sábado, 22 de setembro de 2012

DEUS E OS SEUS



intencionalmente sem ilustração

 

O patriarca, o filho e o iconoclasta, tendo sido por Ele chamados, reuniram-se perante Deus.
Um, muito antigo, conhecido pelas suas tábuas, não menos pela sua iconoclastia e pelos outros dois venerado.
O outro, mais jovem, associado à cruz e filiado no primeiro.
Finalmente, o terceiro, ainda mais jovem, filiado nos dois primeiros e que, de tão iconoclasta a Deus, sim, como representá-lo, se associava diretamente.
Do mais antigo ao mais jovem, todos eles eram, porém, de tão antigos, de hoje e de sempre.
Deus virou-se para eles, força de expressão já que não se poderia virar pois se não era figura ou dificilmente representável, e disse-lhes:
Digam de mim o que quiserem, eu estou aqui, estarei sempre aqui e estou acima de todas as coisas. Bem podem voltar a cruz contra o crescente, o contrário ou ambos contra a estrela de seis pontas, todos a favor, contra ou fazendo chacota de mim que eu, sendo incomensurável, tão incomensurável que todos os vossos me adoram ou odeiam nessa permanente dificuldade de encontrarem o justo equilíbrio, estou acima dessas questiúnculas e se alguma coisa me abala e condói é que os vossos se acirrem uns contra os outros, em meu nome, contra mim e até à morte, se for preciso. Confesso-vos, é como se os vossos me extirpassem, me arrancassem aos bocados de mim contra mim próprio com a agravante de, não sendo carne ou matéria, bocado ou figura muito menos, me sentir nessa condição, não inteiro de mim mesmo mas mutilado, trucidado, esquartejado em farrapos ou pixéis com os quais os vossos persistissem em agredir-se e não menos a mim.
Os três, boquiabertos, ficaram, tanto quanto o imaginável, pasmados a olhar para Ele.
Disse o primeiro:
Mas, como é possível se em teu nome anunciei e preparei o caminho para a vinda dos outros dois!?
Disse o segundo:
Eu que me declarei teu filho e que anunciei em ti estar irmanada a Humanidade, que responsabilidade poderei ter nisso tudo!?
Disse, por fim, o terceiro:
Como é que tudo isso acontece se aos meus dois antepassados os tenho como profetas de Ti e de mim mesmo também!?
E fez-se silêncio.
Deus, então, continuou:
É como dizeis, voltai para junto dos vossos e já que nós todos aqui reunidos pouco mais podemos fazer sobre o que quer que digam ou façam a nosso respeito, se se rirem de nós, riamos com maior estrondo e fair play já que a autoironia é sacrossanta; se de nós disserem mal, não é a liberdade de expressão que nos faz maiores ainda e pela qual, hoje como sempre, os vossos, de todos vós, se continuam a bater, pois então, não estejamos prontos a atiçar a fogueira ou a dar parte fraca e tenhamos poder de encaixe suficiente, que o temos, que à maledicência a suplante; se, porém, de nós se aprestarem a dizer o melhor, cuidado não nos vão erguer, prontamente, uma estátua, caricatura sintomática da ideia que de nós possam fazer. Neste último caso e da imagem que de nós façam, aprimoremo-nos, abstraiamo-nos ainda mais. Se não tenho imagem, deixai, de mim ou de vós próprios, os outros fazerem as imagens que entenderem. É que, ponderai bem, se a não temos a todas as imagens as aglutinamos e por muito que as integremos tudo o mais, de nós mesmos, fica sempre por dizer. É exatamente por isso que somos grandes, infinitamente grandes e pequenos, não dimensionáveis. Eu, pelo menos, é assim que entendo a metáfora do olho por olho, dente por dente, violenta e negativa na aparência mas pacificadora e positiva que aqui, desta forma e como acabei de vos dizer se aplica e traduz!
E fazendo um esforço adicional, maneira de dizer, por fim, Deus rematou:
Nenhum dos vossos, limitados ou imagéticos que o são, seja através dos símbolos, a estrela, a cruz ou o crescente ou através dos Textos e logo dos signos que os corporizam, podem evitar aquilo que, na ânsia de me representarem, na sua essência, símbolos como signos, repito, o são: eles mesmos imagens, estradas de múltiplos sentidos, com os quais todos podem dizer tudo e o seu contrário. O tudo e o nada sendo que nós muito para lá desses conceitos visíveis, indispensáveis auxiliares que dos vossos o são, de facto, estamos.


a gestão de Deus é bem mais complicada do que à primeira vista, vista não porque não se vê, poderá parecer como os tempos que correm e que no passado correram o ilustram à saciedade
 

aqui e agora, enquanto esta permanecer como primeira página, intencionalmente, também sem ilustração musical
 

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 22 de Setembro de 2012
 
 
 

2 comentários:

Maria Luisa Adães disse...

Jaime

E para acreditar e ter fé é necessário ler livros, escrever o que sentimos, interrogar a cada passo?
Sim, é necessário para os outros,
não para nós, ou para mim.

Eu creio e tanto necessito de auxílio e apenas peço :

"Vem Senhor do Universo e dá-me o mundo que acabei de perder".

Muito belo seu texto!

Maria Luísa

manuela baptista disse...

a gestão de Deus e do bom senso,

um porque não se pode representar, o outro porque é único, mais um outro que ainda está para chegar

na verdade tudo é um símbolo, até as letras de cada alfabeto seja ele qual for

o fundamentalismo corroi qualquer ideia de Deus, qualquer projeto de ecumenismo, é isso