sábado, 30 de outubro de 2010

CASULO

casulo de borboleta
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Quanto mais por fora é negro
mais luminoso por dentro
o que vejo do casulo
impulso do meu cata-vento
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No lugar em que me enfrento
está o espaço em que me centro
qual firmamento estrelado
do céu um simples bocado
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Chovam vozes em chorado
empardecendo o toucado
orlado deste meu fado
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Pois mais ele espanta o finado
brilhante a luz do brocado
que irradia deste estrado
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no enxota-enxota de responsabilidades indignificante mas que mais me alumia
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The Royal Wind Music
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Outubro de 2010

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

POR DENTRO

Por dentro me sinto mar
música no seu altear
reflexo de porte baixo
o que se diz sem pensar
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O pensamento o unguento
perfume que a faz soar
no lugar em que me enfaixo
sem querer dele regressar
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Não paraliso um momento
no acorde que quero dar
a cantar me reinvento
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Saiba eu onde me encaixo
assim soprará o vento
em ondas que sei dançar
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intencionalmente, nesta como nas páginas anteriores, num tempo em que no espaço público mais espaço parece não sobrar senão para aquele das contas do deve e do haver
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 29 de Outubro de 2010

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

MEDO DE PENSAR

Há quem instado, aproveitando-se de interpostos palcos e resolvendo lançar soundbites, julgando, com eles, estar a pôr um ponto final no assunto ou a fazer boa figura, do alto do seu convencimento, afirme:
Pensar demais ... paralisa!
Com tais bitates assim revolvendo o charco, ao contrário de nos sentirmos paralisados, quiçá, estritamente pelo medo, paralisamos sim mas chocados pelo medo latente de pensar.
Como será possível fazer uma tal afirmação julgando com ela poder passar-se incólume ou fazer-se um vistaço e tanto mais quanto maiores forem as responsabilidades de quem a produz!?
Pensar demais paralisa!?
Como é possível produzir-se uma tal bojarda!?
O que é isso de pensar demais!?
Deve o pensamento ter limites!?
Poderá o pensamento, alguma vez, cingir-se a uma mensagem que se quer telegráfica e rotunda, sem que desencadeie réplicas de pensamento sucessivas!?
Pensar demais paralisa ...!
Como é possível!?
De um pensamento a outro e a outro mais, encadeados, palavra após palavra, de um a outro período e de página após página cheguei eu até aqui e não me sinto, minimamente, paralisado!

Este tipo de sentenças, por mais irrelevantes que possam parecer, quando emergem trazem à tona, larvar, o subterrâneo que a elas lhes subjaz e que ajudarão a explicar o ponto a que se chegou ...
Paralisado fica quem tem medo de pensar e os resultados ... saltam à vista!
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do que se diz mas que melhor seria calar
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Courante la Boivinette
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Outubro de 2010

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

LEVANTE

Ai tu outro eu arrepiante
que me empurras sempre para diante
julgando que me poderias aturdir
fazeres-me desertar do meu sentir
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De tudo o que faço por investir
escrever fazer por ver sem me iludir
julgaras tu parares-me de ir avante
em prosa ou na poética do levante
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Não tens força maior nem és possante
para aquilo que aqui deixo e está para vir
nem me interrompes assim e de rompante
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O medo que me rodeia faz-me rir
é cerco que medeia o que adiante
o desmorona e faz-me prosseguir
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Brisa
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 27 de Outubro de 2010

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

O CHORO E O MEDO

Fotografia de Jaime Latino Ferreira, trabalhada como pintura livre a partir de escultura de Francisco Simões, O Que Temes (?), Julho de 2010
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Há momentos, fugazes momentos, em que um arrepio gelado me percorre de alto a baixo.
Um choro lancinante emudece, então, multicolor em espectro frio a minha voz!
Que tenho eu estado para aqui a fazer!?
Que disparate pegado, interrogo-me para logo concluir que já é tarde, tarde para mudar ou arrepiar caminho ...!
No choro que assim me emudece a voz, sou assaltado pelo medo.
Um medo adunco quase pânico mas contaminado de auto-controle.
Tudo se passa em fracções ínfimas de tempo que não chegam para me abalar a verbe, muito antes pelo contrário!
E logo me recomponho ...
Não Jaime, não ensandeceste, talvez mesmo seja esse o melhor sinal de que manténs a noção da razoabilidade que te fez chegar até aqui.
Como, como poderias ter perdido o pé no que, qual fiel testemunho não páras de escrever!?
O medo ...
Sendo esse arrepio o medo, ele é, simultaneamente, barómetro que me mantém lúcido.
Lúcido e presente mesmo se, por breves momentos, emudecido por um choro lancinante e dificilmente traduzível por palavras.
Dir-me-íam, então, que nunca é tarde para arrepiar caminho e desbravar outros mais ...
Mas como, como perante este rastro que vou deixando!?
E que ainda hoje me faz vibrar e desde o primeiro escrito que produzi, como se ao arrepio gelado se contrapusesse um outro choro, o choro de um canto afectuoso, aconchegante e morno que não pára de brotar decidido de uma nascente ávida de mar.
Não, não o temo e não o temendo ao medo, pinto esculpindo sequioso o que aqui, de página para página se vai erguendo!
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a propósito do que vem de trás e de uma conversa sobre o medo
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original da fotografia da escultura de Francisco Simões
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Outubro de 2010

domingo, 24 de outubro de 2010

DAR FAZENDO

Fotografia trabalhada de Jaime Latino Ferreira, Escultura de Francisco Simões, Não chores, Julho de 2010
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Pela escrita dou aquilo que faço.
Aquilo que escrevendo faço, fazendo por corresponder ao que na vida real também faço por fazer.
Há, dir-me-ão e no entanto, uma diferença entre o que escrevo e o que faço!
Haverá ...?
Só se for porque o que escrevo seja a súmula daquilo que faço ...!
Vejamos:
Súmula ou resumo feito com clareza e precisão, epítome ou sinopse doutrinal, consubstanciação de uma obra, união de dois corpos, o que sou e o que faço, na mesma substância, a escrita e com a qual nas suas ideias me identifico, a forma que dou àquilo que sendo, faço ...
E vice-versa:
O que na minha Obra se consubstancia naquilo que faço por fazer ...
E, em ambos os casos, sublimação daquilo que sou!
Sou o que sou e o que de mim próprio pela escrita sublimo:
Purifico ou expurgo, volatilizo quimicamente, faço por exaltar ou engrandecer!
O que sou e não sou embora querendo e pela escrita fazendo por ser ...!
Música ...
Projecção.
Projecção sublimada nos dois sentidos porque do que faço logo pela escrita o faço, escrevendo e porque esta, também, logo pelo que escrevo a mim me obriga neste interminável compromisso que se verte no que escrevo.
E nesse processo, da fonte para a foz e desta para a fonte, numa dinâmica contínua e permanente, o poder, Política que dele emana.
O que se subentende.
Do que dando se escreve, fazendo e que dando, pelo que se faz, se escreve.
Se adianta chorar e quando choro, escrevo fazendo por cantar.
Canto é o que faço quando escrevo!
Interminável é o meu choro ...
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Sublimação da Voz
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 24 de Outubro de 2010

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

ONDE RESIDE O PODER

Fotografia de Jaime Latino Ferreira, Poder, 2010
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O poder reside no que se consiga fazer a partir daquilo que se tenha ...
... do muito, pouco ou nada que se tenha!
Eu posso ter todo o poder do mundo mas se a ele lhe não conseguir acrescentar qualquer coisa de positivo, de que me servirá ele?
Eu posso não ter nada ou muito pouco mas se ao nada ou muito pouco que tenha acrescentar qualquer coisa de positivo, que margem de poder, ao pouco, residual que tenha, lhe não conseguirei acrescentar?
Eu posso ter todo o poder do mundo mas se com ele me limitar a frustrar expectativas, de que me servirá ele?
Eu posso não ter nenhum ou muito pouco poder mas se com o pouco ou nada que tenho contribuir para abrir janelas de oportunidade?
Poder é poder dar fazendo, cumprir com as promessas feitas ou não as fazer de todo num discurso com verdade que, ainda que apelando aos sacrifícios ou à austeridade crie, no entanto, janelas de oportunidade e tanto maior é o poder que se tenha quanto do muito, pouco ou nada, pela criatividade, se consiga, no que por seu intermédio pelo exemplo se dá, fazer erguer!
Abrir como sinal de esperança ...!
O verdadeiro poder, sendo residual, residindo naquilo que sobra, é de matéria não quantificável e a ele se chama, isso sim e com toda a propriedade, Política.
Política com letra maiúscula ...
A Política da política!
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a propósito de
Do Que Se Trata
I, II e III que acabei de editar nas páginas anteriores
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Galhardia
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 22 de Outubro de 2010

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

DO QUE SE TRATA - III -

Jaime Latino Ferreira, Pormenor , trabalho sobre fotografia, Outubro de 2010
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Do que se trata?
Do que se trata é de termos de tomar grandes e inadiáveis decisões e por muito que aos outros lhes possam parecer estranhas, ridículas ou irrisórias!
Um Paradigma esgotou e outro se ergue, paulatinamente, dia após dia, impositivo aos nossos olhos.
Estou aqui, há muito limitado pelo meu orçamento e reduzido aos meios que diante do meu monitor me permitem colocar como frente a uma tela em branco, virgem e que poderei ou não transformar com os parcos recursos de que disponho e na originalidade que me caracteriza, projectando-me ao mundo.
O mundo possível ...!
Como se tudo o que me sobrasse fosse uma fotografia estragada e dela tivesse de fazer a obra que me faltava, aquela que me permitisse ilustrar este texto e que o acaba por justificar, sem outros recursos de que socorrer-me:
Sem ter telas propriamente ditas, tintas ou pincéis, máquina fotográfica ou materiais em arquivo, tão pouco, apenas esta fotografia que Vos referi!
Fotografia estragada, insucedida ...
E, nessas circunstâncias, em vez de me lamentar e dizer ai, se eu tivesse ao meu dispor estes ou aqueles meios, aí poderia, então sim, fazer isto ou aquilo, realizar-me, antes partir, exactamente, dos meios e dos materiais, parcos e virtuais materiais de que disponho e deles potenciá-los ao máximo em mais uma criação, página que Vos quisesse legar como se ela fosse a última, a única com a qual me recriasse.
Ter um computador, admito, já não é nada mau ...!
Sobrar-me apenas uma fotografia estragada como motivo de ilustração ...!?
E nela encontrar aquele pequeno pormenor susceptível de, pelo meu olhar, angular, ser transformado ao ponto de se tornar em pintura abstracta que ao texto, justificando-o, o acaba por ilustrar!?
Que me dizeis!?
Fotografia estragada ...!
Sê-la-á!?
Ou de como ela se pode transformar em possível obra de arte.
Do que se trata mesmo é de a partir do quase nada, do pouco, daquilo que se tenha ... tirar partido, potenciá-lo e conseguir o máximo ao alcance, sabendo dar-lhe a volta!
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a propósito de uma fotografia estragada de Manuela Baptista na qual lhe encontrei e trabalhei um pequeno pormenor que resultou na ilustração que encabeça esta página
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Byrd
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Outubro de 2010

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

DO QUE SE TRATA - II -

Fotografia de Jaime Latino Ferreira, Saturação, Setembro de 2010
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Sou eu o pano de fundo
dos filtros que se interpõem
gritos que dou ao mundo
neste esgar
quase infecundo
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Já não dá mais para estar
muito mais ter sem querer dar
ou me quererem cavalgar
quando já me falta o ar
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Crises que se sucedem
que te atingem e muito fedem
pois que não chegam elas
para contar minhas sequelas
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Ao pano de fundo
mirrado
não queiras olhá-lo de lado
fingindo que aqui não estou
sendo eu o teu sobrado
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Se destes sinais tu concluis
ser passageiro este fado
melhor seria o que intuis
por não me quereres ver torrado
-
Ao pano de fundo
gripado
olha-o de frente coitado
não queiras vê-lo gelado
rubicundo ou mal amado
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no sublinhar do grito do Mundo que as crises anunciam
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O que é mais forte
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Outubro de 2010

DO QUE SE TRATA - I -

Fotografia de Jaime Latino Ferreira, Para Lá, Setembro de 2010
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Do que se trata?
Trata-se de mudar de vida!
Aqui como onde quer que seja ...
Há muitos anos atrás e coincidindo com a queda dos muros, na viragem do ano de 1988 para 1989, coincidindo com o desabar dos meus próprios muros e confrontando-me comigo mesmo, vi-me forçado a fazer opções, radicais opções na minha vida.
Pus-me a contra-corrente e em contra-ciclo!
Entre ter cada vez mais ou, pelo contrário, prescindir para mais ser, optei pela segunda via ...
É claro que para se ser, alguma coisa se tem de ter.
Não o nego nem o escamoteio!
Escrevia, aliás, em
Coragem Para Dizer e a concluir esse texto que " ( ... ) Tenha-se o básico, todos temos direito a ele (!) e é nos limites do insignificante nada em movimento que somos que se vê quem, de facto, É! "
O tempo deu uma guinada e cresceu em tudo o que tinha, insuspeitadamente, para dar ...!
O que então vi para lá dos horizontes conhecidos, contornos de um sonho que não me escusei a abraçar!
Há quantos anos já ...!
E comecei a escrever, prescindindo do supérfluo:
Viagens, artigos de consumo, empregos ou outras situações no confronto com as quais sentia ferida a minha dignidade;
Fui olhado de soslaio, deram-me por doido e amizades houve que deixei em banho maria;
Não mais parei, porém, de escrever, não para a gaveta mas para destinatários concretos e em consonância com a minha própria praxis, em círculos concêntricos crescentes até aqui chegar.
Numa Obra que vai, ela também, crescendo e desdobrando-se sobre si mesma.
E, não menos importante, na primeira pessoa por interpostos fragmentos escritos.
Paulatinamente, uns a seguir aos outros e na abordagem transversal de uma infinidade de assuntos, temas e temáticas interligados pelo fio da oportunidade com que me vou deparando e da poética, na música que as palavras em si mesmas contêm.
Fazendo sempre por elevar o nível da conversa e os próprios destinatários com que me vou cruzando e a quem não regateio as atenções devidas.
Até onde, até quando ...!?
Assim prossigo, eu, em nome próprio e na possível relação directa com o meu leitor!
E tu que me lês, como me vês, percebes, entendes?
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Se o amor e a justiça se unirem
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 18 de Outubro de 2010

sábado, 16 de outubro de 2010

A FALÊNCIA DO ELEITORALISMO

Que não se confunda sufrágio universal, a ferramenta eleitoral que à política a coloca, imprescindivelmente, sob escrutínio popular com eleitoralismo.
Posta esta ressalva, nunca é demais frisá-lo (!), importa mais do que nunca dizer que se esgotaram irremediavelmente os critérios que têm presidido à lógica que às forças políticas dos arcos governamentais lhes têm permitido o exercício alternado do poder fazendo orbitrar à sua volta e por mimetismo, todas as outras.
Não há mais lugar para a demagogia, isto é, para o eleitoralismo:
Não há mais lugar para promessas vãs, susceptíveis de aliciar eleitorado, sem medir as suas reais consequências;
Não há mais lugar para estratégias míopes, de curto prazo, tendo em vista, exclusivamente, o exercício do poder a troco de coisa nenhuma;
Não há mais lugar para acusações recíprocas ou estratégias, melhor diria, estratagemas de Pilatos, lavando daí as suas mãos e acusando os contendores das responsabilidades, afinal, por todos partilhadas e que cegas vingam há muito tempo, que ajudam e de que maneira, a explicar o ponto a que se chegou na factura inadiável que finalmente se apresenta, coerciva, à cobrança;
Não há mais lugar para a engorda de clientelas, ávidas de cada vez mais, no império da cunha que vise satisfazê-las sem limites nem pudor à vista.
Demagogia ...!
As forças políticas acusam-se umas às outras de demagogia quando todas têm as mãos sujas e enormes responsabilidades partilhadas na situação a que se chegou!
Sobra apenas lugar para o exercício despojado, autocrítico, olhos nos olhos, da Política, sim, porque só esse exercício é merecedor de maiúscula, não se compadecendo, tão pouco, com imediatismos mediáticos e não me venham falar de coragem pois que ela Vos falta desde há muito e só porque o paradigma se esgotou, sem apelo nem agravo e tarde e a más horas Vos lembrais, finalmente, que já não há volta a dar-lhe!
Afinal, é da Vossa própria embora necessária sobrevivência que se trata!
Cuidai-Vos e ponderai bem ...!

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Flat minor
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 17 de Outubro de 2010

INQUIETAÇÃO

Fotografia de Jaime Latino Ferreira, Inquietação, Setembro de 2010
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Há alturas em que nada mais sei o que escrever.
Como se me afogasse no meu superavit ...!
Mar agitado.
Alturas em que questiono tudo o que até aqui fiz, escrevi, sim porque escrever é fazer (!), e me apetece mandar tudo às urtigas!
Tal acontece, normalmente, após ter escrito páginas que julgaria como julgo de impacto universal, aqui referindo apenas algumas, a saber, algumas das últimas que escrevi e que para aqui chamo à colação por ordem cronológica como sejam Jaime Latino Ferreira e não pela presunção do nome, Fibra, Da Grainha Para A Grande Vinha, ADN ou Heroicidade como quem vira o disco e obstinada como provocatoriamente persiste em tocar o mesmo...
Sublinho estas como poderia sublinhar as que, não nomeando, as intercalam!
Que fazer, pergunto-me eu então!?
Quantas vezes não tenho pensado em me calar, calar de escrever, silenciar, pausar ...!
Mas logo algo me diz que continue, que persevere ...
Se me calasse ...!?
Como se determinaria esse meu superavit se me calasse!?
Que deficitário subterrâneo não desabaria sobre mim!?
Que saídas não se fechariam irremediavelmente!?
E nada parecendo escrever, persisto em continuar a fazê-lo e ainda que apenas Vos remetendo, de novo, para alguns dos últimos textos que escrevi tal como Vos poderia remeter para os mais recuados.
Ou mesmo se escrevendo, apenas, de um impasse, inquietação que espero seja breve.
Se este meu superavit se pudesse traduzir em números que défice não cresceria, implacável, para comigo!?
Olho para os reflexos que se agitam e agigantam como se em mar encapelado e em mim mesmo permaneço!
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contrariando as asfixias orçamentais e as obsessões pelos défices
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 16 de Outubro de 2010

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

HEROICIDADE

a esta fotografia titulo-a eu, abusivamente, face a face
primeira imagem captada no fundo da mina de San José no deserto de Atacama por uma câmera de um dos
mineiros soterrados no Chile, EPA, Claudio Reyes
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- O que é que faz a força de vontade, aquela que se confunde com a própria heroicidade?
- Situações extremas ...!
- E o que são situações extremas?
- Não há receitas nem contornos definidos para elas ...
- Sim, mas o que são elas?
- É o indivíduo ver-se, seja por que razões o forem, ineludivelmente confrontado consigo mesmo!
- E o que é isso ...?
- É quando deixam de existir álibis ...
- Álibis?
- Sim, desculpas, sombras, interpostas razões que pudessem justificar um determinado estado de coisas em que o próprio se vê enredado.
- Podes explicar-te melhor ...?
- Posso, imagina-te, então, soterrado, soterrado em vida:
Colocado diante de ti próprio, sem mais desculpas, sem teres para onde fugir, irremediavelmente sitiado no lugar em que te encontras, nu, despido de roupagens, máscaras, quaisquer disfarces.
Como agirás em tais circunstâncias!?
Iludindo-te remetendo para terceiros ou terceiras partes a sua responsabilidade ou fazendo delas, dessas circunstâncias, o suplemento de alma, a ilusão maior que te faça agarrar à vida!?
E como o poderás fazer sem esse acréscimo de vontade, superação de ti mesmo, heroicidade portanto, que eventualmente surja do nada que não essa maior e legítima vontade que tenhas em te afirmares ou sobreviveres!?
Sobreviveres, viveres para lá do expectável ...
E que seja capaz de te resgatar a ti e aos teus!?
Vontade capaz de te fazer dar louvores, permanentes louvores ao que em ti sobra, a um nada maior que sempre, no face a face que no teu subterrâneo te obriga a encarares-te a ti próprio, te redimensiona e a partir do qual à vida a consigas alimentar e à qual te agarres para lá de todas as plausíveis expectativas e que, por essa mesma via, em cântico maior saibas fazer eleger ...!
No subterrâneo de mim mesmo me encontro, projecto e ...
... reVivo!
-
no resgate pleno de sucesso de todos os
mineiros soterrados no Chile, também dos seus socorristas e neles, a todos os heróis desconhecidos
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Heroica, Scherzo
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 14 de Outubro de 2010

terça-feira, 12 de outubro de 2010

ADN

Fotografia de Jaime Latino Ferreira, Subaquático, Setembro de 2010
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Ao subaquático de mim
pergunto
o que seria eu sem ti
a lama sem o céu
que entrevi
por entre o marear
do folheado
que voga à superfície do telhado
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Do subaquático de mim
emerge um animal
réptil
querubim
um galho
exaltado
que quebrado
lampeja e sabe bem àquilo que vim
-
No subaquático de mim
há um rochedo
pedra
de marfim
vontade que não quebra
e diz que sim
em lago espelhado
trampolim
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 12 de Outubro de 2010

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

INSTANTÂNEO

Fotografia de Jaime Latino Ferreira, Instantâneo, Setembro de 2010
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Sigo a cana no ar e instantâneo, fotografo-a em movimento.
Apanho-a!
Se me pedissem para descrever a minha escrita, defini-la-ia como fotografia de um momento, movimento aprisionado nestas linhas.
Quantas vezes, de uma palavra apenas, nem sequer de uma frase ou de um tema que me aflore o espírito, surge o instantâneo ...
Fracção temporal, segundo em movimento ...
... movimento de um comboio em alta velocidade captado aqui, retido na prisão do meu olhar!
O que do olhar se vê para lá do que se vê.
Do que se ouve como as palavras o dizem embora escritas se acabem, também, por ver.
Ver e sugerir ...
Instantâneo!
O que do instantâneo se alarga, cria espaço e tempo incomensuráveis nessa brecha do tempo que julgáramos estreita e impenetrável, fugidia como o reflexo espelhado tão distante, estanque e simultaneamente tão próximo e familiar.
Inaudível, invisível, indecifrável.
Apanho a cana no ar e aprisiono-a na roda do tempo.
À velocidade da luz, ultrapassando-a ...!
Ai se não me dou conta do foguete no impulso que a lança!
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Cenas
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 11 de Outubro de 2010

sábado, 9 de outubro de 2010

DA GRAINHA PARA A GRANDE VINHA


Escreve-Te, mãe pátria, esta grainha, cidadão da Grainha de Uva como na Tua língua o meu país se nomeia, tão pequeno e irrelevante ao pé de Ti ...!
Assim sendo, apenas grainha, grão insignificante terei eu de ser, sem uva e sem nada, tão sem nada como as grainhas que profusamente Te habitam e que sendo, eventualmente, aprisionadas por delito de opinião em pouco Te poderão servir ...

Muito antes pelo contrário!
Escrevo-Te a Ti como Tu és, essa tão grande Vinha, a qual assim aprisionando grainhas, pequenos grãos como eu, impedindo-os de florir, apenas em Si mesma crava espinhos de difícil, incómoda e acusadora, desafiante denúncia a fazerem-se recair contra Ti e sobre Ti mesma ...

Os celeiros encheram-se, o vinho jorra por entre as belas castas apuradas, a grande Vinha abre-se ao mundo e a ele quer dar-se em sinal de Paz, mas uma que seja a grainha, o grão encarcerado por dissidência e a Vinha não poderá florescer plenamente nem os Seus frutos darem-se a escorrer em doce licor de Baco.
Há muitos anos estive do Teu lado perante a derrocada dos impérios e intuindo que se também Tu caísses, todos seríamos engolidos no Teu desabar ...

Há muitos mais anos Te visitei e convivi com camaradas recém libertados após o fanatismo que Te varreu antes da abertura e que se mostravam orgulhosos na sua fustigada mas inteira dignidade ...!
Ouve-me grande Vinha!
Sem Liberdade que é de todas as pátrias e de todos os horizontes, o vinho não jorra e as castas, verdadeiramente, não se aprimoram ...
... e o medo, esse apenas tolhe e é inimigo de uma fortalecida, desejada coesão ...

Que mil flores desabrochem e de todas as cores!

Liu Xiaobo
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na atribuição do Nobel da Paz a Liu Xiaobo, activista político da não violência encarcerado na China por delito de opinião
não deixa de ser um bom sinal, segundo relata a agência Efe que Sua mulher a poetisa Liu Xian tenha sido hoje autorizada a visitar o Seu marido na cadeia em que se encontra aprisionado, em Beijing
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Incentivo
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 9 de Outubro de 2010

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

FIBRA

Fotografia de Jaime Latino Ferreira, Sobreposições, Outubro de 2010
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Quantas vezes sou do meu olhar
o simples filamento duma trova
musculação tensa que não pára de vibrar
e que se é peça é o todo desta obra
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Sobreposição de outra a mais que se desdobra
camada após camada a querer mostrar
exílio de mim próprio que te louva
divide num cem número sem parar
-
Quantas vezes sou não sou o que quero dar
tudo o que eu vejo e se calhar
também o que não vejo e que me mova
-
E tudo o que em ti me inspira a nova
vontade redobrada que me sobra
murmúrio deste eterno sussurrar
-
inspirado ali
-
Sussuros
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 7 de Outubro de 2010

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

TRISTES PALCOS

Fotografia de Jaime Latino Ferreira, Ruído, Setembro de 2010
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Estou farto de televisões
diversão de parcas pistas
pantalhas de tristes sermões
sem fôlego para o que avistas
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Conversas de ilusionistas
de mal soletrados bordões
desejosas de querer richas
toleimadas confusões
-
Ampliam-se opinões
em sentimentos de mistas
reacções para dar nas vistas
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Efémeros palcos de artistas
que cegam os nossos serões
deles se rindo Camões
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Passamezzo
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 6 de Outubro de 2010

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

JAIME LATINO FERREIRA

Fotografia de Jaime Latino Ferreira, Mural, Setembro de 2010
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Em vésperas da celebração do primeiro centenário da implantação da República em Portugal que se celebra amanhã, dia 5 de Outubro, importa frisar que não bastam declarações pesarosas sobre o défice de exercício da cidadania como da boca de tantos responsáveis políticos que aos mais poderosos meios de comunicação social têm acesso, sim, porque nem todos o temos (!), não se param de, recorrentemente, ouvir.
É imperioso que se reconheçam aqueles que, com os meios de que dispõem a exercem bem como a maior ou menor profundidade com que o façam, tirando-se daí as incontornáveis e legítimas consequências que com timings mediáticos e eleitorais não se compadecem mas que a própria República reclama!
Que piedosas mas inconsequentes lamurias as desses responsáveis políticos ...!
Eu, Jaime Latino Ferreira, tenho ao meu dispor este suporte público que o é e ele permite-me este exercício sistemático de cidadania que também o é, sem dúvida (!), dando-me nele publicamente a escrutinar, a avaliar.
Não percorrerei os tradicionais trâmites mas existe alguém ou alguma coisa, coisa que pública o seja que me impeça de seguir estes caminhos que eu, legítima e transparentemente, optei por trilhar!?
Serão eles menos legítimos, menos constitucionais do que outros!?
E tornam-se ou não eles, o conjunto sistémico de textos que aqui e desde antes do meu blogue, qual mural, Vos vou deixando em coerência com a minha própria praxis, em coisa pública, pública e publicada, res publica de relevância e merecedora de consagração!?
E deles devem-se ou não tirar as devidas ilações!?
Neste dia que ao centenário o precede, eu, Jaime Latino Ferreira, coloco-me diante da República e reclamo-me dela na assumpção da coisa que ou é do Povo e pelo Povo ou não o será de todo, esvaindo-se, então, as pias intenções e desejos que se proferem em
consumida, inconsequente e gasta, falida retórica!
Faça-se desta comemoração, não um desfile saudoso, alheado e moribundo mas uma prova de vida!
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Final da Abertura 1812
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 4 de Outubro de 2010

sábado, 2 de outubro de 2010

CORAGEM PARA DIZER

Fotografia de Jaime Latino Ferreira, Em Movimento, Setembro de 2010
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Eu diria assim:
Acabou o tempo das vacas gordas!
Acabou o tempo do consumismo desenfreado!
Acabou o tempo do compra, usa e deita fora!
Acabou o tempo da manipulação ...!
Acabou o tempo em que julgávamos poder viver indefinidamente numa crescente espiral acima, sempre acima das nossas possibilidades!
Acima das capacidades do próprio planeta do qual pensaríamos ser possível tudo poder extrair sem o pagamento de uma qualquer factura e sem limites nos recursos que estariam aí e sem mais, à nossa insaciável e caprichosa disposição!
Acabou o tempo do ter, ter cada vez ilimitadamente mais!
Acabou o tempo do ter como pressuposto do ascendente social!
Acabou o tempo da ditadura do dinheiro ou, melhor ainda, a ditadura do dinheiro ditou-lhe os seus próprios e não mais escamoteáveis limites!
Acabou o tempo do ter para se Ser!
Tenha-se o básico, todos temos direito a ele (!) e é nos limites do insignificante nada em movimento que somos que se vê quem, de facto, É!
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onde não há equidade
há um clamoroso défice de razoabilidade
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Movimento 1
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 2 de Outubro de 2010

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

PALAVRA E MÚSICA

Fotografia de Jaime Latino Ferreira, Aguarela, Setembro de 2010
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As palavras têm música.
São música ...
Música concentrada!
Repare-se numa, numa qualquer palavra:
A quantidade de harmónicos que ela tem ...
Harmónicos naquele sentido de terem, quaisquer delas, uma profusão de significados em vibração semântica, encadeados, consonantes ou dissonantes, em acorde ...!
Tomemos a palavra música:
" 1. Arte e técnica de combinar os sons de maneira agradável ao ouvido.
2. Teoria dessa arte.
3. Composição resultante dessa arte.
4. Execução de uma peça musical.
5. Conjunto de músicos.
6. Papel ou livro que contém notações musicais. Partitura.
7. Sequência de sons harmoniosos cuja cadência ou ritmo lembram uma melodia.
8. Choradeira, lamuria.
9. Lábia. "
Isto, apenas o que da palavra música diz o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, aqui ao dispor, na Internet!
Música e palavra ...
Se a música é água, a palavra aguarela!
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Combino os sons em palavras
no que escrevo minha arte
que transcende a pura música
no silêncio que a enquadre
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Chora a lamuria que arde
soa nela o que ditavas
peça que não descarte
partitura em que vibravas
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Teoria supersónica
nos seus contornos me encravas
enquanto espero e me travas
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Cadência que cedo ou tarde
em melopeia combine
aguarela que a define
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no dia mundial da música
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A música, a palavra e a harmonia
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 1 de Outubro de 2010