terça-feira, 25 de dezembro de 2012

LINHAS DE FORÇA A PROPÓSITO DE PRESÉPIO

Júlio Pomar, O Almoço do Trolha, 1947

 
 

I


A Sagrada Família não continha nada de tradicional ou costumeiro e, por isso mesmo, se escondeu numa manjedoura para fugir ao decreto do Rei Herodes que teria mandado matar todos os nascituros por medo de vir a perder o seu trono para o profetizado rei dos judeus.
Clandestinamente ela se cumpriu obedecendo a todos os requisitos que, hoje, poderiam corresponder àquilo a que, prosaicamente e é dizer pouco, se chama uma família nada convencional.


II
 
Confundir família não convencional com família desestruturada constitui um grave equívoco.
Ele há famílias nada convencionais unidas pelos mais fortes elos do amor como há famílias convencionais que, desestruturadas, assentam no exercício das maiores arbitrariedades.
Outro equívoco consiste na ideia de género que assentaria, por oposição a fragilidade, na força física e não naquela que, em pé de igualdade, os faz comungar no amor.
Destes equívocos os maiores impasses persistem em prejuízo daquilo que sendo durável, perene, é fundamental, a saber:
Não há família sem amor e o resto é retórica e manobras dilatórias!


III

Manobras dilatórias, de dilatório ou daquilo que se faz por adiar.
Adiar pode ser uma atitude inteligente quando, por exemplo, se relacione com a gestão política de uma situação delicada que envolva muitas sensibilidades e onde não se torne claro o sentido para que elas pendam, sobretudo, perante assuntos como aqueles dos costumes e das novas formas de organização familiar que, por isso mesmo, se tomam por fraturantes.
Assim, em nome da unidade se adiam clarificações.
Mas chega sempre uma altura em que adiar faz inverterem-se os termos da própria equação enunciada atrás.
Assim, nada garante que por persistir-se na ambiguidade que o protelamento suscita, o que se quereria, à outrance, manter unido, afinal, não se frature ainda mais, definhe ou se estiole mesmo e, sobretudo, quando o persistente adiamento que se quereria tomar por impoluto mas que não passa de um teimosa renitência que nada tem a ver com princípios, faz recair sobre si mesmo as mais avassaladoras das suspeições.
Ambíguo?
Para quem saiba ler.


IV

Pretender à viva força manter unido aquilo que, ainda que em prejuízo dos princípios, como o azeite e o vinagre não se mistura, pode ser uma receita que produz os piores dos resultados.
Essa receita, embora mantendo à tona o azeite, a verdade ou o unguento purificador acaba por não neutralizar, no fundo e pela calada, a persistente acidez que os corrói e se despoleta, o mal viver consigo próprio em tudo contrário ao bem viver, ele sim, eixo axial e força motriz da disponibilidade e do amor que se têm a ver com a castidade lato senso considerada não se confundem com qualquer normativo castrador.
Não se estando bem consigo próprio, como se poderá estar bem com os outros?
A verdade é como o azeite, acusando a acidez vem sempre ao de cima.


nota: a castidade é um lugar sagrado e íntimo, indeterminado em cada um de nós que nos mantém íntegros.
 

V

Eu amo-te, que quer dizer isto?
Tal significa que no absoluto respeito pelo Outro, maior e igual, o que implica o não anulamento de um pelo outro, seja ele quem for, na fidelidade, com ele se quer partilhar tudo, os bons como os maus momentos da vida.
Significa estar disponível para o Outro e, ao está-lo, para todos os outros também se ficar disponível.
Quem sou eu, quem é o Outro?
Teremos de obedecer a um perfil ou a uma morfologia específicos?
Ou o Outro é tudo o que nele a mim me completa para lá de todas as nuances físicas?
O Outro, nele incluída a sua dimensão metafísica.
O Outro e eu não somos nem simples apêndices ou encaixes, nem meros sistemas reprodutores, somos muito mais do que isso.
Somos criatividade latente que de um no outro dá à luz.


remeto para Presépio



 
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Dezembro de 2012
 
 
 

1 comentário:

manuela baptista disse...

e depois

família mais louca, criativa, capaz de de grandes voos, de construções, de pontes e de travessias

formou o filho connosco, nós a humanidade e Ele sua parte