Gustav Klimt, A Árvore da Vida
Ao contrário do que é voz corrente, mais do que uma crise das dívidas soberanas, a presente crise, verdadeiramente, é a crise das soberanias tal como até aqui as conhecemos.
Perante os desequilíbrios ecológicos, que sentido é que as velhas soberanias nacionais, tout court, continuam a fazer?
Conhecerá o ecossistema global quaisquer fronteiras por estas delimitadas?
Soberania …
Vejamos o seu significado:
Para o que aqui interessa, primazia ou prioridade, qualidade ou característica do que é imperioso …
Ainda há uns dias, no passado dia dezasseis, efabulava com um amigo meu que, qualquer dia, a Alemanha, espantada e ao acordar, terá o FMI à porta e mal suspeitava ainda do novo sobressalto que, logo no dia a seguir, não foi preciso deixar passar mais do que um dia (!), varreu a Europa pressionando os juros das dívidas daqueles países, a Alemanha incluída, que até aí se julgavam ao abrigo da tempestade que a assola e que a ninguém, a nenhuma soberania nacional, vai deixando impune …
E resistirá a Europa, no conjunto dos seus estados, sobretudo daqueles que aderiram à moeda única, se nela, em sucessivos braços de ferro, predominar o olhar para os seus umbigos, na salvaguarda das clientelas que aos seus líderes os elegeram e das quais estes, ambivalentes, delas permanecem reféns?
Pretendendo preservar essa mesma moeda, instrumento de unificação e circulação de que não querem prescindir mas com visões predominantemente nacionais remontando, ao arrepio da História, a um tempo em que as soberanias residiam nas nações?
Uma árvore é um animal revirado do avesso tal como a Europa o está …
Nela o sistema circulatório, exposto e uma vez criado, expande-se, contaminante e imperativo, sem conhecer fronteiras e de tal modo que amputado dos seus veios, ameaça o sistema no seu conjunto.
Tanto mais assim é quanto, transformado em subsistema de referência, já não há volta atrás que se lhe possa dar porque ele, não apenas a si próprio, contagiante, se interpela como a todos os outros que dele dependem, arrastando-os consigo, os expõe e fragiliza.
Aí, este organismo, tal como a árvore, aproxima-se, decisivo, ainda mais do organismo animal que não pode passar sem o sistema circulatório no seu conjunto como dos outros dos quais dependente para sobreviver.
Experimente-se regar a árvore em demasia ou não lhe saciar, de todo, a sede e o que é que lhe acontecerá?
Uma árvore que queira permanecer viçosa terá de ser regada com conta e peso, nem mais e nem menos, de modo a que preserve o seu crescimento harmonioso.
E poderá ela ficar indiferente aos solos e às outras árvores que a rodeiam?
Poderá ela deles fazer tábua rasa ou não olhar, preservando-o no seu conjunto, ao seu desenvolvimento que da árvore, apenas, não depende?
O sistema circulatório criado, impõe que para ela se olhe no seu conjunto e no contexto do seu habitat e poderemos dar-nos ao luxo, uma vez criado, de arrepiar caminho!?
Uma árvore é vida e a árvore da vida já se confunde com o mundo todo …!
Num intrincado sistema circulatório, este não mais se compadece com visões parcelares ou com soberanias que das outras julgassem não ser apenas veios.
Como um tufo esférico ou viçoso manjerico, bolhão de água ou turbante, confunde-se a árvore com o que, pelo turbante escondido, existe, soberano, em cada um de nós!
Como no nosso sistema circulatório, a moeda unifica-nos a todos e dela interdependentes em abraço que nos cinge, perdemos, se é que alguma vez o tivemos e sem volta atrás, o nosso isolamento …
… a virgindade inicial.
O problema e esse é o ponto (!), é que estando já todos os subsistemas circulatórios, entre si, interligados, uns se encontram saturados e os outros, dessa circulação carecidos.
Irresistível, sem cor nem nacionalidade, o sistema monetário internacional aí está a fazer apelo a uma decidida e democrática, imperiosa concertação política global:
A ser vítima de um AVC, a nenhum dos seus subsistemas este os deixará incólumes!
o estrangeiro é o desconhecido em mim mesmo
aqui se conclui a minha Trilogia A Árvore da Vida em homenagem a Gustav Klimt
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Novembro de 2011
6 comentários:
Ótimo texto! E este blog, é sempre um prazer visitar. Abraços alados e boa semana!
será um sistema circulatório
mas
e apenas por um sentimento que poderá ser preconceito,
não gosto de ver misturada a árvore da vida com a circulação monetária cheia de colesterol nas artérias principais
os jardineiros não são os melhores e não sabem nem da poda, nem da rega e quando chega a colheita, sobram cestos vazios
mas admiro o teu texto, muito bem pensado e desenvolvido!
bem esgalhado, digo
de galho, para continuarmos a linguagem verde natureza
mb
MANUELA BAPTISTA
... cheia de colestrol nas artérias principais ... essa é boa!!!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Novembro de 2011
MANUELA BAPTISTA
Volto, de novo, ao teu comentário que, como sempre dá água pela barba, agora para comentar o eventual preconceito que te inibe na associação metafórica entre o sistema monetário internacional e o facto de ele aparecer associado à Árvore da Vida ...
Pois é!
Mas meta, cada qual, a mão à consciência, e com honestidade intelectual diga-me se na sua vida concreta, afinal, dele pode prescindir!?
É certo, como o escreves, que as suas artérias principais, provavelmente, estão cheias de colestrol, mas tal não se pode confundir com a irreversibilidade de este, à escala global, ser ou poder vir a tornar-se em factor de ligação, de conexão global tal como este instrumento ou as autoestradas da informação, de facto, o são!
Custa a admitir, não custa!?
Mas se o dinheiro não tem cor, desta afirmação não se lhe podem extrair, subjectivamente, apenas as suas implicações negativas ...
Se não tem cor, ele também nos pode fazer aproximar!
O Euro pode ser, pode, repito (!), impulso de unificação ...
E, em rigor, quem poderá passar sem ele!?
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 21 de Novembro de 2011
MANUELA BAPTISTA
Voltando às artérias entopidas de colestrol ...
... grande soundbite este que inventaste!
Quem disse que não és um animal político!?
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 21 de Novembro de 2011
Jaime passo para deixar beijinhos, para dizer que tenho lido e li este texto todo, mas lamento neste momento duvidar que um sistema que pouco ou nada nos trouxe de bom seja imprescindível.
O facto é que os ingleses continuam a viver sem o euro e continuam a conviver bem com o resto da Europa e do mundo e não só eles.
Não me parece uma tragédia poder pensar corrigir erros cometidos, o mal é que não haverá para já ninguém capaz de os corrigir porque há erros que só atingem alguns e que continuam a dar muito jeito a uns tantos, que aos poucos vão aparecendo, embora já todos soubessemos que existiam e que são autênticos assaltantes do mais profissonal que existe, vergonhosamente impunes.
E tenho dito, :)
E agradeço a sua verticalidade, amizade e formação, massa de que se fazem os homens de honra e esses sim é que fariam um mundo novo e acredito numa nova geração que está a absorver essa necessidae de voltar a valores esquecidos. Uma nova geração que se quer pautar pela preservação do eu e da esfera terrestre, pelo retorno à natureza e ao humanismo, menos deslumbrada com o consumismo e com o excesso de informação e tecnologias, que as sabe utilizar com mais comedimento. Talvez pareça uma miragem, mas tenho-os ouvido e embora demore acredito que serão os novos donos do mundo.
Beijinhos de esperança
Branca
Enviar um comentário