, manipular o Outro, usá-lo, violentá-lo, matá-lo, interferir na sua Liberdade e na Igualdade de que partilhamos e que nos cumpre salvaguardar e tudo o mais é fiada conversa!
Como se já fosse pouco ...
Ou como se aí, nessa íntima salvaguarda sem fim Deus não pudesse encontrar pleno, na Sua imensa plenitude, o Seu intemporal lugar!
À luz de todas as Escrituras e desde que num Olhar Poético, despido de toda a iliteracia, leituras literalísticas e cegas ou fundamentalistas que vagueiam sobre os Textos como pontapés na gramática que nem calhaus ...
Os costumes ao Homem lhe pertencem e este a si próprio e a Deus, na sua plena e não condicionada Liberdade!
E quantas vezes, nos costumes e na salvaguarda da integralidade da pessoa humana, por quantos inesperados e nada ortodoxos caminhos, a Deus se reencontra ...!
De que tenhais medo ...!?
Eu não o tenho!
Eu falo e escrevo por mim no exercício pleno da Liberdade que o 25 de Abril de 1974, pelo qual também lutei como a cada dia persisto em defendê-la, aprofundando-a, me veio plenamente facultar!
No dia que aqui, de véspera anuncio e que, por feliz coincidência, este ano é também o Dia do Senhor.
Liberdade ...
... a Liberdade não é palavra vã!
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( Em homenagem ao 25 de Abril de 1974, a Jorge Amado e neles, a todos os que lutaram e lutam, incansáveis, pela Liberdade )
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 24 de Abril de 2010

sexta-feira, 23 de abril de 2010

I - DIA DO SENHOR

Jaime Latino Ferreira, Mar Enclausurado, 2010
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Este ano o 25 de Abril calha a um Domingo, dia do Senhor para os crentes cristãos e hoje é Sexta-feira 23, aquela que, na simbologia que encerra, ao Domingo o precede ...!
Também neste dia e em homenagem à Liberdade se deveria aproveitar para consagrar a definitiva conversão a um Deus Bom e logo, porque não pode deixar de o ser (!), Constitucional e Democrático ...
Zelador da Liberdade e da separação de poderes na secularização que ao Homem lhe pertence!
Senão, vejamos:
Que pôde Deus fazer, na hora, contra a arbitrariedade e o nepotismo, o autoritarismo tão só, que varreram e continuam a varrer a História?
E quer isso dizer que Deus foi ou continua a ser deles cúmplice!?
Que pôde Deus fazer para que, na hora, religiosos exercessem todo o tipo de arbitrariedades ou atrocidades como, delas recheada, a História também nos ilustra?
E quer isso dizer que Deus foi ou continua a ser deles cúmplice!?
Que pôde Deus fazer que impedisse todo o tipo de catástrofes naturais que mesmo àqueles que à Sua sombra se abrigavam ou abrigam os não impediu nem impede de por elas serem engolidos, trucidados num ápice?
E quer isso dizer que Deus foi ou continua a ser delas cúmplice!?
Que pode Deus fazer para nos livrar do sofrimento e da morte ...!?
Da crueldade do Homem, da adversidade dos elementos ou do nosso fatal e comum destino ...!?
Nestes sentidos, naqueles que se inferem das perguntas aqui colocadas, no acto, Deus pouco pode!
Naquele outro, porém, em que por mão do Homem este tudo faça para prevenir ou remediar as perguntas e os desenlaces expostos acima, nele Homem se revendo e por Sua intercessão, prevenindo, no que por via do Homem e da sua generosidade se reflecte embora não podendo impedir tudo e nem o sofrimento e a morte ... já Deus pode e muito!
Como Soberano Constitucional e Democrático em que deveria ser consagrado em definitivo e por via da generosidade do Homem, crente ou não, residual, confessional na Sua plenitude que não é deste reino, tendo ao Homem entregue o seu próprio destino neste mundo que logo lhe deixou ou do Paraíso do qual este foi expulso, por sua mão, do Homem, Deus já pode, assim o Homem o queira, muito ...
E independentemente de Nele se crer como não!
Por suas acções e obras, do Homem e na temporalidade, secularidade que plenamente lhe assiste, repito!!
Tudo o que é deste mundo ao Homem lhe pertence porque a ele lhe foi entregue!!!
E neste dia em que hoje, Sexta-feira, deliberadamente, pré-anuncio a celebração do 25 de Abril de 1974, dia da Liberdade que se aproxima, que feliz coincidência:
Homenagem, no dia do Senhor, à Liberdade do Homem que por arrasto a parcelas relevantes do Mundo, de Portugal à ainda tão convulsionada e ensanguentada descolonização, a Espanha ou à Grécia, à Queda dos Muros e nestas, na Europa já quase sem sangue, de então para cá o tem vindo, mais e mais, a libertar ...!
E como o continua a fazer, escrevendo, quantas vezes, direito por linhas que se poderiam dizer, eventualmente, tortas!
Quantos que não crêem mais do que muitos crentes, Nele, por acções e obras libertadoras, de facto, se revêem!?
E quantos crentes, refugiando-se numa confessionalidade residual como esta assim se torna e é, Lhe dão a mão mais do que tantos outros que, no seu poder, temporal como intemporal por Ele pouco querem, podem, ou têm conseguido fazer?
E devem, os primeiros, crentes ou não crentes, continuar a ser sacrificados, deles se exigindo tudo, num purismo exacerbado e distante de humanidade, num papismo mais papista do que o do próprio Papa e num mundo de mulheres e homens, pelo qual o próprio Cristo, por Sua acção e intercessão a nós todos, na simbologia residual, intemporal da Sua Gesta, já então, paradigmático, há dois mil anos nos veio libertar!?
A Liberdade não é palavra vã!
Aqui fica, polémico e como primeiro tempo de dois textos, de um díptico, à Vossa estimada consideração ...
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 23 de Abril de 2010

quarta-feira, 21 de abril de 2010

PARA LÁ - III -

Jaime Latino Ferreira, Janela, 2010
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Para lá da janela
aguarela
pinta-se o Mundo
na tela
ventre fecundo
é o dela
de luz submerso
capela
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Pálpebra
de olho ungido
baralhado
confundido
banhado
de Sol radioso
é o que vejo
fingido
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Lágrima solta
aspergido
suspiro
de sal
um sorriso
oiço tamanho sonido
clamor
de grande alarido
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 21 de Abril de 2010

terça-feira, 20 de abril de 2010

PARA LÁ - II -

Jaime Latino Ferreira, Espelho de mim, 2010
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Para lá do espelho
portal
janela
jogral
é o retrato
que me esconde
e ao meu trato
na luz
que do meu céu
mostra mazelas
ergue-se vontade
sem idade
que voa
qual recado
pela cidade
que é meu estrado
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Abril de 2010

segunda-feira, 19 de abril de 2010

PARA LÁ - I -

Jaime Latino Ferreira, Porta, 2010
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Para lá da porta
comporta
baço reflexo
da aorta
pulsão
de verbo contido
maçaneta
que se entorta
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Para lá
esbatido
que importa
é o reflexo difuso
uma janela
que em fundo
brilha azul
a luz do Mundo
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Para lá
deste madeiro
terra fecunda
canteiro
onde nasce
minha flor
feita de rima
e amor
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Abril de 2010

domingo, 18 de abril de 2010

VITIMIZAÇÃO E RELATIVISMO

Jaime Latino Ferreira, Das Kind, Março 2005
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Quando se denuncia alguém pelo seu comportamento e atitudes, padre, político, doutor ou pertencente a seja que ofício ou profissão for e logo a corporação ou instituição a que este pertence se levanta em peso denunciando uma hipotética cabala, que não se pode confundir a árvore com a floresta ou que percentualmente o caso ou casos assim denunciados têm uma expressão residual a não confundir com o conjunto da corporação ou da própria instituição, pela vitimização, raia-se o relativismo tão condenado num tempo em que, em simultâneo, se agita uma suposta crise de valores que a tudo, malsana e supostamente justificaria.
E tanto mais assim é quanto a corporação ou instituição a que esse alguém pertence se arvoram em impolutas, exemplares e não se coíbem de apontar o dedo contra a moral e os costumes vigentes, supostamente ao arrepio dos valores por si mesmas defendidos.
O imobilismo, não falo de dogmatismo mas de imobilismo e ambos não se podem confundir embora amiúde se confundam, tem destes efeitos perversos e em si mesmos desvastadores ...!
Dogmatismo vem de dogma e este significa ponto fundamental e indiscutível de uma crença religiosa que se prende com a fé e, portanto, com o que vai para lá deste mundo, máxima, preceito;
Imobilismo ou oposição sistemática às mudanças ou ao progresso, àquilo que, em si mesmo, é deste mundo e que, quantas vezes, leva irremediavelmente a condenar o que, só uma eternidade depois, se vem a admitir como tendo sido erróneo, abusivo, inqualificável mesmo.
Estas duas noções prendem-se com outras, o intemporal e o temporal que a mais das vezes se imiscuem também mas que têm campos e esferas próprios e que não se deviam nem podem confundir, nem mesmo a pretexto de oportunidades mais do que duvidosas ...!
Dizer-se, por exemplo, que não há direito à manipulação do Outro, do indivíduo e seja ele qual for, é um preceito em simultâneo intemporal mas de uma temporalidade, duma modernidade estonteante, oportuníssimo que nesse ponto inviolável faz de ponte entre o temporal e o intemporal que, em si mesmo, é indiscutível como princípio e seja ele visto de que perspectiva ou ângulo o for.
Já traduzir este princípio, indiscutível, em máxima ou em norma, em lei, lei deste mundo, temporal portanto, tem muito que se lhe diga e não se compadece com leituras fundamentalistas ou literais que os tempos, em si mesmos vêm questionar ou melhor, pela sua relatividade e não relativismo, obrigar a aprofundamento que não se compadece com os mais variados iliteracismos e facciosismos imobilistas.
E na tumultuosidade dos tempos, tende-se a baralhar tudo, a confundir o que é do domínio da fé e logo intemporal, confessional portanto com o que é do domínio do mundo, temporal e assim sujeito ao crivo da modernidade e dos singulares tempos que vão correndo ...
Pressuposto moderno, actual mas que, em simultâneo se vem revelar de uma intemporalidade a toda a prova, acquis civilizacional é o da inviolabilidade do indivíduo e muito em particular da criança, não menos indivíduo (!), tão desprezada, espezinhada pelo limbo em que durante muito tempo viveu e ainda que ao arrepio de toda a dogmática!
Lembremo-nos, tão só, do Menino ...!
Restarão dúvidas!?
E quando assim é e este preceito, máxima ou ponto indiscutível se comprova ter sido, sistematicamente ou não, violado, não há como fugir-Lhe e ainda que tendo em conta a diferença entre o diz que diz-se ou o boato e a prova que essa, ironia das coisas e dos tempos (!), apenas o Estado de Direito na sua laicidade, verdadeiramente, pode garantir.
Como o disse o Papa, nestes casos, só há que assumir, com toda a humildade, sem tergiversar e penitenciando-se, as culpas, ponto!
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 18 de Abril de 2010

sábado, 17 de abril de 2010

WITH THE CAT - X - EPÍLOGO

Jaime Latino Ferreira
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( DAS RAZÕES DA ADOPTADA )
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Vá meninos, chega de conversa!
Eu para aqui a trabalhar qual Gata Borralheira, Cinderela ou Cenerentola, como queiram, e vocês nessa blá, blá de santa vidinha.
Não faltava mais nada, não foi para isso que me casei com o meu príncipe …
A menos que esta seja a parte da história sempre omitida e que me deixa de fora!
Viveram felizes para sempre ou a felicidade alcançada afoga-se num miserabilismo gerador sempre de novas borralheiras?
Alto lá, não foi para isto que eu vos adoptei!
Não haverá enredo que não seja sempre gerador de outras e não equacionadas assimetrias?
Numa desigualdade permanente que a mim, em relação à gata, bastasse já o marido, me coloca em absoluta desvantagem!?
Estiveram para aí a falar de Deus e do diabo e de mim, esperam o quê?
Que me acanhe numa docilidade canina ou sinuosidade felina e não pregue prego nem estopa?
Que aceite assim, sem mais, ver a minha vida transformada em desenho animado sem margem para criar enredo, como simples figurante?
Que não me deixe encantar e recriar?
Cantar esta desdita como se fosse bendita?
Que não escrevesse, por exemplo, que se a Tita se aninha nas pernas de seu dono para dormir, ela se vai esgueirando, noite fora, até se aninhar, feliz, na minha almofada?
Ou que, se se deita no colo de meu dono, é no meu regaço que finalmente descansa e reconhece com um olhar pungente as vantagens de não ter, sobre si mesma, o permanente fumaréu do adoptado!?
Que é comigo que conta se quer comer ou ter água sempre fresca?
Que sou eu que lhe trato da areia daquela praia em que urina ou defeca?
Que é comigo que ela brinca, incansável com a bola, aquela ridícula bola presa a um cordel?
Que ela tem uma predilecção particular por todo o meu calçado?
Ou que é comigo que relaxada passeia pelo jardim sem se assustar permanentemente com a locomoção mais efusiva de seu dono?
Donos ou adoptados, que profundidade filosófica!
Pois serei eu a rematá-la!!
Imaginem, os dois (!), que eu não estava cá.
Imaginem que eu não existiria tão pouco!
Que seria de vós e sobretudo de toda a vossa divagação poético-literária!?
Que disponibilidade vos sobraria para ela?
Não me venham acusar de obreirismo!
Ou de ser demasiado terra-a-terra!!
Julgas Tita, que não vejo nesses teus olhos toda a censura que os invade!?
Julgas, meu Amor, que não sei ver onde tu andas!?
Porque se andas é porque eu te deixo andar mesmo se julgas que não ando!
Que não saberia voar como tu sonhas por esse teu infinito com que te cruzas!!
Que não reconheceria nesse teu mundo, minha Tita, toda a feminilidade que me pertence a mim e sei guardar sem alaridos, como quem a descobrisse, sempre e sempre pela primeira vez!!!
Sem alaridos e num silêncio que ao teu suplanta, minha querida gata e … meu gato!
E que caixa de ressonância sou mesmo se nas aparências, ao vosso argumentário absorvo sem falar!
Que qualidade sonora o meu calar não tem …
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Não há música
Som que se invente
Não há silêncio tão pouco
Que o meu mar o não sustente
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Não há terra em que não tente
Não há ar que fique rouco
Não há nada de repente
Não há nada não há gente
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Nada mais senão a mente
De um cantar que a tudo sente
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Canto música de repente
Do chorar de toda a gente
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Por isso, quando me calo, não é por não saber o que dizer ou quando me afasto do vosso chilrear, não é por não vos entender.
Como vos entendo tão bem, meus amores!
Entendo-vos porque sei o que é ser um gato, gata por maioria de razão ou um homem, com toda a vantagem que sendo mulher melhor vos conheço …!
Sei ter a um ao colo, já vos carreguei aos dois (!), sem deixar de ser mulher.
Sem vos deixar de amar, na vossa plenitude.
Que é também a minha!
Esta e todas as outras.
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Mia minha gatinha
Que o meu colo é tua vinha
Ébria é nele que sonhas
Nele fias tuas ronhas
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~ FIM ~
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, Verão de 2006
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 17 de Abril de 2010

sexta-feira, 16 de abril de 2010

WITH THE CAT - IX - GATO SAPATO

Jaime Latino Ferreira
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( FALA DA TITA )
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Que lisonja …!
Que lisonja de num gato ver um seu igual!?
E se eu te visse a ti como um meu igual?
Mesmo se às vezes, tão grande que és (!), em ti pareço ver diferentes seres distintos, cada mão ou pé, tão longe de uma cabeça que lá longe, altiva parece deles dividir-se, dos seus membros nada ter a ver com eles!
Mesmo se me pisas a cauda quando em ti me insinuo de mansinho, sem veres o que adivinho!
Não fora o olfacto que sincrético te reconhece e que tu perdeste, que em ti minguou na civilidade em que, por vezes, te fechas julgando pairares acima da própria natureza num limiar que me interdita o céu!?
Ai se tu soubesses …!
Quando me encavalito em ti ou na cama me aninho em tuas pernas, os odores que me inebriam transportam-me para lá dele, trespasso-te como se fora o Arcanjo a docilizar o dragão.
Trepido no teu trepidar, escondo-me de teu ressonar!
Partilho dos teus sonhos mesmo se vais acordado, sentado na poltrona a olhar aquele visor sem relevo que me faz chegar os ecos com pouco, nenhum elevo!!
A história é tão simples:
Cresceste à nossa sombra.
Vimos-te, eu e todos os animais da criação, gatinhar, crescer, pores-te de pé e cair, cantar, deambular por aí, fazeres amor a torto e a direito como a torto nunca fiz (!), cair de novo e ergueres-te balbuciando sem nexo o que em nexo te ergueu, cresceu a vontade de seres o que em nós sempre viveu, aninho-me em tua casa nessa esperança que nasceu.
À sombra de minha dona também!
Disse Dona com intenção.
Dona, mulher de teu coração!
Também tu a adoptaste pois que ela já te havia adoptado há muito!!
Há quanto tempo pois se da criação perdi-me ao vento!!!
Farejei-vos e encontrei-vos.
Sonho agora como tu, que um dia possa sair da banda desenhada!
Vocês têm a mania de tudo humanizar.
Assim, para sermos inteligentes, temos de ser como vós, andarmos sempre numa permanente caça ao rato, falarmos ou transmutarmo-nos em humanóides!
Fecham-nos numa ficção que apenas vagamente prenuncia a inteligência da nossa, da vossa, da realidade global!
Como não nos entendem, somos nós que não vos entendemos, limitados que somos, a vossos olhos (!), na assimilação dos vossos cânones.
Inventais histórias da carochinha para que vos podeis entender mas o engraçado é que as fábulas, os personagens irracionais que no vosso entendimento as preenchem, vos retratam melhor que muitas mulheres ou homens que os não incluem!
Mesmo quando assimilamos os vossos cânones, que é o que acontece com os animais domésticos como o cão ou o gato, tudo se explicaria por uma série de reacções mecanicistas encadeadas que da inteligência pouco colheriam!
E quando eu sonho, como tu sonhas agarrado a toda essa tua conceptualização que não paras de empreender, numa sinuosidade de processos que vá-se lá a saber porquê, para mim, sem ela, se torna por demais evidente, eu só rezo que não te esqueças também de mim!
De mim e dos outros, dos outros e de mim, seja o cão ou o gato, o rato ou o piu-piu!
E que faças o maior esforço de nos compreenderes neste mundo natural que de natural já tem pouco.
Ou muito!
Se do natural entendermos toda a naturalidade que vos caracteriza.
Como natural é em mim, gostar de sapatos.
Sabias?
Ai que me apareçam os vossos sapatos à mão, aos pés, perdidos por aí no meio do chão!
Enrolo-me neles!!
Snifo-os com o ardor dos teus odores!!!
E se forem de cabedal …!
Calço-os pelo focinho, como se os quisesse vestir!
Sabes, entre nós gatidade, chamamos-lhe o sindroma da … Gata Borralheira.
Também os temos, aos sindromas, se temos!
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( continua )

WITH THE CAT - VIII - A VOZ DO DONO

Jaime Latino Ferreira
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( CARTA DO ADOPTADO )
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Minha Querida Tita,
Desde sempre que me surpreendes!
Desculpa-me o título desta carta como se a sugerir His Master’s Voice, o velho logótipo da EMI, do cão a ouvir o gramofone.
Sabes, estou certo, da minha propensão para cães!
Não penses porém que também seja particularmente adepto de um qualquer autoritarismo.
Não, não sou!!
Tu também gostas de peixe e, no entanto, não o podes comer …
Terás percebido a metáfora!?
Nesta, o peixe não é, por certo e enquanto alimento, o autoritarismo, mesmo que o não possas comer!
Com ela quero apenas dizer que pese embora a docilidade do cão ou se quiseres a sua subserviência, não é por isso, pela aparente servilidade canina e que poderia indiciar um qualquer apetite autoritário que me tornasse a mim assim num Elfos, que eu tenho uma propensão especial pelos cães.
É apenas uma questão de feitio, de ritmo ou de proximidade humorística se quiseres!
Mas, escrevia eu que tu sempre me surpreendeste.
Logo desde que começaste a rondar a nossa casa!
Logo desde que, e foi desde o princípio, se tornou patente a tua boa educação.
Como nos seduziste!
E quando entraste pela primeira vez em nossa casa, como nela logo te comportaste!!
Como teria sido o teu adoptado que nos precedeu?
Que terá acontecido para te veres de súbito sem um tecto em que te abrigares?
Que drama transportavas tu, quando te abeiraste de nós?
E como, apesar de tudo o que nunca foste capaz de nos contar, a nós te deixaste tão mansamente confiar?
Essa foi uma lição que contigo dos gatos aprendi:
É que tu confias, depositas verdadeiramente as tuas esperanças naqueles por quem te deixaste ou tu própria adoptaste, nesse teu ritmo que nada tem a ver com o de um cão!
E que te faz saber, mesmo se partimos em férias, com o acumular da tua experiência na assimilação dos nossos ritmos que ao partirmos, a nossa ausência não é sinónimo nem de rejeição, nem muito menos de abandono, de te deixarmos por aí ao deus dará.
E pesem embora os teus traumas antecedentes!
Nunca tinha convivido tão de perto com uma gata e também, confesso-te, nunca por ela, por uma como tu, me tinha afeiçoado tanto!
Ah, se verdadeiramente pudesses falar!
Que sinfonias sincréticas nos cantarias?
Que enfoque global à totalidade adicionarias no pressuposto de um miau?
Que veria eu por teus olhos ou ouviria de teus sentidos, sentiria como um magma que verte dessa música?
Que tu ouves e pela qual tão mansamente te deixas embalar como se ela já fosse um prenúncio universal que do teu silêncio comunga?
Deles transita e em nós gigantes, Golias desastrados nos transportam para longe, tão longe que não vemos que sem ti não vamos longe?
Sem ti que sejas gato, cão, rato ou piu-piu, manifestações universais de inteligência que partilhamos!
E que provas de confiança persistente que nos dais, ao deixar-vos adoptar ou adoptarem-nos a nós, a essa hiper-irracionalidade persistente da espécie que se quer … humana!!
Ó minha gata querida!!!
Que seria de nós sem Vós!?
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( continua )

quinta-feira, 15 de abril de 2010

WITH THE CAT - VII - A GATA BORRALHEIRA

Jaime Latino Ferreira
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( CARTA DA TITA )
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Meu caro adoptado,
Vais-me perdoar, mas eu prefiro a história da Gata Borralheira.
Sabes, é mais feminina!
Fala da violência doméstica e de como, quem dela é vítima, apesar de tudo, pode sempre encontrar o seu Príncipe Encantado, se não perder, delapidar o capital de esperança!
Não o pode perder, sob pena de nada conseguir ver!
Alguma vez, incapacitada de olhar para vastos horizontes, tão vastos como o mar a perder de vista, poderia encontrar o meu príncipe?
Não se limitaria este a ser a própria violência doméstica!?
É que também cultivamos o masoquismo que justifica, aliás, muito do sadismo que julgamos omnipresente!
Ele está presente porque, voilá (!), também somos masoquistas!
Qual sistema de vasos comunicantes …!
Não me perguntes qual dos dois precede qual, porque aí, cairíamos irreversivelmente na tal perseguição que justifica enredos como os de Tom & Jerry.
Mal amada, sobre mim recaíam os pesados fardos que às outras mulheres, gatas perdão (!), da casa as dispensavam para só pensarem em namoriscos, no social.
Não perdi, porém, a vontade de sonhar!
Vi fadas, indumentárias deslumbrantes, abóboras transformadas em carruagens, bailes encantados, dancei nos braços do príncipe e o sonho foi tão forte que deixou vestígios, um sapato à saída do baile, era tal a ânsia de um sonho que tinha de acordar …
E o príncipe acordou-me, levou-me no fausto de uma vida que julgava para sempre ser-me negada!
E fui feliz sem que por tal, a infelicidade desejasse a minhas irmãs, irmãs ou madrasta!
Terá sido madrasto o seu destino?
Ou apenas a inveja as terá cegado ao destino!?
As terá feito enredarem-se na perfídia de um filão comunicante que do sadismo conduz, directamente, ao masoquismo?
Ou que do masoquismo consente todo o sadismo!
Eu chamo-lhes acidez …
Acidez com duas faces ou inveja, incapaz de ver mais longe, de se abrir à felicidade que está aí, por todo o lado.
Por vezes, onde menos se espera!
No remanso de tua casa meu dono, desculpa-me o afecto, é afecto e não subserviência e confesso-te que o escrevi, embalada pelo enredo!
Amor de gata pelo seu d …, adoptado, perdão!
Mas, em verdade, somos donos uns dos outros!!
Tu pertences-me na medida em que sem ti, viveria como se na idade da pedra lascada.
Eu pertenço-te também porque sem mim, que referências terias logo para te insinuares inteligente ao ponto de, quem dera (!), preservares os equilíbrios que insinuante te sugiro!
Em paz, mesmo com cão ou com rato …!
Periquito, Piu-Piu que seja.
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( continua )

WITH THE CAT - VI - TOM & JERRY

Jaime Latino Ferreira
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( FALA DO ADOPTADO )
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Sou tentado a dar-te razão …
Comportamo-nos um tanto como no cinema de animação!
Nós, os d …, como é que lhes chamas (?), os adoptados tendemos a agir assim como cão e gato ou gato versus rato, numa permanente perseguição irresistível como se, na sua ausência, tudo perdesse irremediavelmente qualquer sentido.
Numa tal perseguição que, aquele que aparentemente parece o mais frágil dos personagens, na sua perfídia, acaba por fazer da vida do mais forte aquilo a que chamarias gato sapato!
De tal modo que o mais forte acaba sempre, ele sim (!), por se ver em apuros!!
Quase que num secreto desejo que invade o espectador e que ponha o mais fraco, finalmente, na ordem!!!
Tipo a vingança de Golias
A revanche que Lhe reporá o seu bom nome!
Que ao mais forte dos dois lhe seja feita justiça, tais as tropelias a que o mais fraco o sujeita, fazendo da sua vida um verdadeiro inferno.
Os políticos deviam ver mais desenhos animados em vez de se estenderem em considerações balofas sobre a violência omnipresente nos média, no cinema, jogos informáticos interactivos ou na televisão ...
Violência à qual, normalmente, a própria política conduz e que, não bastasse a omnipresença desta no entretenimento, faz preencher telejornais da sua permanente proficiência!
Numa releitura primária dos currículos escondidos contidos na própria animação!!
É certo que nesta, o mais forte, levado a perseguir o mais fraco dos dois tende a ver virado o bico ao prego, logo pela agilidade davidiana do mais fraco que neutraliza, invariavelmente, a falta de mobilidade do mais forte que logo lhe é conferida pelo seu tamanho e peso e pesem, por demais, as inversões gravíticas que a animação sempre permite!
De tal modo que, em verdade, até já nem se sabe quem é Golias ou David
Acossado, o rato faz da vida do gato um verdadeiro suplício.
Mas é exactamente nesse momento que o autor ausente, o espectador é assaltado por essa ânsia de justiça que reponha em ordem a vida de Golias … ou David (?) permanentemente martirizada pelas diabruras, crueldades do mais fraco ... ou mais forte!?
Que deve, então, fazer Golias?
Reagir mimeticamente a David na certeza de todas as vantagens operacionais do mais fraco que o sendo, à partida goza também de todo um crédito político de que Golias não dispõe?
Ou deve, pelo contrário, quebrar o ciclo da violência, da perseguição, sendo certo que mais difícil do que isso será, persistente, neutralizar a desconfiança herdada e que subsistirá para lá do ciclo persecutório?
Quebrando o enguiço que a Golias coloca sempre em desvantagem?
E mesmo se não se sabendo mais quem é Golias ou David ...?
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( continua )

quarta-feira, 14 de abril de 2010

WITH THE CAT - V - POÉTICA

Jaime Latino Ferreira
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( FALA DA TITA )
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Então o meu adoptado reserva para o cão a poética?
E eu, não sou poeta!?
Vêem como eles são surdos, como não conseguem ouvir o silêncio!?
Só o ouvem quando ouvem música …!
Sim senhor, partilho a música com o meu adoptado, o macho!
Naquelas manhãs em que ficamos sozinhos em casa, cada um no seu canto e o meu macho, perdão, adoptado coloca a música em altos berros e segue-a em fundo lendo o seu guião, interminável guião que treina e dramatiza, incansável e com todo o despudor.
Aquele ritual tranquiliza-me!
Logo pela música, persistentemente os barrocos ou os clássicos quando não outras alegorias!
E depois, naquilo que lê e que nem sempre consigo acompanhar, transparece enorme convicção que me embala o sono.
Às vezes tenho de sair, roço nas portas, sempre as portas (!) e volto para o meu doce embalo …
A minha poética é um canto fino, imperceptível quase e que se assemelha, de que maneira (!), à música!
É o silêncio que a faz brotar!!
Melhor ainda, é o silêncio que a transporta e a mim também, neste meu andar incolor, indolor para mais, translúcido e seguro como a marcação do compasso, de um compasso liberto de qualquer andamento ou quadratura, impregnado por todos e que quase levita, voa malabarístico sem tocar em nada, quase roçando em tudo, tudo o que neste paraíso com o cão comungo mas sem a sua credulidade.
Numa racionalidade crédula …
Incrédula que sempre estou do paraíso em que vivo, povoado de deuses que eu própria escolho no meu fino critério e que nos fazem, ao cão e a mim alimentar a mística da desconfiança recíproca.
Como os deuses desconfiam uns dos outros!
Como nós, o cão e eu os imitamos sem que suspeitem que a nossa animosidade afinal, apenas os retrata, não vão eles um dia perceber que a desconfiança é ridícula.
Ridícula e muito pouco inteligente.
Miau!
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( continua )
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NOTA DO DIA 14 DE ABRIL
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Dia em que recordo as vítimas de um terrível e mortífero terramoto na China
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JLF