quarta-feira, 24 de abril de 2013

CARTA A UM AMIGO MEU


o ponto azul, a luz e a sombra


( a um amigo meu cujo ceticismo, felizmente, me obriga a puxar de uma bateria adicional de argumentos )


Caríssimo,

Em defesa da Hipótese que defendo e possa embora, por antinomia, assim não poder parecer, vou-Lhe contar o episódio que se segue e, a partir dele, sobre ela refletir:
Em tempos, tive um aluno autista a quem, um belo dia, estava um dia de sol radioso, lhe perguntei:
Diz-me lá, para ti, o que é o sol?
Prontamente, esse meu aluno respondeu-me:
É uma janela!
A resposta que ele me deu deixou-me perplexo, tão perplexo que me levou a escrever um poema, o original em alemão, aprendi a língua alemã desde tenra idade, logo traduzido por mim mesmo para português e que, salvo erro, já não sei se no meu blogue ou se no facebook, julgo que neste último, em tempos, o publiquei:

Die Sonne scheint
so wie ein Fenster
zwischen mir
und der ganzen Welt

O Sol brilha
como uma janela
entre mim
e o mundo inteiro

Uma janela cumpre uma dupla função:
Ilumina e deixa ver o que para lá dela se abarca ou dizendo de outra maneira, ilumina para cá e para lá dela.
Se para lá da janela, no entanto, houvesse escuridão mas se, nós mesmos, situados para cá dela tivéssemos luz própria, veríamos e seriamos atraídos pelo reflexo organizado, pela simetria que de nós mesmos a janela projetaria.
Tal como não menos rigoroso é dizer-se que se estivéssemos fechados num quarto sem janelas e sem luz própria, logo por imperar a escuridão absoluta, atropelar-nos-íamos, chocaríamos, desintegrar-nos-íamos, quiçá, uns aos outros.
Em suma, num quarto escuro e mesmo que tendo uma janela que não projetasse luz e sem que, nós mesmos, tivéssemos luz própria, dificilmente sobreviveríamos.

Mas a janela desse meu aluno martelava-me o espírito nesse outro sentido do que está para lá dela e esse já me era familiar, daí a perplexidade da resposta que cumplicemente partilhei, surpreendido e sorridente, com esse meu aluno.
Que uma janela, em princípio, ilumina, ilumina, esse é um dado que temos por adquirido, tão adquirido como o ar que respiramos mas essa outra função que a janela desempenha e que consiste em dar a ver o que para lá dela se avista é sempre um dado inesperado e, por isso mesmo, aliciante, atrativo e tanto mais quanto para uma criança tal como esse meu aluno era.
Por ser autista e pese embora a pronta e inesperada espontaneidade da sua resposta, esse meu aluno não se alongou, porém, para lá dela, da janela com que ao sol o comparou e que, por momentos, pelo menos a meus olhos, a ele próprio o iluminou com particular intensidade.
E o que é que se vê para lá dessa janela, o sol, e talvez fosse essa, quem sabe, a chamada que o meu aluno, por momentos presente e mais interativo, me fazia?

Convém, aqui, fazer este alerta que nunca é demais repeti-lo:
Olhar diretamente e sem filtro para o sol envolve não poucos riscos.
Pode-se fazê-lo e fi-lo muitas vezes ao longo da vida mas com todos os cuidados e de viés, sobretudo pela alvorada ou ao pôr-do-sol, sem que tal me tivesse afetado significativamente a visão e o que é facto é que, ainda hoje, só uso óculos de fracas lentes e para ver ao perto e apenas para ler e para escrever.

Olhar-se diretamente e sem filtro para o sol é qualquer coisa de tão estonteante quanto ver-se um corredor de luz tão incandescente quanto difícil de focalizar ou, se quiser, de imobilizar, um pouco ao encontro do olhar de um autista que tem grande dificuldade em à sua vista, aparentemente, a fixar e qualquer filtro que se interponha entre nós e o sol amortece, desvanece, deturpa essa deslumbrante mas de difícil acesso porque ofuscante paisagem.
Um corredor de luz, rasgão de passagem no firmamento, incandescente e, por isso mesmo, dançarino é o que se vê através de e para lá do sol.
Escusa de me vir parodiar com Fátima e o seu sol dançarino, sei bem do seu sempre ácido e empedernido humor, pois tento, nesta minha descrição, ser tão objetivo e parcimonioso quanto o possa ser possível.
Com o sol passa-se exatamente o inverso do buraco ou da estrela negra, janela, ainda janela mas densa de escuridão que apenas projeta escondendo-se e escondido, o irresistível reflexo do que se passa no seu interior ou uma vez ultrapassada a meta da sua travessia e que atrai tudo aquilo que, ao seu alcance, qual compartimento suga sem estragos imediatos de maior graças à tensão que, em equilíbrio, a umas e a outras forças gravitacionais de sinal contrário as contrabalança sem as colapsar ou destruir e desde que neste, no compartimento, haja mais luz do que no seu interior, isto é, para lá dessa mesma janela ou portal escuro de acesso.

Entendamos, pois, a luz ou a sua ausência como metáforas gravitacionais de sinal contrário por cuja interação não deixaríamos de ser afetados.
Que aconteceria se uma nave espacial que aguentasse as tremendas temperaturas solares, se dirigisse em direção ao sol atingindo a velocidade da luz, porque era disso, literalmente, que atingindo em pleno e no auge a luz à nave, pela luz, a transportaria para onde?
Onde iria ela parar no espaço/tempo?
Do mesmo modo, que aconteceria se fôssemos apanhados por uma janela escura mas, no entanto, janela, ainda corredor arrefecido de luz, sombra e antes de se transformar em intransponível parede, qual estrela moribunda e colossal, projetando qual seja a simetria de nós mesmos desde que ainda banhados ou organizados em sistemas de complexas forças gravitacionais, equilibrados pela luz do sol ou de quantos sóis que por ela fossem sugados como, por definição, o reflexo espelhado simétrico o é ou meta suscetível de num espelho vivo e comunicante como um Buraco Negro, vir a ser alcançada?
Será que não nos poderíamos tornar nele mesmo?
Nesse reflexo de um colossal espelho vivo e irresistível?
Será que não seriamos capazes de, com sucesso, atravessar para o outro lado do espelho a que ela, essa janela e ainda corredor de passagem, portal nos daria acesso?
A prazo e se assim tivesse acontecido sem disso termos consciência, desarmados de todas as defesas que nos permitissem dar conta das subtis alterações em nós desencadeadas pela interação gravítica, portanto, o que poderia vir a ser de nós próprios?
Mas se, pelo contrário, a essa consciência a estruturássemos como pela minha parte e na linguagem que domino não me canso de o fazer, aí sim, será que não poderíamos vir a alcançar toda a diferença!?

Já agora, deixe-me ainda acrescentar-Lhe:
Na linha destas e acrescentando-lhes muitas outras reflexões que já há muitos anos, sistematicamente, por mim foram feitas, então ainda e apenas em suporte papel, encontram-se hoje depositadas no arquivo da Biblioteca do Centro Nacional de Cultura conforme, em ofício, me foi, de há muito, comunicado afiançando-me o seu Presidente estarem na melhor das companhias, isto é, naquela dos mais conceituados e prestigiados autores.

Uma vez mais reconhecido e desculpe-me a insistência, com um grande Abraço


no que aqui conto devem ser salvaguardadas todas as distâncias que uma abordagem em linguagem comum como esta, consigo, sempre acarreta e em memória de luminosas narrativas como as de Carl Sagan



Jaime Latino Ferreira
Estoril, 24 de Abril de 2013



4 comentários:

manuela baptista disse...

um grande ponto azul,
para quem escreve

e já agora, para os amigos e outros afins de Carl Sagan

big :))

ki.ti disse...

uma janela cumpre uma dupla função:

se está fechada lixo-me

se está aberta, caio redonda do 1º andar

Jaime Latino Ferreira disse...

KI.TI


Nem sabes quão certo o falaste ou saberás?

Se está fechada podes te lixar mas não te quilhas e se está aberta cais redonda mas sobrevives!


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Abril de 2013

Anónimo disse...

Jaime!


Sempre me comovo quando leio algo que me faz lembrar Carl Sagan

Tenho todos os livros dele, simplesmente respeito esse homem que me explicou tão bem as nebulosas e os buracos negros e estrelas do universo


Beijo


Filomena