Começo este meu texto por
uma justificação:
Se escrevi o seu título
por esta e não pela ordem inversa não foi por utilizar como critério a
colocação dos respetivos países respeitando a ordem alfabética mas antes porque
sendo eu português, facto sobre o qual se torna escusado especular, teria de ter
uma qualquer nacionalidade, a cortesia e já para não falar do respeito
protocolar, nunca uma qualquer subalternidade vis-à-vis seja que país for, me obrigam a colocar Angola, o país terceiro e não Portugal, em primeiro lugar.
Dado este esclarecimento, passemos
ao que me traz até vós.
Salvo erro, nunca escrevi
sobre Angola ou sobre as relações
deste país com Portugal.
Nunca o fiz por
variadíssimas razões mas, sobretudo, porque, pese embora o desconhecimento
cultural que dele tenho, confesso-o, se tratarem de países tão próximos e de
relações tão demasiado quentes, apaixonadas, à flor da pele ou temperamentais
que tão rapidamente fervem como se distendem quais irmãos recém-separados mas
de recordações e feridas ainda demasiado frescas prontas a bulir por tudo e
nada.
O mesmo poderia também
acrescentar em relação a todos os países lusófonos tais como Angola o é, isto é, aqueles que
partilham uma mesma língua, o português e nunca o fiz, não por desconsideração
por quais fossem mas talvez antes e ao invés, pela consideração resultante da
partilha desse território que é a língua comum.
Relações entre os Estados
angolano e português e relações entre os respetivos povos.
Umas e outras não se
confundem embora ambas se rejam, como tudo, aliás, por interesses e umas possam
potenciar as outras.
As relações Estado a
Estado desenvolvem-se de acordo com um quadro de prioridades que estes, os
estados, entre si, bilateralmente estabelecem.
As relações entre os
respetivos povos desenvolvem-se de acordo com uma rede pluridimensional de
interesses tanto mais vasta quanto a relação umbilical existente entre eles e
que se espraiam muito para lá das prioridades definidas pelos estados e que
estes têm tanta maior dificuldade em enquadrar quanta a proximidade entre os
seus respetivos povos.
Na minha ignorância julgo,
no entanto, e só vos peço que me corrijam se estiver equivocado, que o Estado
democrático português nunca pediu oficialmente desculpas pelo jugo que a esses
povos e ao angolano em particular, no passado os sujeitou e tal, reconheço-o, a
ter sido assim não consigo compreender.
A História é a História,
bem o sabemos, ela não pode ser reescrita mas o que teria impedido o Estado português,
democratizando-se e, logo, mudando a sua natureza e em nome da verdade
histórica e do reforço das relações bilaterais, passados já tantos anos, de o
fazer?
A consideração devida aos
ex-colonos que de um momento para o outro e com uma mão à frente e outra atrás,
o Estado português se viu obrigado a reintegrar sendo certo que sobre eles não
deveria, como poderia na altura tal acontecer (?), genericamente, ter recaído
qualquer anátema?
A consideração que Portugal deve aos seus ex-combatentes?
A consideração pelo papel
das suas Forças Armadas?
Em que é que estes, Forças
Armadas como ex-combatentes, com esse pedido de desculpas poderiam, alguma vez,
ser abalados?
Talvez que neste
particular eu esteja particularmente à vontade para escrever:
Em vésperas do 25 de Abril de 1974, por motivos
políticos, tinha sido suspenso da escola onde estudava e encontrava-me perante
o dilacerante dilema de ser alistado para a guerra colonial ou desertar.
Veio o 25 de Abril que me poupou, com a mais
feliz das oportunidades, de fazer essa dolorosíssima opção e, logo,
compulsivamente, passei à reserva territorial pelo que nunca fui alistado embora
tenha todo o respeito pelas forças armadas e pelos que por elas combateram sem
os quais uma nação não se sustenta.
Dolorosíssima opção porque
desertar e, logo, desenraizar-me, mais a mais nessas circunstâncias, teria sido
muito penoso tal como ser alistado para a guerra não o teria sido menos.
Uns e outros, combatentes
como desertores políticos tal como os exércitos, cumpriram os seus deveres em
função das suas consciências e da sua missão e a sua coragem, com um pedido de
desculpas, não me parece que pudesse, alguma vez, ser questionada.
Agora, o Estado angolano é
como é, o português tal como o é e as relações entre estados ultrapassam tudo
isso.
Reconheço ainda que entre
os meus patrícios cresce a ideia que consiste em se achar que estamos a ser
tomados pelos angolanos e nela não posso deixar de vislumbrar um certo
ressentimento, ressabiamento mesmo e isto para não dizer pior, de quem agora se
sente de mão estendida e tanto mais quanto, ironia das ironias, em relação à
potência outrora colonizada.
Os angolanos têm todo o
direito em levantar a cabeça, a enriquecerem de nos fazer inveja, a investirem
onde muito bem entenderem e desde que legitimamente e sobre eles,
genericamente, não pode prevalecer a suspeição.
É, só pode ser, um motivo
de alegria para todos nós, tanta quanto de tristeza mas não menos de
inconformismo a situação porque que Portugal
passa.
Reconheço ainda que a
salvaguarda do segredo de justiça é o que é e que, às vezes mesmo, parece uma
anedota.
Agora, tudo o que foi dito
para trás não pode obstruir a Justiça nem esta, no seu decurso, pode ser motivo
para um qualquer pedido de desculpas a terceiras partes, com que
fundamento (?) e ela tem de fazer o seu caminho independentemente dos visados
ou da própria obstrução em que a violação do segredo de justiça, quantas vezes
e objetivamente, resulta o que, em nome da separação de poderes, não
responsabiliza, diga-se, que Estado for.
Há desculpas e desculpas!
um prevaricador é um prevaricador onde quer que esteja e
onde quer que vá e ele não lança um anátema sobre qual seja o seu povo de
origem
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Outubro de 2013