Usei, precisamente, um
soneto para esgrimir argumentos sobre a relação entre forma e conteúdo.
Haverá forma literária e paradigmática
mais rígida do que aquela que preside à construção de um soneto …?
Segundo o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa,
soneto ou composição poética formada de
dois quartetos e de dois tercetos.
Ou ainda, na sua estrutura
e segundo a Wikipédia:
O soneto pode ser apresentado em três formas de
distribuição dos versos:
Soneto
italiano ou petrarquiano: apresenta duas estrofes
de quatro versos (quartetos) e duas de três versos (tercetos);
Soneto inglês ou shakespeariano: três
quartetos e um dístico;
Soneto
monostrófico: apresenta uma única
estrofe de 14 versos.
Depois, ele há as
variáveis da rima, do ritmo e da métrica, em si mesmas musicalidade e
matemática, conteúdos que lhe estão implicitamente escondidos …
Forma tão antiga de
composição poética quanto remonta ao século XIII e que chamei, aqui, à colação!
Aqui, num simples soneto onde,
obedecendo a uma rígida estrutura formal a instilo de conteúdo e, exatamente,
para falar da relação entre forma e conteúdo, tão velhas reflexão e polémica a
preencherem páginas e páginas sem fim, forma e conteúdo que o são
indissociáveis do soneto.
Ou melhor, onde,
precisamente por, na sua construção, ter de obedecer a tão estritos cânones
formais estes e talvez por isso mesmo se preenchem de conteúdo!
Forma e conteúdo.
Tenho, invariavelmente, a
sensação de que é aí que reside a criatividade:
Aí, no cumprimento de
estritas regras formais ou para dizê-lo de outra maneira, no cumprimento de
rígidos constrangimentos ou suor que nos possam condicionar e, logo, desafiar ou fazer inspirar, respirar também.
Naquela pequena margem que
pesem as estritas regras a que não podemos fugir, repito, sempre existe!
Aliás, que maior rigidez
do que aquela que da palavra não nos deixa fugir?
Palavra, como ela se
escreve na composição, na sua relação com todas as outras?
Simbologia sem a qual não
criaríamos fosse num simples soneto ou de qualquer outra forma?
Palavra.
Logo na palavra a forma e
o conteúdo!
Na palavra …
Na palavra e nos seus traços encontrava
o que crio para lá do que lá estava
nela vejo de sobejo o que não via
quando a escrevo e quando a penso porque a lia
Nos meus versos ou na prosa que ela cria
neles sinto o que lá cabe e a maresia
todo o mar nas marés que cavalgava
mais ainda o universo que cantava
Na palavra cabe a forma que a moldava
cabe tudo e o oceano que a banhava
sem o qual nem ao sal o soletrava
Sem o qual nem às partículas sentia
nem tão pouco à vontade a soerguia
que a preenche quer de noite e quer de dia
no traçado de uma palavra, o conteúdo
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 31 de Março de 2012