há espantalhos que não espantam mais
A falácia a que me refiro é
tanto mais grave quantas as responsabilidades de quem, sentado à mesa do
orçamento a utiliza e tanto mais, ainda, quanto na situação de atoleiro em que
nos encontramos sem perspetivas rápidas de inversão independentemente de quem nos
governe ou venha a governar e ela consiste em afirmar que só sendo bem pagas,
as pessoas conseguiriam cumprir bem as suas funções sem cuja independência, que
os seus próprios honorários e regalias garantiriam, não seria exequível.
Desta falácia se pressupõe
que, inevitavelmente, não sendo bem pagas, as pessoas seriam, por esta ou por
aquela razão, corruptíveis ou, pelo menos, menos isentas.
Em resumo, sendo rude, direto
e escrevendo sem rodeios, desta falácia se conclui que seríamos, todos e sem
exceções, iguais a simples mercenários.
Pessoas incapazes do
cumprimento de um Serviço e pesassem, embora, os sacrifícios a que ele nos
obrigaria ou de, através dele, desse Serviço, exprimirmos e darmos corpo à
nossa generosidade para com o bem comum.
Com efeito, não há
corporação e tanto mais quanto a sua importância relativa, que não se levante
quando a ela lhe tocam os sinais que põem em causa, qual casta, a sua suposta
imunidade que a devesse colocar acima do que à generalidade dos cidadãos lhes é
exigido.
Já agora, friso que o que
aqui escrevo não é sinónimo de quanto pior, melhor ou de que a pobreza conteria,
em si mesma, um qualquer poder salvífico.
No entanto …
No entanto, eu escrevo por
mim, em nome próprio e em função daquilo a que a minha própria experiência me
habilita e aquilo a que ela me habilita, fala e escreve por si:
Há décadas e já para não
dizer desde sempre que não conheço outra situação profissional que não seja a
de um progressivo apertar do cinto e de crescentes dificuldades económicas.
Conto-me entre aqueles
considerados trabalhadores precários, eufemisticamente, apenas, designados como
profissionais liberais e de há muito que me habituei a lidar com essa situação
e com as suas permanentes incógnitas.
Esta minha situação
profissional, porém, nunca me impediu de dizer ou escrever aquilo que penso e
mesmo se correndo o risco de, profissionalmente, vir a ser penalizado que o fui
já e por mais de uma vez.
Talvez porque goze,
também, de uma retaguarda favorável e que, convenhamos, também não é alheia aos
meus próprios e sistemáticos esforços, nunca tal facto me toldou ou impediu de
escrever aquilo que penso, repito nem, tão pouco, a minha produção escrita,
graciosa que o é, foi, em função disso, abalada, toldada ou prejudicada.
Muito antes pelo
contrário:
Talvez por isso mesmo ela
mantenha toda a acutilância e verosimilhança que por corresponder a uma
situação real e que se vai tornando cada vez mais comum, a minha própria, aqui
se reflete e, sem esmorecer, se desenvolve.
Sem perder, sequer, a
minha independência ou a equidistância que tanto prezo e faço questão de
salvaguardar.
Aqui me mantenho firme e
não há precaridade que me abale ou demova daquilo que, livremente, arquei como
um Serviço que abraço e que cumpro.
Em mim, a falácia em causa
não se sustém de pé.
Como espantalhos que de
tanto se agitarem se tornam demasiado familiares e pouco assustadores, ele há falácias
que, paulatinamente, vão perdendo o pé.
O pé, a compostura e a
sagacidade, elas sim, espantalhos corrompidos, fora de prazo e invadidos, como
poleiros, por toda a passarada que deveriam mas já não conseguem enxotar.
Espantalhos que chegam
mesmo a pôr a nu aquilo que os faz mover.
Há pessoas que pelo seu
estatuto não estão em condições deontológicas de dizer que aqui estamos prontos
a aguentar com todos e cada vez mais sacrifícios;
Outras há, também, que pelo seu
estatuto, grandes dificuldades têm em o poder admitir;
Outras ainda há que pelas
suas responsabilidades passadas ou presentes, deveriam mas era ficar caladas;
Mas quem a eles, aos
crescentes sacrifícios, de há tanto tempo habituado está, pode afirmar a pés
juntos que não é por isso que se perde o apego à Liberdade ou a integridade
e muito menos a dignidade enquanto pessoa e cidadão livre.
Com este meu texto não
pretendo, tão pouco e longe disso, já aqui o escrevi mas não é demais
repeti-lo, fazer o elogio da pobreza ou do quanto pior, melhor.
Não!
Mas nós, cada um de nós,
também não é uma caixa registadora que se limite a olhar ao deve e ao haver,
antes somos capazes de prodígios dificilmente imagináveis sobretudo à luz de
uma visão, estritamente, contabilística, miserabilista incapaz de os registar.
Às vezes mesmo, é preciso
bater no fundo para nos darmos conta das insuspeitadas energias de que somos
portadores e que nos fazem renascer.
Em mim como aqui, neste
meu blogue e facebook, de há muito se
demonstra e todos os dias assim se cumpre!
perduro, soberano, nesta atitude
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 4 de Novembro de 2012