sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

EM CONTRACICLO

 
 
 
Tendo para esse efeito de se ter disponibilidade mental porque importa criá-la sempre e só nós, cada um de nós, a pode conquistar para si mesmo é, precisamente, quando tudo parece desabar que se impõe fazer balanços, sínteses do que se conseguiu almejar ou daquilo a que se aspira.
 

Para memória futura, a isto se chama agir em contraciclo e mesmo ou por maioria de razão se a penumbra parece cobrir a luz.

 

escrever, não apenas liberta como, pelo ato de agir que representa, longe de ser simples retórica transforma-se em factual atuante
 

 

FELIZ  ANO  NOVO
 

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Dezembro de 2012
 
 
 

terça-feira, 25 de dezembro de 2012

LINHAS DE FORÇA A PROPÓSITO DE PRESÉPIO

Júlio Pomar, O Almoço do Trolha, 1947

 
 

I


A Sagrada Família não continha nada de tradicional ou costumeiro e, por isso mesmo, se escondeu numa manjedoura para fugir ao decreto do Rei Herodes que teria mandado matar todos os nascituros por medo de vir a perder o seu trono para o profetizado rei dos judeus.
Clandestinamente ela se cumpriu obedecendo a todos os requisitos que, hoje, poderiam corresponder àquilo a que, prosaicamente e é dizer pouco, se chama uma família nada convencional.


II
 
Confundir família não convencional com família desestruturada constitui um grave equívoco.
Ele há famílias nada convencionais unidas pelos mais fortes elos do amor como há famílias convencionais que, desestruturadas, assentam no exercício das maiores arbitrariedades.
Outro equívoco consiste na ideia de género que assentaria, por oposição a fragilidade, na força física e não naquela que, em pé de igualdade, os faz comungar no amor.
Destes equívocos os maiores impasses persistem em prejuízo daquilo que sendo durável, perene, é fundamental, a saber:
Não há família sem amor e o resto é retórica e manobras dilatórias!


III

Manobras dilatórias, de dilatório ou daquilo que se faz por adiar.
Adiar pode ser uma atitude inteligente quando, por exemplo, se relacione com a gestão política de uma situação delicada que envolva muitas sensibilidades e onde não se torne claro o sentido para que elas pendam, sobretudo, perante assuntos como aqueles dos costumes e das novas formas de organização familiar que, por isso mesmo, se tomam por fraturantes.
Assim, em nome da unidade se adiam clarificações.
Mas chega sempre uma altura em que adiar faz inverterem-se os termos da própria equação enunciada atrás.
Assim, nada garante que por persistir-se na ambiguidade que o protelamento suscita, o que se quereria, à outrance, manter unido, afinal, não se frature ainda mais, definhe ou se estiole mesmo e, sobretudo, quando o persistente adiamento que se quereria tomar por impoluto mas que não passa de um teimosa renitência que nada tem a ver com princípios, faz recair sobre si mesmo as mais avassaladoras das suspeições.
Ambíguo?
Para quem saiba ler.


IV

Pretender à viva força manter unido aquilo que, ainda que em prejuízo dos princípios, como o azeite e o vinagre não se mistura, pode ser uma receita que produz os piores dos resultados.
Essa receita, embora mantendo à tona o azeite, a verdade ou o unguento purificador acaba por não neutralizar, no fundo e pela calada, a persistente acidez que os corrói e se despoleta, o mal viver consigo próprio em tudo contrário ao bem viver, ele sim, eixo axial e força motriz da disponibilidade e do amor que se têm a ver com a castidade lato senso considerada não se confundem com qualquer normativo castrador.
Não se estando bem consigo próprio, como se poderá estar bem com os outros?
A verdade é como o azeite, acusando a acidez vem sempre ao de cima.


nota: a castidade é um lugar sagrado e íntimo, indeterminado em cada um de nós que nos mantém íntegros.
 

V

Eu amo-te, que quer dizer isto?
Tal significa que no absoluto respeito pelo Outro, maior e igual, o que implica o não anulamento de um pelo outro, seja ele quem for, na fidelidade, com ele se quer partilhar tudo, os bons como os maus momentos da vida.
Significa estar disponível para o Outro e, ao está-lo, para todos os outros também se ficar disponível.
Quem sou eu, quem é o Outro?
Teremos de obedecer a um perfil ou a uma morfologia específicos?
Ou o Outro é tudo o que nele a mim me completa para lá de todas as nuances físicas?
O Outro, nele incluída a sua dimensão metafísica.
O Outro e eu não somos nem simples apêndices ou encaixes, nem meros sistemas reprodutores, somos muito mais do que isso.
Somos criatividade latente que de um no outro dá à luz.


remeto para Presépio



 
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 25 de Dezembro de 2012
 
 
 

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

PRESÉPIO

Marc Chagall, A Sagrada Família, 1909
 

 
No Presépio está a sacralidade, isto é, a inviolabilidade da pessoa humana e tanto mais quanto perseguida o for, quer seja ela criança, mulher ou homem bem como, senão pense-se no paradoxo de Maria enquanto virgem mas mãe ou em S. José como pai adotivo substituto de um Pai, à luz dos cânones da época, inexistente ou incógnito, seguramente proscrito ou desterrado, nas modernas formas de organização familiar ou, então, em tudo o que os avanços científicos, hoje, já potenciam nesse permanente abrir da caixa de Pandora que nos caracteriza quando não, desde já e uma vez acautelada toda a prudência, anunciam.
Nesse extraordinário cadinho, o impulso do Presépio, Cristo seguiu, inflexível, um projeto de afirmação pacífico, também político, ao tempo do império da força e na assunção da blasfémia que não terá sido declarar-se, numa sua remota província, filho de Deus pelo que do imperador, um seu igual, portanto, quando Deus se confundia com o próprio imperador.
Sem ele, sem o Presépio e por linhas históricas direitas ou travessas, em círculos concêntricos, também não se teria chegado às declarações universais dos direitos do Homem nem da Criança e, muito menos, à Democracia tal como hoje a concebemos e na lógica não apenas da separação e da divisão de poderes como do seu crescente aprofundamento.
A simbologia que o Presépio encerra é, hoje, mais atual e premente do que nunca e o mistério que nele se guarda, precisamente pela sua acutilante atualidade e, logo, premonição, longe de se atenuar adensa-se cada vez mais.




 

BOAS  FESTAS
 

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 18 de Dezembro de 2012
 
 
 

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

PENSAMENTOS ( VII )


 

 

PENSAMENTOS
 

Como já tereis reparado tenho vindo a coligir pensamentos, todos da minha autoria.
 

A primeira questão que levanto é esta:
 

Se, de hoje para amanhã e por hipótese, me viesse a tornar numa pessoa célebre não seria difícil imaginar que os meus pensamentos passassem a ser citados por dá cá aquela palha mas caso permaneça mergulhado no anonimato, quem me citará?


Põe-se, então, uma outra e contundente, oportuníssima questão:
 

Valem ou não os meus pensamentos, nos seus conteúdos, por si próprios e independentemente da minha própria notoriedade?
 

Finalmente:
 

Ou será, antes, a riqueza intrínseca dos meus pensamentos que transporta consigo a celebridade?
 

 

 

QUEM  PERGUNTA
 

Quem pergunta é porque já sabe, pelo menos em parte, a resposta e, por isso, já responde ainda que, por responder em forma de pergunta, deixe a resposta em aberto.
 

Aliás, quem não sabe também não consegue, seja de que maneira for, perguntar.
 



 

PERGUNTAR
 

Perguntar é a forma mais inteligente de se insinuar, ainda que se deixe em aberto, uma resposta.


Uma pergunta que é o que uma hipótese é, aliás, é o primeiro passo para que a experimentação não se conduza nem às cegas nem fortuitamente e resulte, sistemática, em investigação científica.


 

 

DO  1  E  DO  ZERO
 

Se o 1, primeiro dos números naturais ou a unidade, o singular, não conseguir chegar e compatibilizar-se, por si próprio e pela lógica, pacificamente, com o zero, o artifício da lei ou o institucional, como é que a numeração inteira que o número 10 introduz, alguma vez, poderia fazer qualquer sentido?
 

 

 

RECONCILIAÇÃO
 

No dia em que o um, primeiro dos números naturais, a unidade, o cidadão singular, pelo seu próprio mérito, pacifica e transparentemente, conseguir chegar ao 10, à numeração inteira, ao institucional, reconciliando os cinco dedos da mão direita com os cinco da mão esquerda, dar-se-á, simultaneamente, a reconciliação entre o poder democrático, a Democracia e o Povo.
 

Nesse dia, tanto mais urgente quanto a crise que nos assola, o aprofundamento da Democracia não será expressão vã.
 


 


DO  ZERO
 

O zero é a superfície do espelho à direita da qual se desenvolve a numeração positiva.
 

À sua esquerda, contudo e partindo do mesmo princípio, ao que se convencionou chamar a numeração negativa que à primeira a anularia, simétrica da positiva, desenvolve-se algo que não sendo numeração antes o seu simétrico, repito, já se aproxima da escrita.


Abstração da abstração, o reflexo da numeração positiva na sua simbologia não já numérica, humanizada resulta e ambas, na absorvência transformadora do zero ou da superfície do espelho, não se anulam antes, na sua complementaridade, se potenciam.
 

 

 

O  APRENDIZ  E  O  MESTRE


Aprendiz é aquele que, por sua livre vontade e iniciativa, confrontado com uma prova de fogo incansável persiste e, pacificamente, não desarma por maior que seja a omissão que sobre si próprio recaia.
 

Mestre é aquele que sujeitando o aprendiz a uma prova de fogo, por fim, nele se sabendo rever o reconhece e mesmo se o aprendiz em muito o excede.
 

De qualquer maneira, mestre e aprendiz, ou têm ambos um pouco dos dois ou não são nem uma coisa nem a outra.
 

 

mais e mais
 



Jaime Latino Ferreira
Estoril, 17 de Dezembro de 2012
 
 
 

quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

ROTA

rotas dos portugueses
 

 

Enchi-me das europas e das américas
caminho das índias fiz e às antuérpias
como feitor cheguei e do oriente
trouxe até mim o calor do sol poente


Dos portugueses a rota fiz e assim tente
cada um de vós olhá-la como lente
de um percurso cheio dos atmosféricos
matizes das aventuras de meus périplos


Circum-navegação moderna nas estratosféricas
recônditas paragens que numéricas
se contam aos milhares e a não desmente

 
São marcas de água pela mente
mapeamento de um mundo que me sente
através de minhas páginas exotéricas
 

exotérico ou aquilo de que não se faz mistério
 

da observação do planisfério deste meu blogue situado na sua base se aferirá, também, da sua capacidade de penetração
 

 

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 12 de Dezembro de 2012
 
 
 

sábado, 8 de dezembro de 2012

PENSAMENTOS ( VI )


 
 
 

DO  IMPLÍCITO


Há coisas que não precisam de ser explicitamente escritas para que, no que é escrito, estejam presentes.

 
Às vezes, mesmo, quanto mais explicitadas essas coisas o forem, julgando-nos a agir com prudência, mais imprudentes, por preconceito ou outras causas próprias ou alheias, se revelam, não convergindo em nada com os objetivos pretendidos.
 

Se nos queremos dirigir a todos ou ao maior número possível de pessoas é bom que encontremos um mínimo denominador comum que ao máximo denominador, sublinho, sem o escamotear, não o exclua.
 

Ao conseguir fazê-lo sem subverter as nossas convicções mais íntimas, comunicamos para fora, mas caso não o consigamos fazer, limitamo-nos a comunicar para dentro, apenas para aqueles que por connosco já as partilharem, não precisam de ser, por elas, industriados.


Que não se invoque em vão.
 


 
 

O  MELHOR  INVESTIMENTO
 

O melhor investimento que se pode fazer não é em coisas materiais.
 

Investir em tempo, tempo para nós próprios ganhando-o progressivamente e contrariando as malhas que, quantas vezes, dele nos fazem prisioneiros, anulando-nos, é um investimento ímpar.
 

Ganhando-o para nós, para cada um de nós, inexcedível riqueza, recuperamo-nos a nós próprios e isso está, antes de mais, nas nossas mãos.
 


 
 

VOLTA  NA  PONTA
 

Cuidado com o que se diga ou escreva porque o que se diz e escreve, em efeito boomerang, pode-se virar contra nós.
 

O que se diz e escreve também se pode virar a nosso favor mas isso, apenas, se aos outros não atribuirmos aquilo que não estamos dispostos a admitir em relação a nós mesmos.
 


 
 

O  CRIME  NÃO  COMPENSA


Vamos supor que, politicamente e em Democracia, uma onda de violência física e/ou psicológica se abate sobre nós próprios.


Se a essa onda de violência lhe respondermos ainda com mais violência esta, perpetuando-se, esmagar-nos-á.
 


 
 

ARGUMENTOS  DE  PAZ
 

Se, politicamente e em Democracia, à violência lhe respondermos com argumentos de paz essa, a violência, neutralizando-se por não encontrar base de sustentação e perdendo o pé, desmoronar-se-á.
 


 
 

DEMOCRACIA
 

A possibilidade de, publicamente, dizermos tudo e o seu contrário sem nos atropelarmos nem ofendermos, de podermos conservar a nossa opinião mesmo se derrotados e por mais excêntrica ou minoritária que o seja, de podermos professar as nossas convicções mais íntimas sejam elas quais forem e desde que não ameacem a integridade física ou o bem comum, é uma riqueza maior da qual só nos damos conta quando a perdemos.
 

Aí, publicamente, nem sequer podemos invocar que a perdemos e a Liberdade torna-se uma miragem.
 


 
 

DO  IMPLÍCITO  ( II )
 

Ao tempo em que às coisas não se podiam dizer ou escrever explicitamente, isto é, chamar pelos nomes, desenvolveu-se a arte do implícito.
 

Em Democracia, felizmente, pudemos passar a ser explícitos e o implícito rarefez-se.
 

Contudo, como nada é preto ou branco antes multicolor e tanto mais quanto a Democracia se consolida, tendo-se rarefeito a arte do implícito, o discurso degradou-se.
 

A bem da própria Democracia inconcebível sem a riqueza e a densidade discursiva, urge recuperar essa arte.
 



mais
 



Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Dezembro de 2012
 
 
 

domingo, 2 de dezembro de 2012

LUZ

luz

 


Onde está a luz que aqui procuro
neste calabouço que perfuro
se tu escuridão nele sem tréguas
ímpia nos dilaceras e aos olhos cegas


Onde procurar o que me negas
se ao amanhecer adias e delegas
para as calendas gregas em seco murro
à luz a ofuscando num presente duro


Encontro-a na alva folha que descarregas
espaço de claridade onde me curo
naquilo que escrevo e cresce de maduro


E à luz me agarro mais e mais casmurro
de ti treva sabendo que a renegas
impotente em todas as refregas


 

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 2 de Dezembro de 2012