segunda-feira, 2 de julho de 2012

ILUSÃO E/OU DEONTOLOGIA

da transparência ou da falta dela




o que aqui Vos deixo é tanto mais pertinente quanto, para o bem como para o mal e quer o queiramos quer não, os média tradicionais são, quais filtros a seu belo prazer reduzidos a lentes côncavas ou convexas, interposições entre nós e a vida pública ou entre nós e a vida real, transparência adulterada do tempo que faz


Intencionalmente, deixei que terminasse o europeu de futebol para, agora sim e não fosse pensar-se nalgum mau perder da minha parte, me pronunciar a esse propósito já que aquilo de que escrevo corresponde, julgo eu, a um fenómeno universal e não apenas típico deste meu torrão de terra.
Aproximadamente, durante um mês e nas televisões, com particular incidência para aquelas de sinal aberto mas não só, não se ouviu falar de outra coisa senão do Euro.
Até aqueles programas de informação geral ou talk shows habituais foram, em seu nome, condicionados ou completamente suprimidos das grelhas, em qualquer dos casos preteridos em função desse acontecimento maior de tal maneira que, a própria e tão badalada, omnipresente crise se subsumiu.
Todos esses canais alimentaram a ilusão da vitória até ao limite do possível ou do intolerável, ao sabor nacional a que as várias seleções iam sendo, progressivamente, eliminadas e até que a vitória, por fim, a uma delas lhe sorriu envolvendo os seus adeptos no clímax da ilusão que, não menos rapidamente, ela própria se subsumirá caindo, por fim, todos em si.
É certo que não existe incompatibilidade entre deontologia e espetáculo ou ilusão antes se complementam mas quando o elo entre uma e os outros se quebra …

Ilusão e deontologia.
Nestas alturas vê-se bem onde fica, a este nível, a deontologia profissional dos jornalistas ou até que ponto ela não se rende, objetivamente, à cativação de audiências.
Confesso que estar um mês sem ouvir falar de crise ou, para ser mais exato, não menos do euro, até me soube muito bem.
Envolvi-me, como nunca, na observação do campeonato mas tenho, sempre tive e não perdi o discernimento bastante para achar que o exagero atingiu o seu paroxismo.
Uma vergonha descarada é o que diria.
Será que, nesta ótica, a crise transportará, uma vez que esta, rapidamente, voltará a ocupar todas as parangonas já que, tal como a vitória, a derrota cativa, ela também, toda a morbidez das audiências, assim o pressupõem, pelo menos, os gurus destas matérias, na omnipresença que a tem caracterizado e que arrastaria consigo, tal como a vitória e explorando a suposta incredulidade geral de que partem, igual carga de ilusão na autocomiseração gémea da euforia que a caracteriza?

O Euro cumpriu-se e, com ele, a vitória que apenas a uma das seleções a contemplou, a melhor diria, é um facto e não poderia ter deixado de ser assim.
A crise do euro também existe e ela, contaminante e também por arrasto derivado da sua permanente omnipresença explorada até ao tutano, existe sobremaneira, este é outro facto e poderá deixar de ser assim?
Mas daí até vivermos, permanentemente, nesta ciclotimia que ora nos arrasta para o fundo, ora nos eleva aos píncaros, essa é uma doença que aos próprios média, explorando, intencionalmente ou não, ora a vitória, ora a derrota, ora a ventura, ora a desventura fazem, objetivamente, por trazer à tona a falta de deontologia profissional que, afinal e quantas vezes, os parece nortear.
Espetáculo ou informação, ilusão sem deontologia?
Ou, afinal, apenas crise dos média tradicionais?
De tal modo que, para sobreviverem, à deontologia parece terem de mandar, pura e simplesmente, às urtigas?

É demais, que imenso despudor!
Ao que os média, na pessoa dos seus agentes, se parecem sujeitar para preservar os seus postos de trabalho ou para, em seu próprio e exclusivo benefício, poderem sacar lucros chorudos o que vai a dar no mesmo!
Tudo por um prato de lentilhas!?
Com a gravidade acrescida de se parecerem presumir ou ter a veleidade de pressupor, perentórios e, quantas vezes, com que tamanha arrogância julgando-se intocáveis, estar a cumprir um serviço público!?
Que mais se seguirá!?
Qualquer dia, pressupondo estarem a dar uma má notícia todos nós presumiremos que ela é boa ou pressupondo-a boa de antemão saberemos que ela é má demais.
Corrijo desbastando, aparando, contendo a pulsão ciclotímica em que os média se terão tornado, não apenas peritos, mas contagiantes e ativos agentes patológicos:
Qualquer dia, não se tratando nem de derrota nem de vitória ou nem muito antes pelo contrário, todos e muito antes deles, dos média tradicionais, já teremos percebido que na derrota anunciada se aprende mais do que na vitória e que nesta, desde que não nos trepe à cabeça, se encontrará um patamar anticíclico que, quem sabe e pese toda a desinformação que por aí pulula, se poderá tornar em paradigma de verdadeira sustentabilidade que eles, os média tradicionais, como se vê, não podem nem conseguem estar à altura de cumprir, atolados na bipolaridade que os mina.


rebe béu pardais ao ninho


 

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 2 de Julho de 2012


1 comentário:

manuela baptista disse...

os media fazem e desfazem enredos

marcam inocentes
desculpabilizam criminosos

rodam e enrolam-se nos vários poderes

muito bom este texto!

mas não esqueço também todos os jornalistas que denunciam injustiças, tornam visíveis as vítimas, morrem em trabalho para informar


...e é tão bom um campeonato e esquecer a crise!!