domingo, 27 de maio de 2012

TANTO DÁ ATÉ QUE FURA





Tende-se a ver o que nos rodeia mas que nos transcende e isto sem escrever sobre a religião, tendo o homem por centro ou representando esse transcendente próximo sob a forma ou à escala humana num antropomorfismo de que dificilmente se consegue sair.
Por exemplo:
Diante das alterações climáticas e ambientais, não raro e com razão se associam estas à sobrevivência da vida na Terra identificando explícita ou implicitamente esta última com a própria vida humana.
A mais das vezes, porém, esquecemo-nos de dizer que de uma ou de outra maneira a Terra, com ou sem vida que esteja em condições de poder albergar, essa estará em condições de subsistir independentemente de poder ou não, no futuro, continuar a reunir as condições de à vida humana a acolher.
A Terra pode passar sem nós mas nós é que não estamos ainda, longe disso, em condições de passar, de sobreviver sem ela!
Azul ou de outra cor qualquer, viva ou morta e tal como entendemos a vida e a morte, até nisto antropomórficos, a Terra não precisa de nós para continuar a existir.

Num antropomorfismo por vezes constrangedor e pesem como pesam todos os exponenciais avanços científicos, tudo tendemos a ver à nossa escala, à escala humana.
É a essa escala, aliás, que moldamos o próprio planeta tentados que somos, inconscientemente ou não, a ser levados a pensar que ele é que não sobreviveria sem nós.
Mais, que o Universo é que não sobrevive sem nós!
O tempo é o nosso, o espaço é o nosso, tudo é feito à nossa escala, à nossa imagem e semelhança.
Até Deus quando, quanto muito e para quem Nele acredita, é precisamente o contrário!

Tanto dá até que fura.
Tenho vindo, deliberadamente, a insistir termos atravessado um Buraco Negro.
Deliberada, recorrente e, desculpai-me, cada vez mais repetitivamente.
Ora, diz-se, se é buraco e se é negro ou é metáfora, alegoria poética ou brincadeira de mau gosto.
Diz-se mais, um buraco é um buraco, coisa pequena e de travessia instantânea.
Mas se é negro só pode ser um mau presságio, conclui-se.
Simulados em computador, à escala humana, portanto, os buracos negros engolem tudo e num ápice, sóis, planetas e toda a demais matéria, energia que os circunda, tudo, repito, num golpe de asa desintegrador.
E tudo é visto à escala humana, mais, sendo nós simples observadores que, na plateia, observaríamos o que no palco, no cosmos transcorreria.
Distantes como simples espectadores, deuses encartados de uma sui generis imunidade.
Mas o que dizem os cientistas?
Dizem o que sabem porque dos buracos negros sabe-se muito pouco:
Em primeiro lugar, dizem que não se vêm, daí serem negros e que apenas pelas perturbações que à sua volta desencadeiam são levados a pensar ali, algures se situarem;
Dizem que podem ser monumentais, tão monumentais que só assim se explicaria poderem engolir tão largas porções do céu, incluídas estrelas, sistemas solares inteiros e por aí fora;
Dizem que do outro lado, quais aspiradores do céu, numa outra dimensão, a energia absorvida inteira permanece mas só não sabem como ela fica organizada pressupondo que, por efeito da travessia, ela sofra ligeiras ou maiores alterações;
Dizem ainda que uma vez atravessados, não há retorno;
Dizem …
Só não dizem que podemos estar no centro da sua ação que não dizem ser destruidora, nem teriam como o afirmar já que não puderam ir e voltar para o testemunhar, mas que sabem ser transformadora!
Mas eu interrogo-me:
Pois se eles poderão existir neste ou naquele quadrante do Universo, porque não aqui mesmo sendo nós deles simples e irremediáveis sujeitos passivos?
Pois se lá longe não se vêm como seria possível deles nos darmos conta, para mais se atendermos às suas dimensões astronómicas, estando nós, por hipótese, no centro da sua ação?
Que essa não é aquela duma simulação informática mas antes em câmara lenta, prolongada e a estender-se no espaço/tempo, a uma escala cósmica que não tem nada a ver com a escala humana que diante dela não passa de uma fração de segundo?
E quando poderia ter-se dado o início dessa travessia, há quantos anos, dezenas ou centenas, até muito antes de a essas entidades as conhecermos e, logo, quando se poderia ela, então, concluir?
E como ficaríamos nós após a sua travessia?
Disso há uma coisa que, pela boca dos cientistas, o sabemos:
Ficaríamos diferentes, provavelmente tão impercetivelmente diferentes quão difíceis são os buracos negros de detetar, tal como a energia diferentemente, por ação da sua travessia, se passaria, ela também, a organizar!
E se diferentes ficávamos, fragilizados portanto, continuando a agir como se o não estivéssemos já, que consequências para a nossa própria sobrevivência, desse simples facto, da travessia de que nem nos daríamos conta, poderiam, a prazo e para nós, tragicamente advir?
Para mais não tendo como o provar a não ser pelas tão badaladas alterações ambientais ou pela aceleração histórica, reflexos, elas não só mas também, dessa mesma travessia, aspiração ou sucção que sempre tendemos, uma vez mais antropomórficos e em exclusivo, a atribuir aos nossos feitos ou às nossas façanhas tecnológicas como se deles detivéssemos, em exclusivo, a patente.
Antropomórficos e renitentes até à última!
Insisto:
Atravessámos mesmo um Buraco Negro!


 

 

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 27 de Maio de 2012

1 comentário:

manuela baptista disse...

eu sou mesmo antropomórfica e renitente

ou será retinente?

vou atravessar outra vez o negro para ver melhor