domingo, 4 de novembro de 2012

A FALÁCIA

há espantalhos que não espantam mais
 
 

 
A falácia a que me refiro é tanto mais grave quantas as responsabilidades de quem, sentado à mesa do orçamento a utiliza e tanto mais, ainda, quanto na situação de atoleiro em que nos encontramos sem perspetivas rápidas de inversão independentemente de quem nos governe ou venha a governar e ela consiste em afirmar que só sendo bem pagas, as pessoas conseguiriam cumprir bem as suas funções sem cuja independência, que os seus próprios honorários e regalias garantiriam, não seria exequível.
Desta falácia se pressupõe que, inevitavelmente, não sendo bem pagas, as pessoas seriam, por esta ou por aquela razão, corruptíveis ou, pelo menos, menos isentas.
Em resumo, sendo rude, direto e escrevendo sem rodeios, desta falácia se conclui que seríamos, todos e sem exceções, iguais a simples mercenários.
Pessoas incapazes do cumprimento de um Serviço e pesassem, embora, os sacrifícios a que ele nos obrigaria ou de, através dele, desse Serviço, exprimirmos e darmos corpo à nossa generosidade para com o bem comum.
Com efeito, não há corporação e tanto mais quanto a sua importância relativa, que não se levante quando a ela lhe tocam os sinais que põem em causa, qual casta, a sua suposta imunidade que a devesse colocar acima do que à generalidade dos cidadãos lhes é exigido.
Já agora, friso que o que aqui escrevo não é sinónimo de quanto pior, melhor ou de que a pobreza conteria, em si mesma, um qualquer poder salvífico.
No entanto …
 
No entanto, eu escrevo por mim, em nome próprio e em função daquilo a que a minha própria experiência me habilita e aquilo a que ela me habilita, fala e escreve por si:
Há décadas e já para não dizer desde sempre que não conheço outra situação profissional que não seja a de um progressivo apertar do cinto e de crescentes dificuldades económicas.
Conto-me entre aqueles considerados trabalhadores precários, eufemisticamente, apenas, designados como profissionais liberais e de há muito que me habituei a lidar com essa situação e com as suas permanentes incógnitas.
Esta minha situação profissional, porém, nunca me impediu de dizer ou escrever aquilo que penso e mesmo se correndo o risco de, profissionalmente, vir a ser penalizado que o fui já e por mais de uma vez.
Talvez porque goze, também, de uma retaguarda favorável e que, convenhamos, também não é alheia aos meus próprios e sistemáticos esforços, nunca tal facto me toldou ou impediu de escrever aquilo que penso, repito nem, tão pouco, a minha produção escrita, graciosa que o é, foi, em função disso, abalada, toldada ou prejudicada.
Muito antes pelo contrário:
Talvez por isso mesmo ela mantenha toda a acutilância e verosimilhança que por corresponder a uma situação real e que se vai tornando cada vez mais comum, a minha própria, aqui se reflete e, sem esmorecer, se desenvolve.
Sem perder, sequer, a minha independência ou a equidistância que tanto prezo e faço questão de salvaguardar.
Aqui me mantenho firme e não há precaridade que me abale ou demova daquilo que, livremente, arquei como um Serviço que abraço e que cumpro.
Em mim, a falácia em causa não se sustém de pé.
 
Como espantalhos que de tanto se agitarem se tornam demasiado familiares e pouco assustadores, ele há falácias que, paulatinamente, vão perdendo o pé.
O pé, a compostura e a sagacidade, elas sim, espantalhos corrompidos, fora de prazo e invadidos, como poleiros, por toda a passarada que deveriam mas já não conseguem enxotar.
Espantalhos que chegam mesmo a pôr a nu aquilo que os faz mover.
Há pessoas que pelo seu estatuto não estão em condições deontológicas de dizer que aqui estamos prontos a aguentar com todos e cada vez mais sacrifícios;
Outras há, também, que pelo seu estatuto, grandes dificuldades têm em o poder admitir;
Outras ainda há que pelas suas responsabilidades passadas ou presentes, deveriam mas era ficar caladas;
Mas quem a eles, aos crescentes sacrifícios, de há tanto tempo habituado está, pode afirmar a pés juntos que não é por isso que se perde o apego à Liberdade ou a integridade e muito menos a dignidade enquanto pessoa e cidadão livre.
Com este meu texto não pretendo, tão pouco e longe disso, já aqui o escrevi mas não é demais repeti-lo, fazer o elogio da pobreza ou do quanto pior, melhor.
Não!
Mas nós, cada um de nós, também não é uma caixa registadora que se limite a olhar ao deve e ao haver, antes somos capazes de prodígios dificilmente imagináveis sobretudo à luz de uma visão, estritamente, contabilística, miserabilista incapaz de os registar.
Às vezes mesmo, é preciso bater no fundo para nos darmos conta das insuspeitadas energias de que somos portadores e que nos fazem renascer.
Em mim como aqui, neste meu blogue e facebook, de há muito se demonstra e todos os dias assim se cumpre!


perduro, soberano, nesta atitude
 

 

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 4 de Novembro de 2012
 
 
 

7 comentários:

Branca disse...

Jaime,

Passo para deixar um abraço, na certeza de que não está esquecido,
Apenas valores mais altos se levantam, como a família, o país, etc, embora já tenha perdido a paciência para os políticos e os excessos dos comentadores, bem como para algumas falácias que realmente existem..

Acção, cada vez mais é preciso acção.

Beijinhos meu amigo.

Jaime Latino Ferreira disse...

BRANCAMAR


Querida Amiga,

Ação ...!

Que tipo de Ação?

É que, sabe, ação por ação não leva a lado nenhum ...!

O que chamará, a minha Amiga, àquilo que eu faço à vista de todos e para quem saiba ver!?

Um beijinho


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 5 de Novembro de 2012

Jaime Latino Ferreira disse...

BRANCAMAR


( ainda )

Só Lhe peço que, ao que escrevo, lhe não retire o que contém e que em mim próprio, sem retóricas, se revê sob pena de ficarmos, num diálogo de surdos, a escrever para o lado!

Outro beijinho


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 5 de Novembro de 2012

Jaime Latino Ferreira disse...

BRANCAMAR


( e ainda )

Quando no que se escreve se escamoteia a relação que o escrito tem com quem o escreve no lastro que já por quase quatro anos em quase mil textos, publicamente se estende, isso no que a este blogue e a mim próprio me concerne, assim como assim é como se a esse lastro, permanentemente, se obliterasse, exigindo do próprio que o vai deixando, de quem pela ação assim escreve, que estivesse sempre a voltar ao princípio ou à ação que caracterizando-o e que aqui se pode seguir, de quem o exige lhe leva já um imenso, incomensurável avanço e isso não contém, pela ação que o seja e que aqui se revê, qualquer critério de justiça.

Desculpe-me e uma vez mais, um outro beijinho


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 5 de Novembro de 2012

manuela baptista disse...

a falácia ilude, é um logro

se os magistrados apenas são isentos por ganharem o que ganham, então despachem-se porque a justiça é lenta, muitas vezes cega, surda e dispendiosa

tenho imensa pena por não terem ninguém que vá buscar os filhos à escola

acontece o mesmo com os médicos, os enfermeiros, os maquinistas, as empregadas da limpeza e mais um milhão de seres que trabalham de noite e aos domingos

e da precaridade ninguém se deve envergonhar, pior, é a precaridade intelectual

Branca disse...

Jaime,

Tenho imensa pena de não poder passar mais por aqui. Peço que não tenha entendido mal o meu curto comentário, gostaria de dissecar, mas passei para matar saudades, tive alguns meses de um intensivo e horrível horário que não me dava qualidade de vida em termos de disponibilidade para os amigos e muitas outras coisas.
Finalmente hoje mudei para um novo estatuto pelo qual vinha lutando.

Voltarei com mais tempo e mais atenta.

Beijinhos.

Sempre amiga
Branca

Jaime Latino Ferreira disse...

BRANCAMAR


Minha Amiga,

Não A levo a mal concerteza e, só peço que a mim me não leve, tão pouco, a mal!

Feliz com a sua nova situação, um beijinho


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Novembro de 2012