sexta-feira, 30 de outubro de 2015

RECENTRAGEM











este meu texto entronca-se neste outro


Há muito que a vida política anda descompensada, a saber, a palavra tem sido preterida pelos números que o mesmo quer dizer que a política se tem rendido à economia.
Há muitos anos mesmo que temos vivido no império desta última.
Os ventos começam, contudo, a soprar de outra feição.
A feição da palavra ou da política tout court e há uma asfixia que subitamente se desvanece para desorientação de muitos a ela habituados, chantageando ou não, mas a seu contento.
Formados que todos ficamos em economia e finanças, foi uma longa pós-graduação, de repente, essas muletas em que para o bem como para o mal nos amparávamos, dão de si e o desnorteio de muitos instala-se.
Num extremo a retórica, no outro a economia ou para utilizar uma metáfora, a euforia de um lado e a depressão do outro?
Não existirá meio-termo ou forma de as compensar ou de a ambas as recentrar de novo?
Estou convencido que sim e nem de outro modo, eu próprio, teria chegado até aqui.

O centro político desfocou-se e naquilo que tem prevalecido como o pensamento único ou os ditames da economia estrito senso considerada, do não haver alternativa, as posições, aparentemente, extremaram-se.
Mas há sempre alternativa, essa é uma condição da Democracia sem a qual ela não existirá de todo.
Não há alternativa a quê, pergunto-me e nesta pergunta reside o cerne da questão.
Imaginemos, por um momento, que as coisas teriam de ser de uma determinada forma porque sim mas tal poderíamos, apenas e por um momento, admitir se essa fórmula permanecesse estática, imutável no tempo.
A realidade das coisas, porém, demonstra-nos, precisamente, o contrário:
Nada permanece imutável, tudo está em permanente movimento, nós próprios somos dele um acelerado impulso ou input e cada vez mais assim o é.
Se não houvesse alternativa, não nos distinguiríamos, tão pouco, pela nossa capacidade de adaptação, isto é, pela inteligência e não sobreviveríamos à mudança.
Extinguir-nos-íamos sem apelo.

Há alternativa, sim.
E aquilo que num primeiro momento poderia parecer a rarefação do centro ou a radicalização resultante de não haver alternativa com tudo o que tal implicou, afinal, resulta numa recentragem do quadro político abrindo outras e mais vastas perspetivas, acordos e abordagens que pareciam ter-se cristalizado balcanizando uns como outros ou melhor, balcanizando-se, por via dessa mesma recentragem e ao que parece, o espetro político oposto aquele que balcanizado havia estado.
Será?
No quadro político nacional, estrito senso considerado, uma coisa é certa:
Passaram muitos anos sobre o 25 de Abril de 1974 e, sobretudo, sobre as sequelas que se lhe seguiram sem que disso se dê a devida conta:
Não há filhos e enteados, a havê-los já lá vai o tempo em que não eram todos iguais e todos têm iguais direitos como deveres.
Temos de estar preparados, é certo:
Quando no outro extremo do espetro político-parlamentar igual problema se vier a colocar como noutras latitudes já se coloca, a balcanização ou a exclusão serão, como o são sempre, alimento fértil para o seu crescimento.
Entretanto e na certeza de que, a partir de agora, não passa a valer gastar à tripa forra, a política voltou ao lugar de onde nunca devia ter saído.

E agora?
O centro não desapareceu, deslocou-se apenas e já não corresponde ao paradigma político tradicional.
Ele reside, como sempre residiu, na soberania da palavra que política o é e estas situam-se em quem está nas melhores condições de dialogar tanto num sentido como no outro e disso os decisores políticos que se cuidem porque um dia destes, quando e se acordarem, oxalá acordem, poderá ser tarde demais.











Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Outubro de 2015




quarta-feira, 28 de outubro de 2015

EU PODIA



John Collier, Cassandra, 1875/1885






Eu podia abdicar desta demanda
podia usar a força que tresanda
contra outros ou sobre mim e violar
a Liberdade em que vivo e é meu lar

Eu podia desistir de respirar
na Democracia não querer mais acreditar
podia augurar como Cassandra
e só desgraças ver de minha banda

Podia ao meu pacto o estiolar
podia estragar tudo o que em mim manda
e faz entrar o ar de par em par

Mas como sobre mim não se desmanda
não posso mais do que aprofundar
a vista que se antevê desta varanda


regozijo-me por Luaty Beirão e seus camaradas e torço por eles












Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Outubro de 2015




terça-feira, 20 de outubro de 2015

DE ALGUNS MITOS QUE NÃO SE SUSTENTAM MAIS




Queda dos Titãs, Cornelis van Haarlem, 1588








DAS  INTENCIONALIDADES  DOS  VOTOS  EXPRESSOS

É completamente abusivo, antidemocrático, mesmo, já que ninguém consegue meter-se na cabeça de quem por sua via se exprime, atribuírem-se intencionalidades aos votos dos cidadãos eleitores, elas são completamente imponderáveis, porque a havê-las coletivas ou expressas, tal equivaleria a dizer-se que sendo universal, o voto não seria individual e secreto, ponto.


DAS  ELEIÇÕES  LEGISLATIVAS

Independentemente da tradição e da ponderação que as forças políticas mais ou menos votadas em eleições legislativas devem merecer ou, talvez, por isso mesmo, delas não se deduz que ser-se a força política mais votada signifique, necessariamente, ser-se aquela que está em condições de formar governo.
Nestas eleições, os boletins de voto apresentam, não caras mas os logotipos das forças políticas em presença, logo, não se destinam a eleger um primeiro-ministro até porque não são eleições unipessoais, destinam-se, antes sim, a eleger os deputados do Parlamento e é a partir dessa constatação que se define ou não quem está em condições de formar um governo tão estável quanto o desejável sob indigitação do Chefe de Estado.


DOS  PARTIDOS  DO  ARCO  DA  GOVERNAÇÃO

Pegando nesta mesma expressão mas subvertendo-a, dos partidos do arco da governação ou do desenho que forma o conjunto das bancadas de um Parlamento clássico sem exclusão de ninguém e é dele, isto é, do conjunto dessas mesmas bancadas, de um como do outro dos seus lados ou ao centro que se apura uma governação possível.


DAS  CONDIÇÕES  DE  GOVERNABILIDADE

Os programas dos partidos são uma coisa e nem tudo desses programas está na agenda, eles constituem os seus máximos e o programa do governo é outra bem diferente, isto é, aquilo que está na agenda e é à volta deste último ou dos mínimos que o integram que se pode chegar a um qualquer entendimento entre as forças políticas que compõem as bancadas parlamentares com vista à formação de um governo plausível e democrático qualquer que ele possa vir a ser.


DA  EMPREGABILIDADE  OU  DA  FALTA  DELA

Ter emprego não é, necessariamente, ter trabalho e ambos os conceitos não se confundem.
Pode-se ter emprego e não trabalhar de todo.
Pode-se trabalhar e não ter emprego.
O trabalho consiste em qualquer ocupação manual ou intelectual, não necessariamente profissional que se tenha ou no esmero que se emprega na feitura desse mesmo trabalho ou obra que se tenha entre mãos.
Neste último caso, o de se trabalhar mas não ter emprego, não se tem de ser, necessariamente, um infeliz, um excluído ou um inútil e é este o meu caso:
Neste momento não tenho emprego, nem subsídio de desemprego, nem reforma à vista e nem por tudo isso me sinto um inútil, um desesperançado ou um desaproveitado.
Não vivo, tão pouco, tolhido pelo medo ou pela infelicidade.
Pelo ato de criação realizo-me em cada uma das páginas que escrevo e dou à estampa.
Sabeis o que isso é?
Tanto mais quanto vivendo na corda bamba da imprevisibilidade completa do dia de amanhã, sem rede ou da empregabilidade que pelo que crio tarda em ser reconhecida?
Não se trata de fazer o elogio da desempregabilidade, não e que fique claro mas esta ou o seu contrário não se definem, necessariamente, num perfil, ainda que estatístico ou miserabilista que não corresponde ao meu e não se pense que do ponto de vista estritamente económico sou mais do que um simples remediado.
Eis outro dos mitos titânicos em queda livre.

Sinais dos tempos ou de maturidade que tardam?






1 & 2






Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 Outubro de 2015





segunda-feira, 19 de outubro de 2015

NÃO SOU UM PÁRIA




escrever é trabalhar






Não tenho tostões ou milhões
tenho a palavra que lavra
não me enredo em confusões
dedico-me a esta safra

A minha demanda entrava
egoístas ilusões
não sou parasita nem larva
que desteça multidões

Não temo ideias contrárias
debates ou discussões
desafios de causas várias

Evito confrontações
mesquinhez de coisas párias
vazias de fundamentações





remeto para Do Que Sou









Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Outubro de 2015




sábado, 17 de outubro de 2015

MAIS DO QUE A MINHA LÍNGUA




pesem as nuvens ou, talvez, por isso mesmo, a pátria das ideias é comum e irresistível como um céu







seja em nome da estratégia, do interesse vital ou de outro, os territórios físicos que por ventura pudesse cobiçar não são meus e, em rigor, ninguém os possui mas já as ideias tais como as da Liberdade ou as da Paz, ideias irresistíveis que não conhecem fronteiras de qualquer espécie, são de todos e a todos nós nos pertencem e dizem respeito

mais do que a minha língua, as ideias são a minha pátria e a minha pátria sendo minha é de todos, em si mesma e da minha parte não promove a guerra muito antes pelo contrário, a ninguém exclui, pode ser partilhada sem quaisquer restrições e apenas dessa forma cresce e se engrandece

as ideias são a minha pátria e a pátria das ideias, podendo sofrer reveses, não está sujeita à erosão física, territorial ou qual outra que o seja






réplica a Fernando Pessoa









Jaime Latino Ferreira
Estoril, 17 de Outubro de 2015





terça-feira, 13 de outubro de 2015

A SILENCIOSA PRISÃO DA LIBERDADE




Picasso, La Paloma De La Paz sendo que a Paz é livre ou não a será de todo








vivo na silenciosa prisão da Liberdade






porque a palavra escrita é silêncio prenhe de expressividade ao ponto de se poder converter, organizado, no seu simétrico sonoro ultrapassando as aparentemente intransponíveis fronteiras da superfície espelhada que em si mesma é



porque à palavra assim dada me encontro amarrado num encadeado que às masmorras as fazem zombar de inveja uma vez que esta última é um sentimento próprio de quem à Liberdade a amesquinha



porque a minha prisão silenciosa, feita em nome de e pela Liberdade, é livre, logo, auto consentida




e ao viver assim a troco de quantos custos, só eu e os meus mais próximos o sabemos, as algemas quebram-se e o pensamento, verdadeiramente, flui tão solto que ao mundo e às estrelas do universo os abarca

tão mais solto quanto pelo silêncio escrito, presente sim, pelo silêncio omisso, ausente não, fica preso, amarrado, agrilhoado à Liberdade












Jaime Latino Ferreira
Estoril, 13 de Outubro de 2015




terça-feira, 6 de outubro de 2015

SOBRE A HUMILDADE DEMOCRÁTICA




iluminura (?)






ainda que subliminarmente e de todas as partes, o discurso político vive barricado e impregnado da diabolização do oponente como se qualquer dos lados não carregasse consigo máculas, os outros sim, maniqueísmo que não conduz a lado nenhum muito antes pelo contrário

independentemente de em todos os campos os poder haver de uma ou de outra estirpe que sempre os há e tanto mais quanto filtrado pelo repentismo mediático, espremido, o discurso político reduz-se ao preto e branco:

- uns conspiram, os outros não -

- uns são maus, os outros bons -

- uns serão o diabo, os outros deus –

no meio disto tudo onde fica, efetivamente, a separação essencial entre os poderes temporal e intemporal ou, prosaicamente falando, a humildade democrática?

eis o que na arena política está por resolver e que logo à cabeça a envenena na certeza de que a minha afirmação não tem de passar pela diabolização de quem seja











Jaime Latino Ferreira
Estoril, 6 de Outubro de 2015




quinta-feira, 1 de outubro de 2015

PALAVRA



dando a cara







música por excelência, o conjunto das minhas palavras é o meu grupo depressão e apenas este, na palavra dada, me condiciona




no Dia Mundial da Música












Jaime Latino Ferreira
Estoril, 1 de Outubro de 2015