sábado, 28 de fevereiro de 2009

ENTRE PATRÍCIOS

À luz da ordem jurídica do Império Romano, que significado verdadeiramente subversivo tinha uma situação como a da Sagrada Família com todos os sinais que sobre ela, a ordem ou a desordem projectava e que permanece, questionando-as?
-.-
( conversa entre patrícios que podiam ser alguns quantos, nos nossos dias )
-
- Mas que família desestruturada!
- Acrescento mais, diz-se com mãe e sem pai ou escreve-o com maiúscula presumindo-se de Deus!!
- Filho de Deus!?
( galhofa em surdina )
- De qual dos deuses!?
- Do imperador!??
- Presunção e água benta cada um toma a que quer ...!
( galhofa )
- Filho de quem, afinal!?
- Sim, de quem!??
- Deve ter nascido de geração espontânea ...
( galhofa redobrada )
- Do pai, de que pai pois se afirma não tê-lo!?
- E, que mãe ...!
( galhofa descontrolada )
- Tens toda a razão, então se José é o padrasto e se se anula, sujeitando-se àquela galderice, sem o mínimo de coluna vertebral ...!
- É isso mesmo, que patrício se sujeitaria a tal anulamento da figura masculina!
- Não tem cabimento à luz dos nossos cânones, ressoa a blasfémia e tanto mais quanto põe em cheque toda a nossa ordem jurídica e porque não dizê-lo, os fundamentos do próprio império, da civilização!!
- E, reforço o que tu dizes, caro patrício (!), já repararam na promiscuidade que instala?
- Promiscuidade sim senhor, pois se se diz irmão de todos os homens!?
- Todos (!?), comentam os patrícios em coro.
( galhofa acrescida )
- Irmão, irmã, que história amaricada é esta!?
- Que personagem pueril de efebo frouxo ...
- Meu irmão, que mais quer ele (?), ser meu mancebo, meter-se debaixo da minha toga!!???
- ... ou escravo com direitos especiais!!!
( galhofa descontrolada e a puxar dos seus galões )
- Os meus, quem os escolhe sou eu!
( galhofa desaustinada )
- E, afinal, dois mil anos depois, em que ponto estamos, em que é que ficamos?
- Afinal, ser-se Pessoa, meu caro, é ser-se um sexo ou o que é que é ...!?
-.-
Eu, como crente, acredito no Mistério que se O é admite, porém, todas as interrogações no seu seio incluindo a do extra-terrestre, dos clones, filho de mães sem pai ou de pais sem mãe, na abertura da caixa de pandora que uma vez aberta e foi-o logo com a metáfora de Adão e Eva (!), já não se pode fechar e que aos filhos gerados por processos mais ou menos tecnológicos os não poderá relegar para outros quaisquer limbos ou categorias, em sub-espécies pois, quer se queira quer não estão aí à nossa porta (!), e o Mistério não O seria, permanecendo, para lá de todas as explicações, sempre por explicar mas que na sua abrangência só pode ser inclusivo, integrador de todas as diferenças e inesperados.
Quer nos guiemos ou não pela prudência, o que devemos fazê-lo ...
Mistério integrador de todas as diferenças, no amor e pela razão!
Que actualidade, de novo e plenamente em aberto, a do Mistério, susceptível de transcender qualquer normativo e tanto mais quanto inevitavelmente claudicantes!
E como acredito, como acredito no Mistério ele permanece, permanecerá desde que sem atavismos (!), exponenciando-se por antecipação no Futuro e sempre por explicar.
É o Mistério, os mistérios e a sua tentativa de explicação que fazem andar o Mundo!
Com redobrada força desde que perspectivado na actualidade ou não fora Mistério!
A velocidade vertiginosa dos tempos não se compadece mais com substractos culturais enfadonhos, sedimentados na história minúscula, como aquele que, por mim, aqui foi retratado.
( ... )
Deine Zauber binden wieder
Was die Mode streng geteilt
( ... )
A Tua magia religa de novo o que os tempos, as modas separaram, canta-se na Ode da Alegria ...
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Fevereiro de 2009

quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009

SAGRADA FAMÍLIA

Ode à Alegria
Mãe de Filho sem pai
Padrasto pai de Filho
Filho redentor
Resgatador dos géneros
Da Humanidade
Música
Vergai os empedernidos
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 26 de Fevereiro de 2009

quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009

A CÉSAR O QUE É DE CÉSAR

( ... )

Sinto-me, obviamente, compelido a publicar a imagem ( do fundo da página ), por imperativos éticos e de cidadania.
Por Braga e - parece de propósito... - de Carnaval à ilharga, são apreendidos pela PSP, supõe-se que para averiguações ou (pior) por eventual atentado à moral pública, alguns exemplares de um livro de pintura, em feira de segundas-mãos, que ostentava na capa a imagem ( abaixo ), da autoria de Gustave Courbet (1819-1877).
Título da obra: A Origem do Mundo. Óbvio, não é? Por mim, não conheço ninguém que não tenha ali colhido evocação da sua mãe... (já que no século XIX as provetas ainda não eram utilizadas na fecundação).
Nem me dou ao trabalho de procurar culpas nas fraquezas da PSP ou em atavismos retrógrados, mais ou menos de sacristia. Mas abismo-me (ainda, vejam lá!...) com o monumento à estupidez que tal acto consagra, em pleno ano da graça de 2009!
( ... )
Será que não se pode exterminá-los, a esses Cereberos de pacotilha, guardiães de algo que ninguém sabe definir muito bem o que é e apenas medra nas cabeças infectas dos recalcados?
Que dizer, então, da exposição peniana de Adão, na Capela Sistina? Pornografia? Por amor de Deus!...
in Sete Mares, Jorge de Castro, página de 24 de Fevereiro de 2009
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http://www.youtube.com/watch?v=NAerTz_c8nc
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POR AMOR DE DEUS
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Por amor de Deus
Deixai-vos de entrudos
Dizia por lá Zeus
Ao ver tais cabeçudos
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Por amor da Santa
Trocai-vos por miúdos
A estupidez é tanta
Zombai destes viúvos
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Tenho como meus
Partes e caducos
Sois uns filisteus
Armados em eunucos
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Por amor de Deus
Mostrai que atrás de muros
Há mais do que os teus
Puritanismos duros
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Duro é quando o sexo rejubila
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 24 de Fevereiro de 2009, em primeira mão in Sete Mares
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REFLEXÕES FINAIS À VOLTA DE TIQUES INQUISITORIAIS
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O que é que é mais natural, um corpo nu ou um corpo vestido?
O que é que é mais natural, a abstinência ou a prática sexual?
Onde reside acrescida legitimidade, cristã incluída, naquela em que os homens e mulheres se matam ou naquela em que se amam uns aos outros?
O que é que legitima a Fé, ter medo do mundo vendo nele, em permanência, um factor de corrupção e dissolução de costumes susceptíveis de fazerem esboroar os paradigmas, da Sagrada Família incluída, o que constitui, em si mesmo, uma patente carência de Fé ou não ter medo nem se sentir acossado, de todo, pelas mudanças vertiginosas e irresistíveis dos tempos?
Se nos cingíssemos ao que é ou deixa de ser natural, não teríamos saído da Idade da Pedra ou nem sequer teríamos entrado nela e a Igreja, essa, não existiria de todo.
Eu não quero ver a minha Igreja transformada numa seita de fanáticos obsoletos!
Não deixai o sexo rejubilar e depois, não vos queixais da quebra da natalidade!!
É muito mais difícil viver e crescer em Liberdade, ai isso é, se é, mas vale o esforço!!!
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Parábola de Adão e Eva
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Uma serpente insinua-se seduzindo o rijo tronco e diz:
Quereis ser donos dos vossos destinos?
Então multiplicai-vos e crescei que o mesmo é dizer recriai-vos, outra forma de vos multiplicardes!
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Diz, por fim, Jessye Norman no final da ária que se segue, traduzido do alemão:
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Vivo sózinha
No meu céu
No meu amor
Na minha canção
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Coisa mais bonita
não há
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Fevereiro de 2009
A Origem do Mundo de Gustave Courbet, 1866

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Poetas


O Poeta

Chega em Setembro, com o manso dos dias com a leveza do ar. A vila parece outra, mais limpa e acolhedora, com tempo para conversar; no hotel respira-se espaço e tranquilidade.
As empregadas dos quartos sabem que se levanta cedo, que gosta do quarto arrumado após o passeio da manhã; alegram-se com a sua simpatia, riem-se das suas graças no meio de uma enorme algazarra.
O chefe de mesa reserva-lhe o melhor lugar junto às janelas, arrasta-se em diálogo fácil e faz-lhe confidências ao jantar.
Conta-lhe histórias de hóspedes célebres, de famílias da terra, riquezas e ruínas vindas do mar, amores antigos e bastardias, metade vida metade lenda.
O azul inspira-o e escrevinha blocos e ilustra folhas e fotografa ângulos e objectos em quem ninguém repara, mas que ele transforma em versos bonitos.
A varanda do bar, torreão de madeira homenageando o Castelo, recebe-o ao entardecer contemplando o laranja do sol poente reflectido em chamas nos vermelhos Bloody Mary.
E o homem e o poeta respiram em uníssono e repousam das dúvidas, das angústias, das desilusões e dos silêncios, desconstruindo sonhos com a esperança intacta de um menino confiante e terno.


Manuela Baptista
De "Instantes com Mar ao Fundo" Outubro de 2008



domingo, 22 de fevereiro de 2009

MÁSCARAS

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À superfície
De um madeiro subterrâneo
Na carne
Cutâneo
Dançam as máscaras
Nas suas mil faces
Vontades sem o saber
Destino
Obstinadas
Entrudo divino
Jogo de sombras
Claro
Escuro
Pierrot maduro
Vulto de um cisne
Enigmático
Balético
Que perguntado
Se é rei
Ou grei
Finge não ser
Nem ouvir
Traveste-se sem os ver
E dança na água
Até desaparecer
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 22 de Fevereiro de 2009

sábado, 21 de fevereiro de 2009

SABER ESTAR

I
Gosto de receber bem.
Como anfitrião sei da arte de bem receber que tenho de dar as devidas atenções aos meus convidados.
Não basta que me entrem em casa e que nela deambulem ...
Embora lhes deva dar espaço, não posso deixar de os brindar com as boas vindas, instalá-los convenientemente, perguntar se não lhes falta nada, responder, indagar pelos seus, alimentar a conversação.
Gosto também de proporcionar um apropriado fundo sonoro, musical que sei, aos espaços e a quem me visita os predispõe e aconchega, convida à informalidade suficiente, ao à vontade sem o qual o que se diga não passa de lugares comuns e de circunstância.
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II

O espaço também ...
Esse tem de ser suficientemente amplo para que os meus convidados se sintam à vontade embora marcado, inevitavelmente marcado de um cunho pessoal onde a personalidade dos anfitriões nele se reflicta como, por exemplo, tão bem o ilustra a Casa da Cascata de Frank LLoyd Wright, esse ex-libris da arquitectura norte-americana que a este enquadramento o preenche de fotografias.
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-
III

Como anfitrião desejaria ainda servir-Vos das mais requintadas iguarias mas, neste contexto, ainda não é possível fazê-lo.
Não perco, porém, a oportunidade para Vos dizer que, neste particular, minha mulher prima maravilhosamente!
Mas como não é possível dar-Vos a provar aquela que é uma das facetas da sua arte de bem receber apenas Vos podemos presentear com aquele que é, independentemente das circunstâncias, da proximidade ou da distância, da exiguidade dos espaços que tenhamos ao dispor também, o mais suculento de todos os manjares.
Refiro-me à palavra e mais ainda se ilustrada por uma bonita casa que ainda hoje respira, sem prejuízo da estética, toda a funcionalidade da modernidade e pontuada pela interioridade musical de grandes autores, eles também americanos.
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 21 de Fevereiro de 2009

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

REPOUSO



Repouso espelhado
Geométrico
Aprazível gozo
Alma amada
Vontade de te ter nesta jangada

Corrente de um ribeiro que adormece
E que se estende liso como prado
Montanha e lago
Contraste de negro esférico
Ouso
Confundir-me na água mergulhada
Da claridade mansa da alvorada

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-.-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Fevereiro de 2009

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

TESTEMUNHO


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Conheci Menuhin na fase final mas muito activa
preenchida também
da sua vida
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Em Lisboa
no ano de 1998
à data da Expo
onde dirigiu o Messias de Händel
e visitou aquela que na altura era apontada como escola modelo na implementação de um seu projecto pedagógico
que acarinhava
para o qual eu trabalhei
e em contexto semelhante
em seminário
noutra ocasião
em Bruxelas
-
Que terei sentido na sua presença
na presença de um homem assim
com a sua estatura
-
Uma coisa é certa
não senti nem subserviência nem ciúme
faces de uma mesma moeda
a inveja
-
Seguramente que não
-
O ciúme
expressão da inveja
é um ácido corrosivo
um grito que nos cega e diminui
por maioria de razão
quando quem sobressai
se ostraciza
não nos vá esse alguém ofuscar
-
Menuhin sabia-o muito bem
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http://www.youtube.com/watch?v=46AGXFJWakg
-.-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Fevereiro de 2009

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

ESTRELAS



http://www.youtube.com/watch?v=eq0EWNuR1H8

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Algures ...

... todos nós somos estrelas!

Cada qual no seu universo e todos no Universo que partilhamos e no intenso cromatismo que a todos os caracterizam.

Enclausurados ou não, abstendo-nos num silêncio que nos invade e impregna, retirados num anonimato mais ou menos desejado ou expostos nos palcos mundanos das nossas vidas e representando , não fingidamente, como sabemos.

Por vezes, fingidamente também ...

Noutras, tão fingidamente que de tão fingida a representação se excede, sublime!

Em palcos onde somos mais ou menos capazes de sublimarmo-nos ...

Somos todos estrelas mas as estrelas não nascem feitas nem pré-destinadas.

Há uma margem, uma estreita e dificilmente mensurável margem de finos contornos sempre presente, que nos acompanha e que aproveitamos ou não para saltar para outro lado.

Da plateia, confortável e logo por nos garantir o anonimato para o palco, da vida e do espectáculo sabendo que neste como na vida, na plateia de todos os espectáculos também, há sempre um preço a pagar!

Grãos de areia quase invisíveis ao pé dos astros, é-nos sempre facultada a hipótese de ascendermos ao estrelato, sabendo-se, é certo, que tudo tem um preço ...

Munidos de arbítrio que se quer livre, intuímos, contudo, que quaisquer que sejam as nossas opções elas implicam sempre abdicar de algo mais.

E o mais elevado de todos os preços consiste, afinal, em saber como manter a estrela acesa depois de iluminada, sem que ela se esmague contra as outras ou impluda sobre si mesma.

Num fino fio de voz feminina, iluminado por certo, pode-se sentir o masculino que não deixa de o ser por cantar assim.

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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 18 de Fevereiro de 2009
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terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

MEIO CHEIO OU MEIO VAZIO


Por fora e por dentro
Meio cheio ou meio vazio
Cai o silêncio sem frio
Ao ouvir-te no meu centro
Em enorme rodopio
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Nas cores das brumas
Cinzento
Escura cor que não invento
Vem a alegria que intento
Do silêncio do convento
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Sabedoria de sumas
Mãos de frade
Pensamento
Que nos convida a parar
A olhar e a amar
Tudo o que traz o meu tempo
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Estar no mundo ou retirado
Enche-se o copo
Na contemplação
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-.-
-.-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 17 de Fevereiro de 2009

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

ESTE E O OUTRO ENVÓLUCRO

Escrevo nesta página e comento no seu interior ao sabor das reflexões que me proporcionam ou dos olhares que me levam a reflectir sobre o que escrevi nesta mesma primeira página.
Uma e outra coisa, um e outro olhar não são bem a mesma coisa ...
Numa, dirijo-me ao vazio, ao grande público ou a essa entidade abstracta, estereótipo de contornos imprecisos, a um arquétipo de mim mesmo ou do Outro na impossibilidade abrangente mas sempre incompleta, sempre a redefinir do Outro ou de mim próprio.
Na outra oiço o feedback, as reflexões que me chegam por detrás da cortina que essa primeira página também é, nuns bastidores ou camarim expostos e interajo com elas.
Aproximo-me desta e daquela máscara e respondo-lhes, dou-lhes a atenção possível, devida (!?) e argumento na mímica silenciosa da escrita, situo no terreno a acção.
Em paralelo desenvolvem-se em harmónicos os ecos percutidos pela tónica nas pontes e no cromatismo que entre esta e aqueles se geram ...
Nesta dança, tango, o que é, então, o mais relevante:
A caixa de reflexões, os bastidores ou a primeira página, o palco de cortina levantada, a boca de cena?
Que seria duma sem a outra!?
-.-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 16 de Fevereiro de 2009

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Sim



Amorosa Dança

Varanda complexa e íngreme escadaria
Apercebidos passos com a leveza do vento
Ousam soltar-se em dueto e harmonia
Solitários amantes na imperfeição do tempo

Atrever-me-ia numa rosa cor de sangue
A desenhar-lhe asas para que voasse
E o mar tão perto em comovido transe
Agita-se de manso como se cantasse

A varanda existe ainda tímida de espanto
Apesar da ausência e do desengano
Como se a rosa as pétalas lançasse

Em desafio de encantada alegria
Contando lendas baixinho em cada ano
Trémula ave em Primavera fria

Manuela Baptista
Estoril, 14 de Fevereiro 2009

ENAMORAMENTO

Espantado eu fiquei quando em ti vi
No espelho da tua alma em que cresci
Acordar Eros amor ou um cupido
O filho do caos descrito por Hesíodo
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Da tua varanda olhei o mar infindo
O céu estrelado à noite já moído
Em ti molhei os lábios ressequidos
Em teus eu os poisei emudecidos
-.-
Desafiando preces e fingidos
Prognósticos não dei por adquiridos
Enlacei-te teu regaço e o sorvi
-.-
Eufórico então me convenci
Que previsões são espectros e sorri
Por nós eu alimento os sentidos
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 14 de Fevereiro de 2009
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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

AS ASAS

( Retirado do blogue Sete Mares do meu amigo Jorge Castro, página do dia 12 de Fevereiro juntamente com reflexão minha, nela editada. Os endereços anexos e a ilustração de Rodin e sua legendagem são de minha escolha e autoria. )

fotografando o dia (121)

de tanto se porfiar
na confiança
um
já se vai a danar
outro
descansa

e as goelas abissais
de mor ganância
vão mantendo
os animais
na ignorância


- fotografia e poema de Jorge Castro
- fotografia obtida na exposição de cerâmica de Bordalo Pinheiro, em Óbidos.

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( Em catalão mas facilmente compreensível )
http://www.youtube.com/watch?v=loHXTJU-Lzg
-.-


( 121 )


A CEGONHA E O LOBO

( Fábula de La Fontaine )

De tanto o ajudar, ao lobo, retirando-lhe o osso encravado da goela, a cegonha acaba por se ver em apuros ...!


De tanto manter vivas as tradições em loiça única, a fábrica de Bordalo fecha, engolindo consigo a tradição e desarmando o povo!


É a tradição que já não cola, o trabalho que não compensa ou mais do que isso!?


Na fábula a cegonha tinha, não foi escrito mas tinha (!), tem asas para voar e logo para se furtar à traiçoeira investida do lobo que com a sua ganância, em recompensa e livre do encravanço, a quer devorar.

Que asas terá o povo para voar, furtar-se à ganância traiçoeira das goelas depressoras de uma crise que o arrastam, e a poder encará-la de frente!?

Eu acho que as tem!

Talvez que abdicando do voluntarismo que um osso que se oferece para desentalar representa, assim desencrave a situação e possa, suserano, neutralizar a ganância onde quer que ela exista!!!

Resta saber como e onde estão as asas ...

Jaime Latino Ferreira

Estoril, 12 de Fevereiro de 2009
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http://www.youtube.com/watch?v=7txDU992Iw4


Legenda de um Pensamento Livre

Pensa o Pensador de Rodin, no cruzamento entre as fábulas de La Fontaine, A Cegonha e o Lobo e A Raposa e a Cegonha, que se o crivo, a bitola fosse outra, não exclusivamente o do prato raso ou das empresas, classes ou grupos de interesses, castas e quejandos mas também o do gargalo estreito ou da medida que tem por referência o indivíduo concreto e singular, a injustiça denunciante das fábulas talvez se deixasse de perpetuar na constatação de que, onde haja um só desempregado ou indivíduo votado ao abandono, este se encrava como osso que se vira em libelo acusatório pondo em cheque a Liberdade de cada um de nós!

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 12 de Fevereiro de 2009

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

CONVERSA A QUATRO


( Retirei o que se segue do blogue Casa da Venância, da sua página de 7 de Fevereiro último e da respectiva caixa de comentários e espero que a Sua autora, Isabel Venâncio, mãe que chora a perda sempre precoce de Seu filho David não fique melindrada comigo. Os endereços anexos são de minha escolha )
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ISABEL VENÂNCIO
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As saudades levam-me sempre às caixinhas do David, que abro muitas vezes.
Às vezes, penso que poderia colocar aqui tudo o que tenho de poemas, letras de canções, programas de Jazz, sugestões de boa música, opiniões enviadas para o jornal, contos e charadas...
A cabeça dele fervilhava continuamente.
Acho que foi essa característica que o ajudou a aguentar a doença, sempre um passo à frente dela...
Ele é que me ajudava a mim.
Falta-me a ajuda dele, aqui e agora e para sempre.
E acho que vale a pena guardar aqui coisas dele.
Algumas são muito simples, ternas e infantis; para o grande e corajoso homem que se revelou.
Brincadeiras do David, para que conheçam outras facetas dele.

Isabel Venâncio
in Casa da Venância, página de 7 de Fevereiro de 2009
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http://www.youtube.com/watch?v=ShFmiigkfR0
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"A Evolução Humana"
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É interessante estudar a evolução humana, mas o ser humano é demasiado complexo, para generalizarmos tanto. É possível portanto, demarcarmos pequenas evoluções especificas relativas à constituição física e psíquica do ser humano.
Dentro da evolução humana, podemos focar a: evolução do estômago, a evolução das opiniões sobre o Benfica, a evolução do matrimónio e a posição perante este, mas neste curto ensaio vamo-nos concentrar na evolução da sexualidade humana. Haverá um curto intervalo nesta apresentação, para ir à casa de banho, e depois retomaremos.
Este fenómeno já foi estudado por psicólogos extremamente importantes como foi o caso de Sigmund Freud, nos intervalos dos seus estudos sobre sexo. No entanto, o estudo efectuado por estes psicólogos é demasiado cientifico e pouco baseado em questões práticas da vida real na sociedade.
São estes pontos que nós pretendemos acrescentar aos estudos dos grandes mestres.
Tudo começa como acaba e vice-versa.Na nossa infância, os nossos desejos sexuais são realizados pelas mães, com o seu trabalho como mães, como é óbvio. Tudo acaba como começa, porque o homem adulto, quando deixa a mãe, procura uma mulher que se assemelhe a esta, e que a substitua nas suas obrigações, ou seja, o homem nunca deixa de ser criança.
Nos anos seguintes, as coisas tornam-se bastante diferentes. Nesta nova fase do fim da infância, os desejos sexuais são realizados aquando das festas de anos das amigas. As Barbies das meninas imberbes, fazem as delicias da rapaziada. Esta boneca, com mais de cinquenta anos, torna-se a mulher dos sonhos dos pequenos meninos. Não fala e foi feita exactamente com o objectivo de se lhe poder trocar a roupa sempre que desejado. Na nossa opinião, a invenção da Barbie foi a primeira afronta à única mas famosa criação de esposa de Deus. Esta invenção é muitas vezes designada através da expressão: "Hoje não, estou com dores de cabeça".
Chegados à adolescência, fase na qual está incluído o inicio da puberdade, as condições favoráveis à evolução são inacreditáveis. A avalanche de informação, relacionada com a sexualidade é brutal. A pressão exercida sobre o jovem para o motivar a dar inicio à sua actividade sexual dá-se dentro e fora de casa. Fora de casa, o jovem é provocado pelas conversas com os amigos, que nem sempre são sobre futebol. Por sua vez, em casa a pressão é mais discreta, mas ainda assim eficaz. Quem é que nunca foi vítima da famosa pergunta familiar: "Quando é que arranjas uma namorada?", que se desdobra em diferentes formas como esta: "Não estará na altura de arranjares um namorico?". Só é necessário estar atento.
A pressão é de tal forma grande que já se soube de casos de pessoas que tiveram problemas em cinemas e casa de espectáculos por só terem comprado um bilhete.
Na fase seguinte, que é a do jovem-adulto, as relações amorosas tornam-se finalmente reais e sérias. Uma relação amorosa é como um avião com dois grandes motores: um deles é o sentido de humor e ... não divulgaremos mais.
É a fase mais gira desta evolução; parece que nascemos outra vez. Andamos todos a sonhar, pois a nossa posição em relação ao casamento é extremamente positiva.Quando acordamos deste longo sonho, já estamos na fase seguinte desta evolução, a última. Nesta fase, a zona erógena é o estômago. Quando temos dez anos dizemos: " Olha, Tenho um jogo novo para o meu GameBoy". Aos vinte dizemos: " Olha, conheci hoje uma gaja, meu...". Aos trinta, não dizemos nada porque andamos a sonhar acordados e, finalmente, aos quarenta dizemos: " Olha, descobri um restaurante óptimo, pá!".
Finalmente, o ser humano conclui que o casamento é uma droga da qual não nos conseguimos livrar assim que nos metemos nela.
Desta forma, terminamos o nosso estudo sobre a evolução da sexualidade humana. Caso se interroguem sobre a continuidade desta evolução, depois dos quarenta anos, terão de esperar pela restruturação deste estudo que se intitula: " A Evolução Humana D.V. (depois de viagra)".

Bibliografia

- Revista "Lola" edição de Setembro de 1998

- Revista "PlayBoy" edição de Janeiro de 1996

- Darwin, Charles "A Origem das Espécies "

- Diário da República, edição de Abril

Patrocínios

- Preservativos Durex

- Revista Máxima

- Desodorizantes Axe

Agradecimentos

Infantário "O Coelhinho Branco

"Secção de Lingerie dos Hipermercados Continente

Loja de Animais "O Macaquito"

à minha professora da primária

Triffene 200

Ministério das Obras Públicas

Tropicana Motéis.
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David Sobral
in Casa da Venância, página de 7 de Fevereiro de 2009
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http://www.youtube.com/watch?v=BLSPFO4Imvw
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A EVOLUÇÃO HUMANA DEPOIS DE VÉNUS
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É só para te dizer, meu caro David, que depois dos quarenta, depois de Vénus ( D.V. ), o Viagra não é uma fatalidade, vindo deste modo facilitar-te a reestruturação do teu estudo, sublinhando, afinal, que desde sempre, A.V. ou D.V., o sexo está, antes de mais, na cabeça.
No interessantíssimo percurso que descreves o drama consiste porém e muitas vezes, em saber antes onde é que, afinal, ou depois está a cabeça e disso, nem o Viagra e muito menos Vénus têm a culpa!
E a cabeça foge-nos pela vida fora, sorrateira, dos pés para o estômago, deste para o casamento, da cabeça propriamente dita para as mais variadas dependências, elas também mais ou menos tóxicas e passando pelo viagra, evidentemente, ou pelas Barbies tão só numa profusão de meandros nos quais, às tantas, não se consegue destrinçar mais nada se não a vontade incontinente de ir à casa de banho.
Mas, que o sexo está na cabeça, está!
Este teu tio, perdoa-me mas é deformação estorilense (!), antes amigo que já ultrapassou os cinquenta, vê-me lá a requisse, continua a achar que sim, que é na cabeça que ele está e quando disso perdemos a noção, a miríade de cabecinhas que temos espalhadas por todo o corpo, então sim, tomam-nos de assalto como tiranetes obcessivos.
Essas tiranias, se é certo, se se podem descrever linearmente como o fazes na cronologia que teces, muitas vezes subvertem essa ordem e invertem A.V. com D.V. numa caótica sem fim.
Meninice, infância, adolescência, idades adultas porque as há muitas e por aí fora, se nesse percurso e onde quer que vás, se perdes a cabeça, não há cabeça que percas que não fique com comichão ...!
E aí, nesse turbilhão, ai de ti se não souberes como as coçar!

Bibliografia

A Autobiografia

Patrocínios

A Casa da Venância

Agradecimentos

A David Sobral
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 7 de Fevereiro de 2009
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http://www.youtube.com/watch?v=rUnnm-u6SKM
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Caixinha de Música
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Tenho pedaços de mim
guardados em muitas caixas
redondas, quadradas, ovais
de tantas formas e cores.
-
Umas cheias de emoção
outras de projectos sem fim
de histórias, de ironia
de inteligência mordaz
de ternuras, de poesia
de músicas e fantasia.
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Às vezes limpo-lhes o pó
alinho-as pelo tom
e sinto-as bem dispostas.
-
De uma salta um coelho
de outra um realejo
e da mais pequena de todas
um sorriso e um desejo.
-
Manuela Baptista
Estoril,10 de Fevereiro 2009
-.-

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

NOCTURNO



Na emoção de um viajar

real ou desejado

as noites são de escura prata

desenhando templos e catedrais

baías aldeias e arrozais

fervilhando cidades solitárias

mar revolto de monção

acendendo estrelas

nos lugares do coração

Manuela Baptista
10 de Fevereiro de 2009


http://www.youtube.com/watch?v=cDVBtuWkMS8

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2009

BOA NOITE FRIA DE INVERNO



Fria a noite roga que seja

boa no Inverno que a acolhe

cantada nos passos que a trazem

suaves pedindo que veja

em tudo o que a tolhe

o mais que eles fazem

-.-
http://www.youtube.com/watch?v=TRg6geGIef4

-.-

E passam os sonhos no frio que a desfazem

Desculpa-se a noite da cor que a pintou

Por ser no Inverno um sono tardio

Que às horas levaram de fio a pavio

-

Jaime Latino Ferreira

Estoril, 8 de Fevereiro de 2009


sábado, 7 de fevereiro de 2009

TESE, ANTÍTESE, SÍNTESE


TESE
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(...) A monotonia das vidas vulgares é,aparentemente,pavorosa.Estou almoçando neste restaurante vulgar,e olho,para além do balcão,para a figura do cozinheiro,e,aqui ao pé de mim,para o criado já velho que me serve,como há trinta anos,creio,serve nesta casa.Que vidas são as destes homens?Há quarenta anos que aquela figura de homem vive quase todo o dia numa cozinha;tem umas breves folgas;dorme relativamente poucas horas;vai de vez em quando à terra,de onde volta sem hesitação e sem pena;armazena lentamente dinheiro lento,que não se propõe gastar;adoeceria se tivesse de retirar-se da sua cozinha (definitivamente) para os campos que comprou na Galiza;está em Lisboa há quarenta anos e nunca foi sequer à Rotunda,nem a um teatro, e há só um dia de Coliseu-palhaços nos vestígios interiores da sua vida.Casou,não sei como nem porquê,tem quatro filhos e uma filha,e o seu sorriso,ao debruçar-se de lá do balcão em direcção a onde eu estou,exprime uma grande,uma solene,uma enorme felicidade.E ele não disfarça,nem (há)razão para que disfarce.Se a sente é porque verdadeiramente a tem (...)
-
Fernando Pessoa
(Bernardino Soares)
"Livro do Desassossego"
ANTÍTESE
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Jaime,
Sabe que podia mudar o contexto deste texto de um café para o meu local de trabalho,as suas personagens para algumas das pessoas com quem lido em termos profissionais e a mensagem passaria exactamente da mesma forma,com a mesma interrogação e espanto!?Sabe que conheço pessoas que vivem há 30 anos nos arredores do Porto e nunca foram à Fundação Serralves,não conhecem o Magestic, de certo nunca entraram no Teatro Nacional de S.João (mesmo quando ele era um dos grandes cinemas da Invicta), mas cantam as cantigas do Tony Carreira e até vão assistir,excepcionalmente,a um musical do La Féria?Sabe que conheci pessoas no meu circulo profissional em Cascais que nunca tinham entrado na Fundação Calouste Gulbenkian,não sabiam qual o último livro que tinham lido,nunca tinham assistido a um espectáculo de ópera ou bailado,não compravam um jornal há anos(para quê se liam as notícias diárias no Destak...), mas compensava-as conhecerem todas as praias da costa vicentina ou algarvia!?Sabe que estou a falar de pessoas que têm uma formação superior(!?), que vivem em grandes cidades, que têm acesso à informação, cujos rendimentos lhes permite eleger prioridades,mas que se mantêm por opção à margem do conhecimento,da discussão,da opinião e da cidadania?
Sabe,Jaime, este é quanto a mim um dos grandes factores da reprodução, transgeracional de décadas, da nossa tão badalada crise.
Somos pouco curiosos.
Somos pouco ambiciosos.
Somos pouco afirmativos.
Somos pouco destemidos.
Vivemos pouco a vida.
Contentamo-nos em vivê-la pela metade!
A nossa Crise somos Nós e perdurará enquanto não quebrarmos o ciclo da ignorância,do "podia ser pior",da apatia e do autismo.
A nossa Crise anda e andará por aí, alimentada por Nós que dela parece dependermos para a pouca vida que vamos vivendo.
( ... )
Ana Cristina
5 de Fevereiro de 2009
Aparentemente ...
Aparentemente mas logo Pessoa também diz que se aquela pessoa sente ( uma enorme felicidade ) é porque verdadeiramente a tem ( ... ).
A minha Amiga Ana Cristina, por seu lado, afirma sermos pouco curiosos, ambiciosos, afirmativos e destemidos, contentarmo-nos apenas em viver a vida pela metade ...
Mas, se somos esse padrão, que a minha Amiga como Bernardino Soares caracterizam como se explicará então essa verdadeira e logo por sentida imensa felicidade!?
Encerra-se aqui um paradoxo ou contradição nos termos!
A sensação de imensa felicidade não corresponde àquilo que diz ser viver pela metade mas antes plenamente e, então, será que condição para isso é que, como diz, vivamos encarcerados no ciclo da ignorância, do podia ser pior, da apatia e do autismo?
Eu só posso falar por mim, já que nos outros não me consigo meter e por mais que tentasse fazê-lo!
Diz-me a experiência que abordando alguém que eventualmente se encaixasse nos padrões descritos, entabulando com esse alguém conversação e tentando aproximar-me do seu registo ou comprimento de onda o que não é, reconheço, fácil de fazer, quantas vezes não me surpreendo ao desvendar progressivo da vida que me é, mais ou menos relutantemente, posta a descoberto.
Que mundo de imensos mundos se esconde num aparente cinzentismo amorfo e numa vida desinteressante!?
Às vezes mesmo, que epopeia se esconde nesses meandros!
Eu sei, acredite, o que é a sensação de imensa felicidade, atrever-me-ía a dizer de plenitude, e que esta implica, como o escreve, curiosidade, ambição, afirmação ou ousadia mas todos estes itens para que sejam revelados têm de ser vistos à escala do universo singular.
Claro que não dispenso os alimentos culturais sem os quais me faltaria o pão da alma ...
Mas, como olharia, pergunto-me, o velho criado ou o cozinheiro para Fernando Pessoa cujas vestes interiores ou heterónimos não carregava expostos à mesa do restaurante antes os guardava, expostos sim mas na sua Obra?
Monotonia!?
Vulgaridade!?
Pavor de vida!?
Que a crise é um estado de espírito é mas, por vezes, não basta contrariá-lo, é preciso fazer mais, muito mais.
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Fevereiro de 2009