intencionalmente sem ilustração
O patriarca, o filho e o
iconoclasta, tendo sido por Ele chamados, reuniram-se perante Deus.
Um, muito antigo,
conhecido pelas suas tábuas, não menos pela sua iconoclastia e pelos outros
dois venerado.
O outro, mais jovem,
associado à cruz e filiado no primeiro.
Finalmente, o terceiro,
ainda mais jovem, filiado nos dois primeiros e que, de tão iconoclasta a Deus,
sim, como representá-lo, se associava diretamente.
Do mais antigo ao mais
jovem, todos eles eram, porém, de tão antigos, de hoje e de sempre.
Deus virou-se para eles, força
de expressão já que não se poderia virar pois se não era figura ou dificilmente
representável, e disse-lhes:
Digam de mim o que
quiserem, eu estou aqui, estarei sempre aqui e estou acima de todas as coisas.
Bem podem voltar a cruz contra o crescente, o contrário ou ambos contra a
estrela de seis pontas, todos a favor, contra ou fazendo chacota de mim que eu,
sendo incomensurável, tão incomensurável que todos os vossos me adoram ou
odeiam nessa permanente dificuldade de encontrarem o justo equilíbrio, estou
acima dessas questiúnculas e se alguma coisa me abala e condói é que os vossos
se acirrem uns contra os outros, em meu nome, contra mim e até à morte, se for
preciso. Confesso-vos, é como se os vossos me extirpassem, me arrancassem aos
bocados de mim contra mim próprio com a agravante de, não sendo carne ou
matéria, bocado ou figura muito menos, me sentir nessa condição, não inteiro de
mim mesmo mas mutilado, trucidado, esquartejado em farrapos ou pixéis com os
quais os vossos persistissem em agredir-se e não menos a mim.
Os três, boquiabertos,
ficaram, tanto quanto o imaginável, pasmados a olhar para Ele.
Disse o primeiro:
Mas, como é possível se em
teu nome anunciei e preparei o caminho para a vinda dos outros dois!?
Disse o segundo:
Eu que me declarei teu
filho e que anunciei em ti estar irmanada a Humanidade, que responsabilidade
poderei ter nisso tudo!?
Disse, por fim, o
terceiro:
Como é que tudo isso
acontece se aos meus dois antepassados os tenho como profetas de Ti e de mim
mesmo também!?
E fez-se silêncio.
Deus, então, continuou:
É como dizeis, voltai para
junto dos vossos e já que nós todos aqui reunidos pouco mais podemos fazer
sobre o que quer que digam ou façam a nosso respeito, se se rirem de nós,
riamos com maior estrondo e fair play
já que a autoironia é sacrossanta; se de nós disserem mal, não é a liberdade de
expressão que nos faz maiores ainda e pela qual, hoje como sempre, os vossos,
de todos vós, se continuam a bater, pois então, não estejamos prontos a atiçar
a fogueira ou a dar parte fraca e tenhamos poder de encaixe suficiente, que o
temos, que à maledicência a suplante; se, porém, de nós se aprestarem a dizer o
melhor, cuidado não nos vão erguer, prontamente, uma estátua, caricatura sintomática
da ideia que de nós possam fazer. Neste último caso e da imagem que de nós
façam, aprimoremo-nos, abstraiamo-nos ainda mais. Se não tenho imagem, deixai,
de mim ou de vós próprios, os outros fazerem as imagens que entenderem. É que,
ponderai bem, se a não temos a todas as imagens as aglutinamos e por muito que
as integremos tudo o mais, de nós mesmos, fica sempre por dizer. É exatamente
por isso que somos grandes, infinitamente grandes e pequenos, não dimensionáveis.
Eu, pelo menos, é assim que entendo a metáfora do olho por olho, dente por dente, violenta e negativa na aparência
mas pacificadora e positiva que aqui, desta forma e como acabei de vos dizer se
aplica e traduz!
E fazendo um esforço adicional,
maneira de dizer, por fim, Deus rematou:
Nenhum dos vossos,
limitados ou imagéticos que o são, seja através dos símbolos, a estrela, a cruz
ou o crescente ou através dos Textos e logo dos signos que os corporizam, podem
evitar aquilo que, na ânsia de me representarem, na sua essência, símbolos como
signos, repito, o são: eles mesmos imagens, estradas de múltiplos sentidos, com
os quais todos podem dizer tudo e o seu contrário. O tudo e o nada sendo que
nós muito para lá desses conceitos visíveis, indispensáveis auxiliares que dos
vossos o são, de facto, estamos.
a gestão de Deus é bem mais complicada do que à primeira
vista, vista não porque não se vê, poderá parecer como os tempos que
correm e que no passado correram o ilustram à saciedade
aqui e agora, enquanto esta permanecer como primeira página, intencionalmente,
também sem ilustração musical
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 22 de Setembro de 2012
2 comentários:
Jaime
E para acreditar e ter fé é necessário ler livros, escrever o que sentimos, interrogar a cada passo?
Sim, é necessário para os outros,
não para nós, ou para mim.
Eu creio e tanto necessito de auxílio e apenas peço :
"Vem Senhor do Universo e dá-me o mundo que acabei de perder".
Muito belo seu texto!
Maria Luísa
a gestão de Deus e do bom senso,
um porque não se pode representar, o outro porque é único, mais um outro que ainda está para chegar
na verdade tudo é um símbolo, até as letras de cada alfabeto seja ele qual for
o fundamentalismo corroi qualquer ideia de Deus, qualquer projeto de ecumenismo, é isso
Enviar um comentário