quarta-feira, 15 de junho de 2016

CARTA ABERTA AO UM











Meu Caro Um,

Antes de mais nada quem és tu?
Tu tanto podes ser um cidadão anónimo, desconhecido, um entre os muitos dos meus leitores neles incluído, quem sabe e por paroxismo mas não menor realismo, o Presidente da República ou o Mais Alto Magistrado de uma qualquer nação tanto mais quanto democrática pois que todos, protocolarmente, se equiparam entre si.
Posto isto, vamos ao que interessa:
Já terás reparado, julgo, que em ti insisto cada vez mais recorrentemente, em círculos concêntricos, fechando em tenaz argumentativa, um cerco.
Um cerco de reflexão teórica e não de coação física ou psicológica.
Um cerco com todas as nuances da estratégia e da tática militar mas sem recurso a qualquer grau de violência.
Um cerco de aprofundamento e pacificação.
Um cerco que teve o seu início pelo envio das minhas Cartas Credenciais de há vinte e sete anos atrás, cartas essas disponíveis neste álbum e que até aqui, com toda a transparência, me conduziu.
Me conduziu a ti, ao um soberano.

Um.
O um também posso ser eu mas aí, o cerco, feito a mim mesmo, seria paroxismo maior.
Quixotesco exercício, autocombustão de mim mesmo.
Luta contra os meus próprios fantasmas ou contra espúrios moinhos de vento.
Não, não é disso que se trata ou admitindo tratar-se, então sou eu e o outro que remete, de novo, para o um acima considerado.
Esta minha carta trata, pois, de quê?
Da indivisibilidade do um.
Trata da impossibilidade de o subtrair a si mesmo.
De na unidade que representa, não ser de esquerda ou de direita, subdivisível em partes na holística que da realidade o um, no seu todo, sempre reflete.
Trata de nessa qualidade soberana mas tão displicentemente considerada, não colidindo com o outro, os outros ou os nós, ser reconhecido e consagrado, politicamente consagrado nas provas que aferindo das suas intenções, as venha a dar ou tenha dado e comprovado sem infringir as regras da convivência democrática.
O um, eu incontornável.

Pela escrita é impossível uma pessoa, um cidadão desvendar-se de uma só vez ao arrepio da música que sendo polifónica, multivocal, em si mesma e pleonasticamente, verticalmente harmónica, portanto, tem outro grau de densidade e de profundidade, de instantaneidade também.
Pela escrita, uma pessoa vai-se, aos poucos e poucos, num solo contínuo, desvendando.
Mas é, antes de mais, pela escrita que uma pessoa, um um, através dela registando-se, dando-se à estampa melhor se desvenda até porque aferindo das suas intenções coisa que só o tempo o permite testar.
No princípio era o verbo, qual verbo o seja, a palavra ou através dela e para quem creia, Deus.
Deus ou um eu permanentemente dividido entre os caminhos a seguir e que entregue a si mesmo, exercendo do livre arbítrio, da Liberdade, opta e decide.
Vou por aqui ou vou por ali?
Quem me dá pistas?
Incansável, no emaranhado do real, pelos outros, descortino-as eu.
Dia após dia, mês após mês, ano após ano e para lá dos indicadores estatísticos, das sondagens, dos estudos de opinião ou das conveniências táticas, tacticistas do momento.
Decidindo em mim e comigo tendo em conta o bem comum que reflito.
Eu como todos nós.
Tendo em conta o interesse democrático global ou seja, o Interesse Geral, bitola essa que me move.
Refletindo de mim para comigo na profundidade do um.

Ai dos que pensem que a Democracia se resumiria a eleições periódicas, incontornáveis, sabemo-lo, entre as quais nada mais restaria ao cidadão comum ou incomum do que votar nas eleições seguintes ou manifestar-se, ruidosamente, na rua.
Estaria mal a Democracia como, à palma dessa práxis prevalecente, por tortuosos caminhos ela vai derrapando.
E o contraditório, tanto mais quanto tendo o silêncio por interlocutor preponderante?
A força intrínseca da capacidade argumentativa?
Que espaço lhe não deverá ser consagrado para lá dos estritos limites dos arranjos institucionais, num dado momento, prevalecentes?
Que lugar permanente ao exercício, em si mesmo político, da cidadania?
Ou será que, para o cidadão comum, a política se extingue para lá da rua, das eleições ou, queixai-vos então, de práticas menos ortodoxas ou inconfessáveis?

Esta carta ficará ao teu dispor como, também e por inerência, ao dispor do Presidente da República ou do Mais Alto Magistrado, repito e cercando-te a ti, a Ele enquanto mais alta instância da Democracia também o cerca resiliente e sem recurso, por uma vez que fosse, a qualquer tipo de coação ou de tropas de choque seduzindo o um do topo à base da pirâmide pelo que imagina o impulso que por via do reconhecimento deste subtil quanto pacificador um que eu também sou não seria dado na credibilização tão em défice do institucional democrático cada vez mais distanciado do um pois que é essa a preocupação central que desde o princípio me move e urge colmatar?
Que imensidão de angustiantes sinais não despoleta por toda a parte e que a essa assertiva quanto oportuna preocupação a legitima?
A Democracia, encontra-se ou não fragilizada?
Urge ou não aprofundá-la?
E em que direção o fazer senão aquela do um onde o aprofundamento, no seu pathos, reside?


O  UM


O um és tu
é ele
o Povo
a graça que me deu
enérgico pulsar que bate
em mim
sou eu



Caríssimo Um,

De mim para contigo, tu que és eu, tu-nós, vós, eles, elevando-te e não rebaixando-te, obrigado pela tua paciência, Prezado Um e aceita as minhas mais cordiais saudações










Jaime Latino Ferreira
Estoril, 15 de Junho de 2016