sexta-feira, 5 de outubro de 2012

HÁ VINTE E TRÊS ANOS

 
 
 
 
 
Desde que há vinte e três anos me dirigi, diretamente, às mais altas instâncias da representação política democrática em Portugal, na simbólica de todas elas à escala global, que um silêncio esmagador se instalou à minha volta.
Em resposta, porém, sempre em resposta a esse silêncio, o meu silêncio tem sido, não apenas reflexivo recusando qualquer resignação, não violento por certo, mas sempre mais e mais redistributivo.
O que aqui escrevo, sendo silencioso como a escrita o é por natureza, redistribui:
Não se rende, não se resigna, leva quem me lê, proactivamente, a pensar e persiste com toda a resiliência.
É um silêncio cheio, inconformado e assim me mantenho na convicção de que a Democracia não é, apenas, a salvaguarda dos instrumentos que garantam a sua representatividade formal mas, também, aquilo que resulta do livre contraditório que se explane, desenvolva e demonstre.
É também uma atitude que permanece e que às instâncias democráticas lhes conferem todo o benefício e pese embora o silêncio e a aparente indiferença que se obtenha como resposta.
 
Há vinte e três anos.
Quem aguentaria tanto tempo sem partir a loiça, não exercendo, por isso mesmo, a violência verbal ou física, sendo que, muito pelo contrário, ao benefício o reforço neste meu silêncio tão intensamente preenchido.
Tanto mais quanto, é bom de ver, a situação crítica que se abate, implacável, contra eleitores, contribuintes e cidadãos livres que o são cada vez menos.
E tanto e tanto mais ainda quanto, como eu, gozo, ironia das coisas, desde há tantos ou mais vinte e três anos, de uma situação profissional sempre mais e mais precária.
Não foi por acaso que escrevi o meu texto anterior, Um Esmagador Silêncio, ele espelha, certamente, a minha situação que, no entanto, se preenche de uma obra que cresce sem parar e que vai buscar a sua sustentabilidade à música que sempre a acompanha.
A música das palavras é a expressão livre do meu silêncio.
 
A Democracia é a nossa maior riqueza mas ela ou se aprofunda ou está condenada, na melhor das hipóteses, a tornar-se numa farsa.
Aprofundar-se significa desenvolver o livre contraditório longe da pressão ou das demagogias mediáticas ou eleitoralistas:
Escrevo sempre na esperança de uma resposta mas sendo a resposta o silêncio, refiro-me ao silêncio dessas mais altas instâncias que referi, o meu silêncio, como resposta, preenche-se, teimosamente e por cada texto que escrevo, cada vez mais.
Preenche-se cada vez mais e sempre na tentativa de ao silêncio que recebo como resposta, o interpretar, positivamente, de volta.
Na tentativa de o contrariar, fundamentando-o e salvaguardando o benefício que a elas, a essas instâncias, porque a elas não há alternativa democrática, lhes estou sempre pronto a conceder.
E pese como pesa, embora, tudo!
Não vejo, confesso-Vos, como se possa viver senão em Democracia e ela vai estando cada vez mais sitiada e comprometida.
Fragilizada por consequência.
E no dia em que à palavra a deixarmos de poder ter, livremente, como pão para a boca …
Aí morreremos triplamente:
Morreremos porque a morte é o destino mais democrático que a todos, por igual, nos espera;
Morreremos à míngua de pão, o pão nosso de cada dia;
E morreremos porque sem o exercício livre e aprofundado da palavra, deixaremos de ter, livremente, a capacidade de nos reinventar.


neste 5 de Outubro o meu é, seguramente, um esmagador silêncio




Jaime Latino Ferreira
Estoril, 5 de Outubro de 2012
 
 
 

2 comentários:

Hanaé Pais disse...

Nem sempre o silêncio é uma boa solução.
Porque existem respostas que carecem de justificação.

O silêncio pode ser considerado um acto de pouca coragem.

A palavra tem um poder destruidor ou regenerador.
Temos sempre a opção de um profundo solilóquio ou usar a palavra e o silêncio num tempo coalescente de inteligente interação.
Sem a morte por perto como um axioma de impossivel contradição.
Morte a única verdade irrefutável, incontestável.
Haja tempo para a reflexão...

manuela baptista disse...

as altas instâncias actuais andam a falar sozinhas

mas a liberdade, a democracia, uma vez experimentada
apenas à força nos será tirada e aí,

continuará a ser livre como o vento, uma e outra e mais outra vez