Vieira da Silva, La Ruée des Losanges, 1947
I
( eu, eu mesmo )
Olhe-se para aqui, quer
para o mural do meu facebook como
para este meu blogue e veja-se:
Desmultiplico-me em
palavras adicionando-lhes música a elas, tanto quanto o possível, conforme, sem
calculismos e constato ser uma nódoa económica!
Não manufaturo nem efetuo
transações incapaz de me enquadrar nos cânones vigentes, não consigo amealhar,
tão pouco e desdobro-me por aqui sem pré-condições negociais ao arrepio do
mundo e vou permanecendo entre o sonho e a realidade numa teimosa convicção alimentada
do que escrevo em aparente e pueril ingenuidade constrangedora.
Em que é que contribuo
para o PIB?
Em que é que contribuo
para a riqueza coletiva?
Em que é que acrescento
mais-valia?
Sou uma nódoa!
Sou uma desgraça singular!
Ancoro-me em palavras nas
suas triangulações, na musicalidade que transpiram e quem me dá crédito?
II
( o outro ou o conjunto de nós, Deus )
Sou uma nódoa económica!
Deixa lá, não vês que sem
a palavra nem Deus, eu próprio, na minha relação contigo, existiria?
Seríeis máquinas, nem
números, apenas bits, impulsos,
programações sem autodeterminação.
Se não fossem as palavras,
em si mesmas imagens que vos ajudam a construir o mundo, o que seria de vós?
São os conceitos que dão
origem às coisas materiais ou estas que dão origem aos conceitos?
E as coisas materiais,
transformam-se ou não, elas próprias, por via e ação dos conceitos?
Ou, dito de outra maneira,
foi a roda que deu origem ao conceito ou a sua ideia, conceito em si mesmo, que
deu origem à roda?
Roda, o que seria da
construção do mundo sem o rasgo do seu conceito?
Onde estaríeis agora?
E o triângulo, quanto não
movimenta ele pese embora a sua estrutura atrítica
que a música, sua roldana, roda, engrena e suaviza?
Eu próprio, que seria da
minha relação, elo, link contigo mesmo,
se não me tivesse encarnado na própria palavra em triangulações que transbordam
de todos os textos sagrados?
De todos, repito.
III
( o outro eu, o meu próximo igual )
- Sou uma nódoa económica!
- Eu não te dizia para não
te martirizares!?
- Mas quem te diz que me
martirizo, não vês que a palavra me alimenta?
- Mas se és uma nódoa
económica e até à exaustão insistes afirmar sê-lo, de que enorme
insignificância te revestes tu!?
- No princípio era a
palavra, insisto!
- Então, de que te
queixas?
- Eu não me queixo,
assumo-o, sou uma nódoa económica e nem por isso deixo de ser quem sou: tu
próprio não me interpelarias se eu não afirmasse ser como sou, justificando-te.
- Não me digas, era só o
que faltava se pelo conceito, então, foste tu que me criaste?
- Não ponhas na minha boca
coisas que eu não disse: tu realizas-te economicamente mas tal facto, essa é
que é essa, não invalida que nem todos o consigam, pela sua própria natureza,
realizar-se dessa forma. Nada é só economia, é esse o meu irónico ponto pelo que não é
a economia que nos cria e dá pleno sentido. Se assim fosse, volto ao início,
não passaríamos de números absolutamente descartáveis que o não somos.
- Mas, concedes-me espaço?
- Claro que te o concedo e
nem te o teria de conceder. Quanto, reconhece, na sociedade que sem números
também não seria reconhecível, eles também constroem, não te é, até ao
paroxismo, concedido? Dá-me é tu espaço à Cultura!
- Cultura, mas não tem
números a Cultura?
- Tem, claro que tem, mas
nela, em infindáveis triangulações, o próprio triângulo se estrutura em
números, ao ângulo da lógica somam-se aqueles da razão e dos sentidos dos quais
a música, os sentidos, ela própria e tal como a palavra, a razão, irreconhecíveis sem o ritmo e, logo,
sem os números, são o seu santo óleo.
prosaica definição aplicada de trindade santíssima
com outras triangulações entrecruzada
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 22 de Fevereiro de 2013