Wassily Kandinsky, Composition 8, 1923
A realidade daquilo que se
passa no microcosmos nacional, ele é disso uma amostragem, traduz, em última
instância e pesem ou não todos os sinais contraditórios, a luta pelo reforço e
pela hegemonia do centro político mais e mais abalado, interpelado tanto mais
quanto pelos recentes acontecimentos em Paris,
mas que importará não descurar.
Nessa luta, o que é que
está em causa?
A nível geral, isto é, no
quadro da União Europeia no seu
conjunto, a possibilidade ou não de existir alternativa ou alternativas às
políticas que nela têm vingado, alternativas essas que são, em si mesmas,
condição democrática e, convenhamos, as posições têm-se extremado, a União Europeia mostra-o à saciedade em
prejuízo do centro político que se tem rarefeito e isto já para não falar nas
derivas centrífugas ou ao arrepio dos seus tratados constituintes e que em
crescendo a assolam e paralisam.
Nos quadros específicos
das realidades nacionais de que Portugal é
um paradigmático exemplo e mais ainda quanto conserva um xadrez político a
lembrar aquele ao tempo dos pais fundadores da Europa, o que é que está em jogo?
Durante muitos anos,
dezenas, diria, um dos partidos do centro, o Partido Socialista viveu acantonado entre a sua esquerda e o
centro-direita, comprometido com este último nos seus compromissos soberanos e
acicatado à sua esquerda, incapaz de com esta se entender, espremido por uma tenaz
que o constrangia e que o impedia de se expandir, muito antes pelo contrário,
com um mínimo de sustentabilidade.
O centro-direita, liderado
pelo Partido Social-Democrata, por
seu turno e porque entre si e com o seu extremo se entendia, não raro
conquistou maiorias absolutas.
No primeiro caso, o do PS estas foram a exceção e no segundo, o
do PSD, quiçá, a regra que agora se
vê, de súbito, posta em causa.
Os constrangimentos do
resgate a que o país, entretanto, foi sujeito pelas condições por ele impostas,
esses fizeram o centro-direita, entretanto e uma vez mais constituído em
maioria absoluta, infletir à direita e cavaram uma fratura ao centro que, pelo
menos a prazo, se antevê difícil de superar.
Assim e jogando com o fator
surpresa, infletindo, por sua vez, à sua esquerda, o PS e quebrando um estigma cujas origens históricas se perdem no
tempo o que, em si mesmo, constitui um facto histórico, entendeu-se,
finalmente, à sua esquerda cooptando-a, propositivamente e em simultâneo, às
responsabilidades ainda que indiretas da governação sem deixar de reafirmar os
princípios que com o centro-direita, desta feita acantonado e refém da sua direita,
repito, comunga e partilha.
Quem está, então e
independentemente da resolução do impasse a que se assiste na constituição de
um novo governo e que é, em si mesmo, fator de instabilidade, em condições de
refazer o centro político?
Respondo como se segue:
Na certeza de que a
crispação ou a vendetta desfavorecem
aqueles que nelas persistam, independentemente dos atores políticos que a uns e
a outros os liderem, quem esteja em condições de criar pontes para onde quer
que se vire criando folga e, logo, margem para o crescimento.
Esse ou esses deixarão de
ficar acantonados e criarão espaço para crescer ao centro porque é no centro e
mesmo se, por ora, difusamente espartilhado que se continuam a ganhar eleições.
Esses, apenas esses pelo
que, não me espantaria se a prazo, se o diálogo já se aprofundou em direção
àqueles que pareciam estar, irremediavelmente, excluídos de mais e maiores
responsabilidades, insuspeitadas pontes se poderão vir a criar entre aqueles outros
que a aparente ausência de alternativa que propugnavam parecia ter definitivamente
apartado.
Direita e esquerda, sei
bem do reducionismo e da carga, num como noutro sentido, que ambos os conceitos
transportam e sobre eles, porfiadamente, já me pronunciei mas certo é que são
os conceitos que temos, não há como fugir a eles donde, por isso e para lá
disso, assim remato esta minha reflexão:
Na convicção plena de que
o aprofundamento da integração europeia só pode é estar associado ao
aprofundamento da Democracia que deve, tem de ser um caminho sem retorno e,
logo, do diálogo democrático sem barreiras nem tabus sim, há, só pode é haver
alternativa e tanto mais quanto os recentes atentados o parecem, eles também,
exigir.
O tempo se encarregará de
o confirmar mas quanto à União Europeia seria
bom que aos interesses imediatos desta ou daquela família política, país ou
grupo de países encarados de per si, fizesse prevalecer o interesse geral que à
solidariedade, como bandeira e acima de tudo, deveria ostentar com o orgulho
determinado de quem dela faz a sua própria identidade.
Sim, a solidariedade,
cimento que os tempos à União a convocam e não outro interesse
particular ou chauvinista.
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 18 de Novembro de 2015