Muitas vezes, tal como agora, quando começo a escrever não sei como o texto evoluirá e, muito menos, como se concluirá.
Inicio, assim, uma viagem com destino incerto.
Interrogo-me, então, se valerá a pena prossegui-la.
É, no entanto, sempre mais forte o impulso afirmativo que me sussurra que sim, que basta, então, seguir o murmúrio que me acompanha e ir deixando-o, paulatinamente, aqui registado até que este se extinga num texto que acabará por fazer todo o sentido.
Fá-lo-á apenas para mim?
O sussurro vai e vem …
Por vezes, o sussurrante murmúrio deixa de se fazer ouvir e, nessas alturas, não há como não força-lo.
Interrompo, assim, a minha escrita e passo a outra coisa qualquer, sempre na esperança de que o seu fluxo retome o seu curso o que, amiúde, acaba por acontecer.
Outras vezes, volto atrás e releio tudo o que até então escrevi e, tomado desse balanço, o que parecia ter-se extinguido, brota de novo em retemperado impulso.
Se passo a outra coisa qualquer, não é menos verdade que ele se fará, mais cedo ou mais tarde, de novo ouvir.
Também pode acontecer que fique com a sensação de estar a chover no molhado.
Como agora, neste preciso momento …
Nessas alturas dá-me vontade de apagar tudo o que até aqui escrevi mas resisto sempre, quase sempre a essa tentação.
Contam-se, provavelmente, pelos dedos de uma só mão as vezes em que a vontade de apagar, ao longo dos anos, terá prevalecido!
Há sempre qualquer coisa que me diz que aquilo que escrevi, escrito está, faz parte do meu percurso e que não dá para apagá-lo.
Para eliminá-lo de mim mesmo …
Como se, se o fizesse, na folha que se desdobra, à minha sombra a estivesse, qual memória do que sou, a apagar também!
E continuo, invariavelmente, a escrever.
Como se a escrita fosse parte de mim mesmo, um irrecusável e complementar, silencioso e musical prolongamento para lá das dobras que me compõem.
Quando começo a escrever pressinto que chegarei a bom porto e quando, finalmente, o vislumbro dou graças de não ter arrepiado caminho.
Dou graças de não ter apagado de mim o que, por fim, se vislumbra e sem o que, a este texto, outros não se lhe seguiriam, pelo menos nesta sequência, ato após ato quais quadros da minha vida e ainda que, aparentemente, possa parecer que sobre nada Vos tenha escrito!
No momento que transcorre, que seria de mim sem esta fiel e colada sombra que sempre me acompanha?
Num ato de resistência forço e forço o traço uma e outra vez mais ainda …
Sempre!
sob o espectro das ruínas que nos cercam
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 13 de Março de 2012
5 comentários:
Á VOSSA CONSIDERAÇÃO
Comemora-se hoje o centésimo quinquagésimo segundo aniversário do nascimento de Hugo Wolf que se deu nesta mesma data do ano de 1860.
E, já agora:
O nome deste Lied, In dem Schatten meiner Locke, significa À Sombra do meu Caracol.
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 13 de Março de 2012
"Escrito está, faz parte do percurso e esse não dá para apaga-lo."
O texto sugere-me um livro de Neruda " Confesso que vivi".
Uma história incrível de vida, profícua e pródiga.
A sua escrita poderá ser o seu desregramento, para se esquecer do Tempo ou a sua assunção.
Otto de Freising, deu o seu contributo na lenda de Preste João.
Sendo "Preste" uma corruptela do francês, ficará a dúvida; cristão, muçulmano, paisagens edénicas, Inferno ou Paraíso? O que seria das lendas sem a acção dos copistas e dos cronistas?
Foram os escritos que transportaram a humanidade até a actualidade. Respeito as letras, respeito as palavras e respeito quem as escreve.
Como se deleitariam os seus sequazes, sem os seus escritos?
Gostaria de referênciar que o que me agradou, no seu blog foi "Sem qualquer tipo de bajulação."
O início do meu caminho pelos blogs é recente e acredite, fico em desconforto com a estéril bajulação. Acho os comentários muitas vezes áridos, estúpidos e limitados.( do querido para cá e do querido para lá, um tédio) Se os autores escrevem algo com teor os comentários muitas vezes estragam o cénico.
Sem bajulação sigo-o.
pequena sombra terá o caracol
mas é capaz de atravessar uma auto estrada!
escreve-se escrevendo,
numa continuidade entre a sombra e o sol e no traço que nos torna únicos
E faz muito bem em resistir Jaime.
Como concerteza já se apercebeu também já pelo menos uma vez ou duas me apeteceu apagar tudo e parar no tempo muitas mais. Isso acontece a todos que por aqui andam vários anos, pelo que me vou apercebendo, mas apesar de tudo vamos ficando, em maior ou menor ritmo.
Acabei de dizer num outro espaço que estes são sítios nossos e devem ser sítios de liberdade, por isso os gerimos conforme nos dão mais ou menos prazer ou simplesmente nos ocupam algum tempo de lazer no interior do lar, quando a televisão de uma forma geral já não nos dá nada de muito educativo. Pode ser também uma forma de voltarmos às tertúlias, sem que tenhamos que nos sentar à mesa de um café e registar o que escrevemos e partilhá-lo fácilmente, o que noutros tempos só era possível em determinados jornais e revistas que tinham páginas dedicadas aos leitores.
No entanto eu tenho saudades desses tempos em que enviava poesias e textos e ficava ansiosamente à espera que fossem publicados e muitas vezes comentados por pessoas que tinham uma longa carreira ligada às letras e ao jornalismo. Guardo todos esses recortes e guardo daí grandes amigos.
Force pois o traço e crie a discusão saudável, porque sempre há uma troca que permanece.
Beijinhos
Branca
Jaime
Meu amigo
É este o processo de escrita. Traços que em nós se riscam, e de nós nascem, continua ou intervaladamente, mas que não podemos nem devemos apagar.
A escrita revela um percurso, como diz. E, sendo-o, vale tanto por isso, e só por isso, bastaria.
Um abraço amigo
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