domingo, 28 de outubro de 2012

INTERESSE PÚBLICO

An Almost Ephimeral Autumn by Luzinterruptus
 

 
Um jogo de futebol é o que é.
Não que não goste, eventualmente, de a um deles assistir mas ganha-se ou perde-se e tão depressa quanto se converta em euforia coletiva, no momento seguinte, logo tudo se desvanece.
Um jogo de futebol não resolve, aliás, os problemas de cada um de nós, apenas contribuindo para, momentaneamente, os esbater.
Não que, por vezes, como terapia, não possa ser o mais indicado para contrariar uma depressão coletiva em que nos afoguemos mas certo é que ele não nos resolve nada.
Se pode encher os cofres da equipa em campo, a nós, apenas nos aliena.
Um jogo de futebol tem, pois e por mais que digam o contrário, um interesse público muito relativo.
 
Um texto como este que aqui escreva terá ele algum interesse público?
Por maior ou menor que seja o número daqueles que o leiam ou por muito ou pouco que às audiências, num dado momento, as possa cativar?
Qual é a sua valia pública acrescida que um jogo de futebol não tem?
 
O jogo passa, o meu texto fica;
O jogo, como escrevi, não resolve nenhum dos problemas que nos angustiem enquanto este texto, permanecendo, da sua leitura e simultânea reflexão ao longo do tempo, porque ler implica refletir, nos pode, num como noutro sentido, predispor;
Predispor ou não a uma outra atitude que da sua leitura se possa inferir;
Outra atitude que, quem sabe, nos pode levar a encarar a nossa vida de uma outra maneira;
Sendo público, tão público quanto um jogo de futebol e mesmo se independentemente das audiências que cative o é, estando ao dispor, repercute-se, eventualmente, em quem o leia, hoje, amanhã e sempre;
Permanece.
 
Um jogo de futebol beneficia, sobretudo, os seus atores, os seus agentes diretos, não aqueles que são os seus agentes indiretos, os espectadores a não ser pelo testemunho de vida, pela biografia escrita e singular dos seus intervenientes que como exemplo podem, indiretamente, inspirá-los.
Nunca um jogo que, por maior que seja o clamor em campo, às suas quatro linhas as não ultrapassa.
Um texto como este estabelece uma relação direta entre quem o escreve, o seu autor e quem o lê, o outro autor sem o qual ele não faz o menor dos sentidos e a ambos, diretamente, os beneficia por aquilo que atrás foi dito:
O autor pela realização com que no texto que partilha se preenche;
O outro autor por nele se identificar ou, pelo menos, por das pistas que do texto transpareçam e que excedem, em muito, as quatro linhas do jogo poder, ele próprio, encontrar ou não as suas próprias pistas de reflexão;
Hoje, amanhã e como sempre, repito.
 
Um texto como aquele que aqui escreva estabelece uma relação direta, íntima com o leitor e tem, por isso, uma natureza que um jogo de futebol nunca pode ter:
Um jogo de futebol e para o que de público interessa, sendo de natureza coletiva, logo se esfuma no dia seguinte;
Um texto como este que aqui escreva, estabelecendo, quiçá, uma relação íntima a partir do público que ele não deixa de o ser, cria laços públicos de uma durabilidade que a sua intimidade com o leitor, nele fazem prevalecer.
Eu podia morrer amanhã que o meu eu, aqui plasmado, permaneceria vivo e para sempre.
O jogador também pode permanecer vivo na genialidade do seu passe ou golo de magia, é certo, mas como o seu espectador não é um jogador, o passe ou golo apenas beneficiariam, diretamente, os seus pares ou candidatos a sê-lo, isto é, tudo o que se passa entre as quatro linhas do campo em que se desenrola.
Os meus pares, porém, podendo não dominar a escrita, nela podem, para sempre, repito cansativamente uma vez mais, refletir e com ela de alguma coisa beneficiar.
Até porque quem lê e mesmo que de uma biografia de jogador de futebol se possa tratar, intimamente, interioriza.
Donde, concluo, o interesse público da escrita em muito supera aquele de um jogo que, a não ser para a própria indústria, publicamente portanto, é efémero.
Tão efémero quanto de relativo interesse público.
Assim, concluo que a escrita e mesmo se de uma biografia ou testemunho direto de um jogador se tratar, como folha perene, prevalece sobre aquela de um jogo de futebol que, rapidamente, caduca.


no efémero, o interesse público desmorona-se




Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Outubro de 2012
 
 
 
 

quinta-feira, 25 de outubro de 2012

PENSAMENTOS ( II )

 

 

POBREZA


A pobreza tem muitas faces sendo que, de todas elas, aquela que incapacita de discernir é causa de pobreza acrescida.
 

Quando não se consegue discernir, distinguir o trigo do joio, seriar hierarquicamente as diferentes dimensões da realidade ou proceder, fundamentadamente, ao contraditório, mete-se tudo no mesmo saco e o resultado é ainda mais catastrófico:
 

À pobreza material soma-se, tanto maior e estupidamente replicante, miséria intelectual.



 

JANELAS  DE  OPORTUNIDADE


Quanto mais intrincada se vai tornando uma qualquer situação mais tendo a refugiar-me em considerações genéricas, em pensamentos, isto é, a manter abertas as janelas de oportunidade ou, para dizer de outra maneira, quanto maior o sufoco mais insisto, determinado, em respirar ar puro como se me recusasse a fechar as janelas à oxigenação que, por seu intermédio, se renova.


Ao proceder, teimosamente, deste modo sem me alhear da realidade crio as condições para que a situação se desanuvie.


Empurro para cima as janelas para que, de guilhotina, elas não se venham a abater sobre mim próprio.



 

SIMPLICIDADE


Simplicidade não é o mesmo que simplismo.


Simplismo reporta-se a um vício de raciocínio que na sua linearidade e primarismo tende a desprezar elementos essenciais ao próprio raciocínio que pela sua adulteração o empobrece.
 

Simplicidade, contudo, reporta-se ao raciocínio complexo que não desprezando todos os seus elementos essenciais o reduz à sua forma mais simples.

 

O que é simples, sendo uma arte é, simultaneamente, tremendamente complexo.
 


  

PAZ


A paz começa em nós.
 

Sendo certo que para a termos primeiro nos temos de desinstalar, se à paz, num permanente e longo, penoso e perseverante exercício a não instalarmos em nós próprios, em vão a poderemos desejar para o mundo inteiro.
 

em memória de todas as vítimas dos mais variados conflitos que logo em casa, quantas vezes, como seu recetáculo se desencadeiam
 


 

SILÊNCIO
 

O silêncio é a expressão de paz interior.
 

O silêncio não é sinónimo de coisa nenhuma antes sinaliza que o ruído foi extirpado e que em nós, interiormente, ele se converteu num profundo diálogo de vozes musicais justapostas que se fazem por complementar.


O silêncio é música, harmonia que de dentro vem e no exterior se projeta.
 

aos meus alunos
 

 

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Outubro de 2012
 
 
 
 

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

PENSAMENTOS ( I )


 
 

AQUILO  QUE  DOU


aos que ao conhecimento o tomam por uma mercadoria ou moeda de troca
 

Dou-vos o que aprendi e ao fazê-lo não faço mais do que a minha obrigação e isto independentemente do preço que, por aquilo que aprendi, pela vida fora tive de pagar.
 

Dar o que aprendi é um ato desinteressado, incobrável.
 


 

ACREDITAR
 

Ao contrário da crendice e da superstição que infundem o medo no lugar da razão, acreditar é não apenas um seu antídoto como um ato de liberdade.
 


  

LIBERDADE
 

não a deixemos, abandonada, perder-se
 

Liberdade é agir não apenas condicionados por todos os ses mas, simultaneamente, mantermos abertas as janelas de oportunidade presentes e futuras que dia a dia se cultivam.


Se dia após dia, rendendo-nos aos ses, não agirmos em conformidade, a liberdade não nasce nem amadurece.
 


  

DA  TÉCNICA  E  DO  SUPLEMENTO


De alguém ligado à cultura ouvi dizer que, hoje em dia, já nem lhe apetece falar de cultura como se, implicitamente, insinuasse que só lhe apetece falar ou intervir politicamente.
 

Política é Cultura.
 

Política é o suplemento de alma que sempre prevalece sobre todos os constrangimentos tecnicistas e que a eles lhes dão prospetiva.
Quando a esses tecnicismos a Política lhes falta, as contas saem sempre furadas.


Se é verdade que a política não passa sem tecnicismos de toda a ordem, sem Política, esses mesmos tecnicismos não subsistem nem encontram, por si mesmos, sustentabilidade.
 


  

ALIMENTO
 

Se, como alimento, nos faltar o pão para a boca, a Democracia ficará gravemente comprometida mas se, tomando-as por alimento que o são, nem das palavras nos podermos sustentar, a Democracia será um caso perdido.
 

a propósito do Dia Internacional da Erradicação da Pobreza que se celebrou a 17 de Outubro passado
 

 

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Outubro de 2012
 
 
 
 

sábado, 13 de outubro de 2012

DO SISTEMA DE VASOS COMUNICANTES À PLENA CIDADANIA

( direitos x deveres )
 

 

A experiência é simples e pode ser, experimentalmente, comprovada:
Tomemos dois vasos que a meio dos seus recipientes comunicam, por um tubo, um com o outro.
Num deles, o vaso dos direitos, chamemos-lhe assim, vertamos água sempre com conta, peso e medida, moderação.
Ele encherá até à comunicação com o outro vaso sendo que aí e pelo tubo de ligação, a água deixará de encher o primeiro e verterá para o outro recipiente a que chamaremos o vaso dos deveres.
Até aqui, a água que encheu o vaso dos direitos, desde o princípio, corresponde àqueles que são os nossos direitos fundamentais e que se prendem com a nossa dignidade de cidadãos livres, isto é, com a nossa integridade como pessoas humanas, direitos esses não negociáveis e nossos desde que nascemos.
A água que, entretanto, passou a encher o vaso dos deveres, corresponde àqueles outros que pela nossa formação escolar, de vida e / ou cidadã adquirimos, a indispensável responsabilidade.
A partir do momento em que ambos os vasos estejam, igualmente, nivelados até ao tubo de interligação, a água e só a partir daí, continuando a verter pelo vaso dos direitos com moderação, enchê-los-á até ao cimo, em simultâneo, isto é, um e o outro vaso, direitos e deveres passam a crescer a par, comunicantes entre si.
A partir daí, sem o cumprimento de uns, os deveres, como exigir o cumprimento dos outros, os direitos?
Assim se adquire, progressivamente, a plena cidadania ou, pelo menos, assim ela deveria ser não apenas adquirida como devidamente reconhecida.


na atribuição paradoxal, inesperada mas oportuna do Prémio Nobel da Paz à União Europeia se exalta um povo feito de povos confundidos e em busca, inadiável, de um caminho comunicante e, por isso mesmo, solidário e comum


na exaltação da cidadania a água que não para e correr


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 13 de Outubro de 2012
 
 
 
 

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

DE UM HOMEM SÓ

o meu escudo, 1989

 

 
Há um percurso que, de tão estreito qual buraco de agulha, é para ser percorrido por um homem só.
Só mas não alheado, sentindo e vivendo o pulsar que o rodeia.
Percurso que tanto mais se impõe quanto, na globalização, a massificação se torna cada vez mais esmagadora.
Percurso, aliás, que humaniza essa mesma massificação, dando-lhe um rosto.
O que afere e dá consistência, aderência, plausibilidade e relevância, seriedade a esse percurso?
Antes de mais, a fidelidade tanto nos objetivos como nos meios utilizados que a esses objetivos os preenchendo se integrem e não colidam com o ideário democrático, reforçando-lhe, precisamente, a vertente das ideias;
Depois e como se deduz do parágrafo anterior, a fundamentação que a esse percurso o leva a ser percorrido;
Finalmente, a prova do tempo, insubstituível cadinho que à temperança do corredor de fundo que a esse percurso se dispõe, livremente, a percorrer, a caldeia.
A Democracia só será ampla e universal quando a sua vertente formal se compatibilizar com a vertente singular, o mesmo é dizer, aquela de um buraco de agulha que preenchendo os requisitos atrás referidos encontrará aí, balanceados estes dois pilares, o seu duplo alicerce que pela tensão entre ambos criada a aprofunde refundando-a no equilíbrio desse duplo escrutínio:
O escrutínio que se revê no sufrágio universal, direto e secreto e no Estado de Direito e a consistência do singular que posto à prova com o primeiro se harmoniza.
Uma coisa leva à outra.


o que não cabe num buraco de agulha nunca terá o tamanho do mundo




Jaime Latino Ferreira
Estoril 12 de Outubro de 2012
 
 
 

segunda-feira, 8 de outubro de 2012

FIRME

hoje ainda firme e direito, um meu retrato de António Correia que, uma vez mais, aqui reedito, 1985
 

 

Se na cerimónia oficial do passado dia 5 de Outubro, atabalhoada, fechada, timorata e no meio do episódio da bandeira, Ana Maria Pinto, ao cantar Firmeza de Fernando Lopes Graça, personificou a afirmação singular com toda a dignidade, até por contraste com uma outra manifestação individual de indignação que, praticamente em simultâneo, no mesmo espaço ocorreu e que quase a ofuscou ou, em prejuízo aparente da sua performance, maior realce lhe conferiu ainda, valorizando o próprio poema da canção heroica interpretada, com letra de autoria de João José Cochofel e que passo, de seguida, a citar, o que dizer, então, de quem há vinte e três anos, não para de se dignificar intervindo, numa obra original que cresce, publicamente, sem desfalecimentos?
Cito o poema:
 
" Sem frases de desânimo,
 Nem complicações de alma,
 Que o teu corpo agora fale,
 Presente e seguro do que vale.

Pedra em que a vida se alicerça,
Argamassa e nervo,
Pega-lhe como um senhor
E nunca como um servo.

Não seja o travor das lágrimas
Capaz de embargar-te a voz;
Que a boca a sorrir não mate
  Nos lábios o brado de combate. 

Olha que a vida nos acena
Para além da luta.
Canta os sonhos com que esperas,
 Que o espelho da vida nos escuta."

 
Espelho da vida.
Assim me espelho num reflexo inteiro, sem que a voz se me embargue, senhor sim e nunca servo.
Sinal dos tempos, espelho outro, aquele em que a cerimónia do 5 de Outubro, simbolicamente invertida, se acabou por transformar.
 
O que dizer, repito, deste meu firme, silencioso e ininterrupto canto que, por aqui, em socorro do aprofundamento da Democracia, se escoa?


se em política o que parece é, três pedidos de socorro para memória futura


ver, no facebook, textos conexos




Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Outubro de 2012
a rocha, o meu escudo igualmente firme e direito, 1989
 
 
 

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

HÁ VINTE E TRÊS ANOS

 
 
 
 
 
Desde que há vinte e três anos me dirigi, diretamente, às mais altas instâncias da representação política democrática em Portugal, na simbólica de todas elas à escala global, que um silêncio esmagador se instalou à minha volta.
Em resposta, porém, sempre em resposta a esse silêncio, o meu silêncio tem sido, não apenas reflexivo recusando qualquer resignação, não violento por certo, mas sempre mais e mais redistributivo.
O que aqui escrevo, sendo silencioso como a escrita o é por natureza, redistribui:
Não se rende, não se resigna, leva quem me lê, proactivamente, a pensar e persiste com toda a resiliência.
É um silêncio cheio, inconformado e assim me mantenho na convicção de que a Democracia não é, apenas, a salvaguarda dos instrumentos que garantam a sua representatividade formal mas, também, aquilo que resulta do livre contraditório que se explane, desenvolva e demonstre.
É também uma atitude que permanece e que às instâncias democráticas lhes conferem todo o benefício e pese embora o silêncio e a aparente indiferença que se obtenha como resposta.
 
Há vinte e três anos.
Quem aguentaria tanto tempo sem partir a loiça, não exercendo, por isso mesmo, a violência verbal ou física, sendo que, muito pelo contrário, ao benefício o reforço neste meu silêncio tão intensamente preenchido.
Tanto mais quanto, é bom de ver, a situação crítica que se abate, implacável, contra eleitores, contribuintes e cidadãos livres que o são cada vez menos.
E tanto e tanto mais ainda quanto, como eu, gozo, ironia das coisas, desde há tantos ou mais vinte e três anos, de uma situação profissional sempre mais e mais precária.
Não foi por acaso que escrevi o meu texto anterior, Um Esmagador Silêncio, ele espelha, certamente, a minha situação que, no entanto, se preenche de uma obra que cresce sem parar e que vai buscar a sua sustentabilidade à música que sempre a acompanha.
A música das palavras é a expressão livre do meu silêncio.
 
A Democracia é a nossa maior riqueza mas ela ou se aprofunda ou está condenada, na melhor das hipóteses, a tornar-se numa farsa.
Aprofundar-se significa desenvolver o livre contraditório longe da pressão ou das demagogias mediáticas ou eleitoralistas:
Escrevo sempre na esperança de uma resposta mas sendo a resposta o silêncio, refiro-me ao silêncio dessas mais altas instâncias que referi, o meu silêncio, como resposta, preenche-se, teimosamente e por cada texto que escrevo, cada vez mais.
Preenche-se cada vez mais e sempre na tentativa de ao silêncio que recebo como resposta, o interpretar, positivamente, de volta.
Na tentativa de o contrariar, fundamentando-o e salvaguardando o benefício que a elas, a essas instâncias, porque a elas não há alternativa democrática, lhes estou sempre pronto a conceder.
E pese como pesa, embora, tudo!
Não vejo, confesso-Vos, como se possa viver senão em Democracia e ela vai estando cada vez mais sitiada e comprometida.
Fragilizada por consequência.
E no dia em que à palavra a deixarmos de poder ter, livremente, como pão para a boca …
Aí morreremos triplamente:
Morreremos porque a morte é o destino mais democrático que a todos, por igual, nos espera;
Morreremos à míngua de pão, o pão nosso de cada dia;
E morreremos porque sem o exercício livre e aprofundado da palavra, deixaremos de ter, livremente, a capacidade de nos reinventar.


neste 5 de Outubro o meu é, seguramente, um esmagador silêncio




Jaime Latino Ferreira
Estoril, 5 de Outubro de 2012
 
 
 

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

UM SILÊNCIO ESMAGADOR

 



O ambiente anda crispado, os nervos estão à flor da pele.
Falta um sentido que justifique todos os sacrifícios que a austeridade impõe, equidade que deles transpareça e, sobremaneira, esperança.
O povo sai à rua em crescente clamor e o governo, invetivado, parece cada vez mais sitiado.
Anuncia-se para hoje um novo pacote de austeridade, antes do próximo e do que se lhe seguirá, e de outro mais e mais ainda.
Até quando e por quanto mais tempo, com que possível civilidade, o povo, resiliente, resistirá?
 
No meio disto tudo e no mural do meu facebook não paro, entretanto, de refletir e a reflexão conduz-me, por vezes, quantas vezes, a situações que a mim próprio me surpreendem.
Calculem que me pus a advogar e, logo, a fundamentar uma esmagadora manifestação pública mergulhada num não menos esmagador, retumbante silêncio.
Não como em tempos uma outra houve, de uma suposta maioria silenciosa e apolítica, mas uma manifestação mergulhada num silêncio comprometido, musical mesmo e que de tão silenciosa se tornasse profundamente ensurdecedora sem deixar de cumprir todos os trâmites da civilidade sem mácula.
Uma manifestação pejada de tarjetas de conteúdos como os que se seguem:

 
o silêncio é mais
o silêncio cria mais
o silêncio junta mais
 o silêncio mobiliza mais
 o silêncio traz mais
 o silêncio faz mais
 o silêncio diz mais
não violento, o silêncio é-o ainda mais

 
Uma manifestação no estrito comprometimento com a não-violência e, logo, com a Democracia.
 
A violência verbal é meio caminho andado para a violência física e ambas não conduzem a parte alguma ou melhor, mais depressa poderão concorrer para não chegarmos a parte nenhuma.
Poderemos, que o estamos, estar a ser sujeitos a uma enorme violência mas somada essa violência à violência verbal ou física como resposta, entra-se numa espiral recriminatória sem mais ter fim e no fim todos estaremos muito piores do que já estamos hoje.
Agora o silêncio, o silêncio musical, a sublimação do que nos vai na alma excedendo-nos pela positiva, que impacto não poderia ter e tanto maior quanto ainda mais esmagadora do que todas as que a precederam, a manifestação o fosse?
Quando falo de impacto, falo não apenas do impacto à escala doméstica que ela poderia ter mas, sobretudo, do impacto no exterior e, ainda mais, se no exterior, por múltiplas, replicada o fosse.
Que repercussões em cadeia e entre os decisores políticos, em particular, ela(s) teria(m) sabendo nós de quão sensíveis ao peso da opinião pública o são e tanto mais quanto realizada(s) com toda a dignidade e sem réstia de agressividade!?
Procura-se desesperadamente uma saída e aqui está uma com potencial que de tão ruidoso sem o ser, se pode tornar esmagador já que, sendo o silêncio musical porque não há música sem silêncio, dela ele já é portador de esperança.


soberano, o silêncio diz tudo e muito mais
 

 

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 3 de Outubro de 2012