Picasso, Nu, Feuilles Vertes et Buste
Há um perfil secreto no
que escrevo que se vai dando a conhecer.
Aqui estou eu, aquele que
te escreve, tu que me lês, o mais variado e indefinível tu que o possas ser e o meu alter-ego, nu de mim mesmo, outro eu
que pelos contornos do que escrevo se vai, no que pinto ou rabisco,
materializando.
Três em um, eis o secreto
naquilo que escrevo e que lhe confere dimensão.
Não que o queira secreto
mas porque, como num esboço, é pelo sombreado do que escrevo que se vão
realçando os seus contornos.
Escrevo como poderia
pintar na certeza de que o nu, esse paradigmático modelo, é a mais escondida,
difícil de todas as verdades esboçáveis.
Do sombreado à luz.
Da matéria negra ao
material percetível.
Do que não se vê ao que,
sendo visível, é-o porque se sente e ouve.
Fantasia.
A minha escrita é uma
fantasia real.
Tão real quanto a escrita
o permite ser.
Cinge-se ela a um relato,
dia após dia, num olhar próprio, despido, o meu.
Focado para lá de todos os
circunstancialismos.
Nesse para lá, o perfil do
que, encoberto, pelo esboço se vai revelando.
Descobrindo.
Como se, para lá de mim
mesmo, falasse, me correspondesse, por tua via, minha incontornável sombra,
comigo próprio.
Sempre tendo em conta que
tu, aquele indefinível tu que me lê,
está presente.
Esse tu tão real quanto eu
o sou.
O indefinível tu.
Não te consigo definir.
És tantos tus quantos aqueles que me leem.
Que me sombreiam
definindo-me.
Desses tus, em interação comigo e com o meu alter-ego, esse confiável eu,
dos sombreados sua sombra, contornos em que vos pinto, descobrindo se vai
desnudando.
Nos espaçamentos que
sobram ao que te escrevo.
Alter-ego.
Espaçamentos do que vou
escrevendo.
O que, cingido ao que
escrito está, se desprende e a que o seu sombreado vai dando forma.
Busto de um despido nu de
mim mesmo.
Ao secreto nu, por mais
que o revele, sempre, em mim e no entanto, tímido se esconde.
Diáfano, compacto de
translúcida claridade, como a verdade o é.
sobre a nudez forte da verdade, o manto diáfano da
fantasia
( de A Relíquia, Eça de Queirós
)
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 10 de Agosto de 2012
2 comentários:
Jaime,
Aqui está o meu TU neste diálogo psicológico tão profundamente dissecado, a que não nos falta a acção do subconsciente...
Parabéns.
Beijinhos
Branca
Da escrita, do autor, do leitor.
E da interação que promove e possibilita o ato da comunicação através da arte.
Lídia
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