quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

NARRATIVA

Gerard Sexton, Shaft

Culmina o ano com lance
de partida de xadrez
com cheque feito a um
rei
magistrado que se fez

Oscila em balanço ao que vou
vinde ler o que Vos dei
não faço mate a ninguém
nem em
Um ou Dois ou Três

O tempo passa crescei
vou direito ao que bem sei
no que escrevo e que tu lês

Termina o ano que vês
no que conto em português
que de minha saga narrei

( assim está bem, aceito que a Tua honestidade não possa ser beliscada )


A todos, um Bom Ano Novo de 2011


Acordai

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Dezembro de 2010

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

AS DIMENSÕES DA PALAVRA - III -

Basta observar um dicionário comum de uma língua ao acaso para constatarmos ter uma qualquer palavra que seja complexidade pluri-semântica que a preenche de densidade que logo resulta das dimensões que, em si mesma, se encerram.
Peguemos na palavra honestidade:

1. Qualidade daquele que é honesto.
2. Decoro, modéstia; pudor; castidade.
3. Honradez, probidade.

Honesto ou:
1. Casto; púdico.
2. Virtuoso; recatado.
3. Probo, honrado.
4. Conveniente; próprio.
5. Razoável, justo.

in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

E, agora, dissequemos:
Casto, púdico, virtuoso, recatado, probo, honrado, conveniente, próprio, razoável, justo ...
Que falta de propriedade em se reeinvindicar para si, todas essas qualidades e em simultâneo dizer-se a quem quer que seja, que para se lhe equiparar se tem de nascer duas vezes, isto é, que não se lhe pode equiparar, que se é imbatível ...!
Modéstia:
Que completa ausência de modéstia, de probidade ...!
Que falta de conveniência, de decoro, de razoabilidade ...!
Que falta de Justiça!
E logo a Justiça entronca, na necessária divisão de poderes e que a quem da honestidade se apropria não lhe compete aplicar e muito menos a si mesmo, com o Estado de Direito ... com a Política no seu mais nobre sentido!
Castidade:
E logo esta ... com a moral e a religião se entrosa que com a Política se não deve imiscuir!
Que falta de recato ...!
E agora imaginemos que para cada uma das palavras explicativas de honestidade e de honesto, que a elas as investigaríamos, uma a uma, no dicionário ...
Onde iríamos parar!?
Em que incontornável e imbatível paradigma se transformaria quem, no contexto do
Poema Proscrito e de Arrogância e Crise, à frase citada a proferiu!?
E sem apelo de nesta vida a quem assim se apresenta podermos ter a veleidade de nos equipararmos!?
Reflecti bem e dizei-me que completa falta de decoro, que arrogância, que atrevimento em o insinuar ...!
Insinuar, não, explicitar sem rodeios.
Não, não são as sondagens nem os votos que permitem a quem quer que seja um tal e tão descarado auto-aferimento!
Reflecti bem e retorqui-me ...

O seu a seu dono

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 27 de Dezembro de 2010

domingo, 26 de dezembro de 2010

ARROGÂNCIA E CRISE - II -

Goya

A arrogância é distanciamento no pior dos sentidos e essa tem uma relação directa com a crise.
Distanciamento em relação ao Povo;
Povo que se consubstancia no cidadão comum.
É certo que são necessárias abordagens específicas, técnicas que nos ajudem a sair da crise, sobre isso não tenho dúvidas e essas abordagens, a mais das vezes, enfermam de hermetismo distante da compreensão comum.
Mas de que servem essas abordagens e sejam elas de que natureza o forem, sem terem por meta e por enfoque a realização singular!?
O cidadão comum que se debate na luta pela sobrevivência!?
Que se debate na gestão, quanto possível racional, das dimensões que o preenchem e das quais, legitimamente, não se quer ver manietado!?
Quando, com recorrência, se ouvem da boca de alguns políticos, afirmações como a mim ninguém me dá lições, as provas dadas são por si mesmas bastantes ou para seres tão honesto como eu, tens de nascer duas vezes como com esta última glosei, pela sua inesperada oportunidade, em
Poema Proscrito, enfermam ambas de um tal distanciamento e arrogância que embora ditas assim, irreflectidamente, admito-o, bem medem a distância a que estes se colocam na arrogância gritante que ao ouvido comum o dilaceram.
E replicam-se em tiques de autoritarismo sem fim e em cadeia numa realidade a abater-se aflitivamente sobre o cidadão, no seu dia a dia.
E que em si mesmas são, elas também, justificativas, explicativas da crise que nos angustia!
Pois se a mim ninguém me dá lições que terei eu a aprender com aqueles que deveria servir mas não sirvo!?
Sim, porque serviço implica humildade e saber-se aprender com quem quer que ao serviço se esteja!
Como no
poema anterior eu glosava:
Se para ser tão honesto quanto tu, terei de nascer duas vezes e tenha esta afirmação sido produzida em que contexto e por quem o tenha sido, sabendo-se que para esta vida só uma vez o nascemos, então, para quê persistir em sê-lo!?
E é do implícito da afirmação que se exponencia o laisser faire, laisser passer de quem se rende à impotência de à desonestidade, numa só vida, não bastante (!), a contrariar que, como sabemos, anda de mãos dadas com a crise e que dela própria beneficia!
Este tipo de atitudes, eminente e negativamente políticas, têm mais importância do que se pensa na explicação do ponto a que se chegou e quando se fala em austeridade ela deveria começar logo pela contenção e humildade, ausência de asneirices (!), despojamento naquilo que, pesem para mais as responsabilidades, publicamente se diz.


Renascer


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 26 de Dezembro de 2010

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

POEMA PROSCRITO - I -

Se para serdes mais honestos do que eu
tereis de nascer duas vezes
então mais vale não o ser
que penar do que professe

Por quem te tomas rei
nu
na arrogância em que te teces
se mais valera morrer
sem louvar e cantar preces

Nasceu e morreu o
Proscrito
e prometeu no que dito
nos Libertaria do mal

N
ão nos disse esse Menino
que um
rei
viria sem tino
a julgar-se mais que o Tal


do que se diz



Doce Júbilo


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 24 de Dezembro de 2010

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

PROXIMIDADE

pormenor de pintura a óleo de Manuela Baptista


Tal como neste blogue se espelha desde a sua criação
o que falta é a consagração de um discurso
escrito de proximidade

em toda a sua extensiva profundidade

Na dogmática
nos números
na doutrina
nas coisas do dia a dia

Um discurso escrito na primeira pessoa
na assumpção do Eu coerente e comum e ao encontro da realização possível
sem excluir quem quer que seja e susceptível de
persistentemente
natalício
ser catalisador
mobilizador da esperança
e de todas as energias defraudadas

Para esse Serviço
nas provas bastantes que já as dei e que
em continuidade do que vem de trás
aqui se expressam
contem comigo



Boas Festas
num Santo Natal e num Ano Novo que se venha a revelar mais auspicioso



Jaime Latino Ferreira
Estoril, 23 de Dezembro de 2010

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

CONVERSA COM NATAL(IA)

fotografia de Walter

FALAVAM-ME DE AMOR

Quando um ramo de doze badaladas
se espalhava nos móveis e tu vinhas
solstício de mel pelas escadas
de um sentimento com nozes e com pinhas,

menino eras de lenha e crepitavas
porque do fogo o nome antigo tinhas
e em sua eternidade colocavas
o que a infância pedia às andorinhas.

D
epois nas folhas secas te envolvias
de trezentos e muitos lerdos dias
e eras um sol na sombra flagelado.

O fel que por nós bebes te liberta
e no manso natal que te conserta
só tu ficaste a ti acostumado.

Natália Correia
in O Dilúvio e a Pomba, Lisboa, Publicações D. Quixote, 1979


FALO-TE DE AMOR

Quando em canto doce me cantavas
espalhando-o aos sete ventos então via
invernosa claridade que espelhavas
da cor do mel que a mim me preenchia

Menino assim sorria e palpitavas
porque aqui cabias e crescia
para sempre como fogo alimentavas
este alado voo de cotovia

Depois de secas as folhas eu insistia
passados anos a fio nesta porfia
que a minha sombra de sol iluminavas

E que ao fel que de nós bebes o libertavas
deste nosso reduto em que entravas
permanecendo teimoso dia a dia

criado em primeira mão, sem revisão e por inspiração, em
céus de um pássaro - folha

Ó Meu Menino

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 20 de Dezembro de 2010

Caricatura de Natália Correia

domingo, 19 de dezembro de 2010

POLIFONIA

Paula Rego, Virgem grávida, Capela do Palácio de Belém

Tenho frio
disse eu
e tu não tens

Tenho um calafrio que me percorre
que de alto abaixo vibra
e que não morre

É teu calafrio
sinal sem nome
cor de um arrepio
sem ter pronome

Ai meu calafrio
que ideia a tua
é mais frio que o frio
que vem da rua

Não queiras estar ao frio
ar de chorar
sem ter um agasalho
nem ter um lar

Razão terás
no frio que estás
mas este calafrio

nunca se viu

Será como tu dizes
mas deixa entrar
a luz que a ti te aquece
deste lugar

Frio de um arrepio
de um calafrio
quem poderá dizer
qual mais sombrio

no reconhecimento, entre outros (!), do papel social da Igreja

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 19 de Dezembro de 2010

sábado, 18 de dezembro de 2010

DESPOJAMENTO

Há momentos em que uma espécie de vazio se instala e onde não sei que mais escrever

Como se
de tanto a percorrer
tivesse chegado ao fim da linha

Resta-me
então
escrever sobre isso mesmo

Escrever sobre a impossibilidade de tal ter acontecido
de a veia se ter extinto

Se o filão se esgotasse
o que me restaria daquilo que escrevi

Sumir-se-ia tudo o que até aqui criei

Sim ou não

Se o filão se esgotasse
restar-me-ia o lastro que deixei
mas como não posso viver só do que foi
obstinado ao Futuro o escavaria

sem lhe dar tréguas
ao Passado o sedimentando no Presente

Há momentos em que ao vazio o preencho das palavras que lhe faltavam

E o vazio deixa de estar vazio


despojada
a árvore de novo se reveste



Jaime Latino Ferreira
Estoril, 18 de Dezembro de 2010

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

COURIER

Desde que processo o meu texto que, por sistema, utilizo o tipo de letra courier.
Porquê courier?
Courier, tipo de letra que se assemelha àquele de uma batida de máquina de escrever, talvez o mais próximo do intimismo de uma carta, quem sabe se do personalizado manuscrito por onde esta minha saga começou ...
Courier, carta, correio.
Desde que aqui escrevo que há, no registo em que o faço, destinatários institucionais ocultos como alvo sempre presentes e que esse tipo de letra por mim perfilhado como traço de continuidade sublinha como sinal, agora, talvez, mais do que nunca.
Mais do que quando a eles, por correio postal, me dirigia directamente já que na transparência do público e de um alargado público!
Na opacidade de que, na blogosfera, se reveste o público alvo a que me dirijo, esses mesmos destinatários ocultos não deixam, porém, de ser tidos em conta e quer aqui venham quer não.
Sim, porque agora são esses destinatários que vêm e ainda que ocultos, eventualmente, ter comigo e não eu com eles como acontecia ao tempo em que lhes escrevia por correio postal.
Assim e aqui, esses destinatários dissolvem-se ao ponto de se confundirem contigo que me lês e tu que me lês, confundes-te ao ponto de te amplificares neles mesmos.
Mas com todo o peso institucional de que esses mesmos destinatários institucionais ocultos se revestem, eles são, aqui, tomados sempre em consideração embora o seu peso se acabe por confundir com o peso específico de cada um de Vós, de quem me lê.
De quem se dê ao trabalho de me ler!
Aqui e pensando neles, nesses destinatários com relevante peso institucional, como nunca deixei de o fazer desde que criei este meu blogue, penso em ti também, na equidade e consideração que me mereces revestido do peso institucional desses mesmos destinatários ocultos que nem por um momento faço tensões de ignorar ou de com eles quebrar o elo que criei.
Tu que me lês, vês-te, assim, elevado à qualidade de um instituto ...
Instituto:
Desígnio ...!
Desígnio, propósito ou intenção sem os quais o institucional perde toda a sua razão de ser!
E se, dirigindo-me a ti, ao institucional também me dirijo, onde fica o desígnio deste último diante dos propósitos, desígnios que a mim, naquilo que escrevo, até ele e até aqui me trouxeram?

-
se numa carta se deseja o melhor o que não se desejará em seiscentas e oitenta e cinco missivas, só para nomear aquelas que aqui, neste meu blogue, já se editaram, em que, natalícias, se faz, com indefectível teimosia, em permanência renascer a esperança
-
Chegou Correio
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 16 de Dezembro de 2010

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

À MEDIDA

Rembrandt, A Sagrada Família, 1635
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À medida que me desfragmento
reinvento-me e redescubro sempre o Natal
-
Cada vez mais despojado
-
Como alegoria de nós próprios
-
De cada um de nós
-
O indutivo
o dedutivo e o neutro
o lado esquerdo e o direito do conhecimento que se potenciam em Império de Cultura
lugar sagrado e único
mítico
Menino que teima e renasce sempre
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Como olhos que pela boca transfiguram o saber
processado ali
mais longe e profundo
no cadinho das incógnitas do Futuro
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À medida que me desfragmento
no pulsar dos dias
das horas e dos minutos
do tempo que me corrompe
com acrescida claridade se anuncia o Presépio
-
A pureza virginal da Criação
a premência ressarcida do Saber
e a origem subversiva do Amor
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Elegia
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 14 de Dezembro de 2010

segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

AUTO-RETRATO ATOMIZADO

Fotografo-me:
Tenho um lado sensível e outro racional.
Ambos inteligentes.
Ambos indissociáveis.
Não me revejo, exclusivamente, no indutivo.
Nem me revejo, tão pouco e exclusivamente no dedutivo.
Indutivo, não passaria de uma amiba.
Dedutivo, não passaria de um chip.
Um chip não acredita, relaciona.
Uma amiba reage apenas.
Como a amiba reajo e como um chip relaciono.
Pode um chip relacionar circuitos mas não encontra o indutivo.
Pode uma amiba interagir com os sistemas mas não encontra o dedutivo.
Há qualquer coisa em suspenso, imaterial em mim que a um o liga ao outro, o indutivo ao dedutivo, em discernimento hierárquico, cultural e que me leva a ir mais longe.
Imperscrutável berçário, presépio da humanidade.
A amiba, quanto muito, desloca-se.
Um chip, quanto muito, acciona.
Eu desloco-me, acciono e penso.
E escrever, atomizar assim o meu pensamento, estática mas dinamicamente, prova de que ele existe (!), quem como eu, aos dois, indutivo e dedutivo num só, o poderá escrever por mim?
No lugar onde, aqui, como se posando para um auto-retrato, fotografia, captura atomizada daquilo que penso, enfim repouso, ergue-se a Música, silenciosa musa e lugar mais nobre e distante, metáfora do arquétipo que está sempre para lá da palavra, oceano de sons e que me ajuda, vibrante, a pensar assim.
-
Oceano de Sons
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 13 de Dezembro de 2010

sábado, 11 de dezembro de 2010

DO ATÓMICO ESCREVER

guerra ou Paz?
-
O que aqui escrevo fica, radioactivo, para sempre.
Assim, tal como o escrevi e não de outra maneira!
No que escrevo, imortalizo esse momento.
Retiro o momento ao momento, à contingência que passa e que não se volta a repetir, sempre movediça e precária e instilo-a de não menos dinâmica perenidade.
Com Deus e o dilemático eu associados ou apenas com o eu que é um
deus, indivíduo colocado diante do sistemático dilema ético que o percorre e divide.
Que o obriga a optar.
Na reserva imaculada, pura, intocável que em ascese íntima em si mesmo guarda independentemente das suas convicções particulares ou das opções que faça, corruptelas serpenteantes que sobre si mesmo se veja, inevitabilidade da vida (!), obrigado a exercer.
Sempre que escrevo e quando escrevo, que é sempre, sistematicamente flexível mas obstinado, um acto de vontade livre e arbitral, recriativo e, por isso mesmo, natalício por excelência, perfuro a realidade na imortalidade que, escondida, lhe subjaz!

E simples átomo que o sou, à realidade a faço, expandindo-se, fragmentar-se em infindáveis partículas, ramificações atómicas de uma frondosa árvore ...
-
atómico, do que é muito pequeno, insignificante como eu o sou, reforço e dou continuidade ao que escrevi na trilogia de um litúrgico advento
-
Sinfonia
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 11 de Dezembro de 2010

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

QUANDO ESCREVO - III -

Sempre que escrevo o que acaba por ficar escrito nunca é o que pensaria querer escrever.
Fica pior ou fica melhor?
A realidade das palavras, porque de realidade se trata, normalmente, surpreende-me!
A realidade das palavras escritas ...!
Ditas leva-as, amplificadas ou reduzidas, depauperadas o vento mas escritas ...
Como um desenho, nos seus recônditos recantos, ecoam incisivas e contundentes recortando o silêncio da sua maior ou menor obscura claridade ressonante.
Sopro de um canto primevo, rastejam no suporte, seu chão, como amaldiçoada serpente ávida de absolvição ...
A realidade das palavras escritas obstina-se em levantar a cabeça, ousada e pecaminosa, como fruto pronto a ser colhido e deglutido, mascado, mastigado de sabor a sabedoria.
O fruto dessa árvore proibitiva, costela recriada da nossa própria carne, é o fruto que nos permitiu dar o salto da simples realidade desvanecente tornando-a perene e fazer-nos soerguer no conjunto do real.
Sempre que escrevo, teimosamente, obstino-me em levantar a cabeça!
Levanto-a para lá de todas as maldições, a desafiar tronos e potestades ...
Sempre que escrevo ... quem me diria que, serpenteante, aqui me conduziria aquilo que acabo de escrever!?
Quando escrevo, no magnificente não dito os contornos do imaculado a circunscreverem, cercarem, seduzirem, na vontade obstinada de me erguer!

-
ao sabor da pena, nas ramificações da sua frondosa árvore irradiante, metáfora da metáfora da Criação, remeto para Quando Escrevo I e Quando Escrevo II
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Magnificat a três vozes
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 10 de Dezembro de 2010

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

QUANDO ESCREVO - II -

Sempre que escrevo ... desejo ser explícito, tão explícito como a claridade matinal de um dia de Sol radioso que ilumina a árvore, irradiante, luxuriante de saber ...
Começo numa ponta:
Sempre que escrevo ...
E logo deparo com um enovelado intrincado de nós fortes a terem de ser desimpedidos.
Um aqui, outro ali!
E como a tecedeira, apronto-me a desfazê-los desimpedindo a teia e desembrulhando o fio para o tear.
Sempre que escrevo e desimpedidos os nós, um aqui e outro ali, que me tolhem na progressão da tecelagem, entro em velocidade de cruzeiro ...
E dado o pontapé de saída que logo se começou a desenhar ao princípio deste texto num desejo límpido e cristalino como uma manhã de Sol frio e radioso de Inverno que desponta por entre os ramos de uma árvore, entrando em velocidade de cruzeiro quase que apenas bastara deixar que os meus dedos continuassem a dedilhar saltitantes e ao acaso deixando que o acaso se instale, casuístico, contudo.
Sempre que escrevo e desimpedidos os nós, um aqui e outro ali, que me tolhem na progressão da tecelagem entro em velocidade de cruzeiro e finalmente sei, agora sei, que daqui resultará como um tapete, um espaço virtual como a escrita o é, intangível e imaculado, que qualquer um poderá pisar e sobre ele movimentar-se para lá de todas as fronteiras físicas conhecidas.
Sempre que escrevo
... e mesmo que aos soluços na construção de uma simples frase, dedo ante dedo, sei que ao mundo acrescento novos mundos e mesmo que estes sejam não mais, se tanto mais (!), do que um simples tapete voador.
Até porque o Mundo é muito mais do que aquilo que parece ou que simplesmente se toca ou vê!
-
Ave Maria
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Dezembro de 2010

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

QUANDO ESCREVO - I -

Sempre que escrevo qualquer coisa e tantas, tantas foram já as que escrevi (!), penso nela como a única e derradeira, que outras mais já não justificariam ...
Como se naquele escrito, tudo o que houvesse para escrever estivesse lá!
Já não me sento como dantes, a ler e a reler em voz alta e dando-me conta, perplexo, de todos os harmónicos contidos no que acabara de escrever ...!
Harmónicos ou conteúdos, o subentendido do escrito, do unissonante que da tónica à dominante e à subdominante, por aí fora, as escondem e que estando lá não são, não têm de ser, necessariamente, tocadas para que como matriz se sintam, oiçam.
Como se do não escrito que é o escrito, ele apenas lá estivesse, aqui estivesse para fazer sobressair, subtilmente, o não dito ao qual apenas lhe seria necessário determinar, desenhar, que é o que a escrita é, os contornos, o imediatamente visível.
Por paradigma ou padrão, um exemplo:
Na religião que professo diz-se que ao Santo Nome se não deve invocar em vão.
E não deve mesmo!
Ao Nele se acreditar, Ele está implícito no que se evoca, no que se escreve também:
Implícito, latente, emergente!
E é do quadro que aqui desenho em mais um escrito, ou seja, um não escrito, que dele sobressai, eventualmente, o Seu perfil.
Quando a Ele explicitamente se invoca, esmagado, sufocado nas Suas poucas letras sempre possíveis de dilatar, é certo, o Seu perfil não se expande ao ponto de, plurissonante que O é, ser-nos impossível como O é, de facto, precisar a Sua imensa e indeterminável abrangência, perfil magnificente com rigor!
Perdemos, nós e cada um de nós também, a abrangência que, eventualmente, no santo nome, sacrossanto lugar que cada um de nós é (!), porque feitos à Sua imagem e semelhança, quando encarados à luz da fé e cidadã ou cidadão inviolável, se à luz da lei, abrangência que desejaríamos ter ...
Ser!
O mesmo se poderia dizer na inversa, quando e se Nele não se acredita.
E não há nisto nenhuma vergonha em O invocar e nem relativismo ético ou moral de qualquer espécie.
A melhor maneira de se escrever sobre um assunto, qualquer que ele seja, é dele se esboçarem, apenas, os seus contornos.
Claro que é preciso saber-se fazer um esboço, de tal maneira que nele, com abrangência e demais subtileza, o máximo nele se consiga abarcar, guardar ...!
O que se guarda, resguarda-se, abrangente, num coração sem fronteiras que a escrita ou consegue ou não consegue traduzir!
-
Música da Grande Cúria
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 6 de Dezembro de 2010

domingo, 5 de dezembro de 2010

ADVENTO - II -

Carola Onkamo, Passing through Universe
-
Advento
bradam os ventos
pois se se erguem aos céus
no que se esconde
entre véus
-
Advento
de novos tempos
Menino não vejo nos teus
vontade que queira
aos seus
-
Advento
são vãos os lamentos
baralham sinais e tormentos
que nos atingem de chofre
e que de nós fazem réus
-
Advento
na aparência só inventos
a Ti te escondem na névoa
que nos cega
nesta treva
-
Advento
azevinho penhorado
é Teu anúncio o brado
mais consistente
e amado
-
Doce Memória Futura
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 5 de Dezembro de 2010

sábado, 4 de dezembro de 2010

CULTURA DE GUERRA OU DA PAZ - III -

A guerra ou a Paz começam num gesto e um gesto, sendo palavra, é cultura.
-
cultura de guerra
-
A cultura de guerra assenta no segredo e na desconfiança, em não se querer ver no Outro um par e igual, nos juízos de intenções que ao Outro as atribuem antagónicas e em prejuízo das nossas, na força física e no princípio da violência, isto é, na intolerância.
-
cultura da Paz
-
A Cultura da Paz assenta na transparência e na confiança, em querer-se ao Outro como par e igual, em não se lhe atribuirem intenções antagónicas ou em prejuízo das nossas, na entrega e no princípio da não violência, isto é, mais do que na tolerância, na aceitação plena do Outro.
-
Enverede-se por uma ou pela outra, a alguém tem de caber a iniciativa Política de ao ciclo de violência o quebrar instilando a Paz, nela persistindo com determinado e persistente afinco e essa iniciativa Política que aprofunde a Democracia ao cidadão singular apenas lhe pode caber já que o institucional, por mais democrático que o seja, vive contaminado pelo primado da violência e da guerra que, aliás e ainda que apenas psicológicas, historicamente o justificam.
Para que o institucional se descontamine do princípio da violência, em decisão institucionalmente histórica, transparente e global de consagração do singular, pergunta-se, então:
Guerra ou Paz?
Eu quero e faço há muito pela Paz!
-
ironia das coisas, diante de nuvens de censura e de uma greve selvagem anunciadas e declaradas no espaço geográfico democrático
oxalá se saibam ler e agir, decidindo institucionalmente em coerência, ao encontro da Paz, perante os sinais dos nossos conturbados tempos
-
Guerra e Paz
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 4 de Dezembro de 2010

sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A FALÊNCIA DO SECRETISMO - II -

As estrondosas revelações a que o site Wikileaks tem tido acesso e que publicamente dá, numa torrente imparável, a conhecer, levanta a questão premente da transparência na informação e, sobretudo, nas sociedades que se querem livres, democráticas e abertas.
Até que ponto concorrem ou não, estas informações amplamente disponibilizadas, pela quebra do sigilo que desencadeiam, para o desarme dos Estados de Direito, da Comunidade Internacional, perante ameaças as mais diversas que às suas soberanias as possam atingir?
Vou pôr a questão de uma outra maneira:
Até que ponto é que na sociedade da informação, à informação será possível retê-la?
Haverá uma fronteira a partir da qual seja possível ou legítimo, à luz do Direito, impedir a circulação da informação?
E que fronteira poderá, então, ser essa?
Não será a própria desinformação, informação r
eparável, por suposto, à luz do Direito?
Postas as perguntas fica e dilemática das respostas ...
Eu, pela minha parte, se zelo pela minha privacidade não gosto de ter um discurso nas costas e outro na frente dos meus interlocutores.
O que lhes tenho para dizer, digo-lhes cara a cara!
E fico desarmado por isso!?
Ou nessa igualmente desarmante outra face da mesma moeda que me caracteriza e que me impede, em simultâneo, de ao meu interlocutor lhe fechar a porta na cara, na transparência que aos meus gestos os acompanha, quem ficará desarmado, será ele ou serei eu, pese embora a opacidade que ainda prevalece e da qual o meu interlocutor se fará, por ora e na fonte do esgotado poder que advém do sigilo, eventualmente, valer!?
Não vejo como, na confiança que importa instilar e à qual os próprios e tão mitificados mercados, nervosos, reagem e fazem crescente apelo para não falar já na urgência da distenção global, seja possível salvaguardar o segredo dúplice, o off do on sempre furados ou fazer prevalecer a omissão ou a censura, na falência que de ambas, em nova atitude, se faz anunciar em nome da transparência por todos cada vez mais persistentemente reclamada!
E que como um Madrigal se anuncia ...
Desarmante!?
Sê-lo-à ...!
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no primado da Cultura, da Paz
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 3 de Dezembro de 2010

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

O PRIMADO DA LÍNGUA - I -

Ilustração alusiva ao primeiro de Dezembro de 1640
-

Neste dia primeiro de Dezembro em que se celebra a restauração da independência de Portugal e o fim da dominação filipina, impregnando a celebração de actualidade, volvidos que são trezentos e setenta anos sobre o ano de 1640 em que estes acontecimentos tiveram lugar, sugere-me a data, tão só, erguer o primado da nossa língua sobre todas as contingências que no passado, tendo tido lugar e expurgada a data de todos os chauvinismos patrioteiros, ajudaram a que esta se moldasse tal como nos chegou à actualidade e não de outra maneira, fosse ela qual fosse.
O primado da Língua ...!
Num tempo em que outras e talvez não tão claras contingências interpelam as nossas soberanias tanto singulares como colectivas, não é demais erguer a língua portuguesa a par do conjunto das línguas vivas e elas acima de tudo como os lugares pátrios onde, criando as nossas autonomias, às nossas soberanias também as consolidamos.
É no primado da Língua que números e tudo o mais assumem a sua identidade própria!
É no primado da Língua, das línguas, que se reforça a diversidade imprescindível na afirmação de uma identidade colectiva
que hoje só faz sentido se o for global também!
É no primado da Língua que se eu sei quem sou, sei também quem tu és, fales que língua falares, nas diferenças que se nos imunizam também nos complementam, num Mundo que se é uno só pode ser diverso e enriquecedor!
No primado da Língua, das línguas, o mesmo é dizer da Cultura, somos todos mais fortes e, seguramente, melhores!
Neste primeiro de Dezembro em que se evoca, também, o Dia Mundial da Sida, no primado das línguas e da Cultura, vias de comunicação de excelência e nossa Casa Comum, importa, sobremaneira, reiterá-las!
Tudo o resto são ... minudências!
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Going Home
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 1 de Dezembro de 2010