saudade é uma ponte para o futuro
Chamem-me ingénuo pela carta que na página anterior escrevi que não serei eu a ralar-me com isso!
Ingenuidade será antes escamotear a República Popular da China enquanto realidade central incontornável, realidade sem cuja assunção nada de geopolítica se poderá mais entender e nem tão pouco o que se passa na Europa;
Como ingenuidade ou má-fé será pretender ter com ela laços de fraternidade, por um lado e, por outro lado, julgar ser possível manter tudo como está neste nosso quadrante diante da sua esmagadora afirmação …
Ingenuidade …!
Má-fé …
… nem incongruência, nem ingenuidade e nem má-fé!
Corria o ano de 1980 quando visitei a República Popular da China exatamente quando, em simultâneo, era publicamente julgado o assim chamado Bando dos Quatro ou os supostos herdeiros diretos de Mao Zedong, eles próprios anteriormente mentores da Revolução Cultural, ensaio ultrarradical de fechamento da China que a poderia ter conduzido a uma situação como a da Coreia do Norte só que em larga escala, continental diria eu e em que Deng Ziaoping formulava a teoria de um país mas dois sistemas correspondente ao início de uma abertura nunca até então vista, pelo menos desde a instauração do regime comunista.
De então para cá passos imensos foram dados, a tal ponto que a China é hoje um país irreconhecível e tanto mais quanto se tivermos em conta as suas naturais idiossincrasias:
Os dois sistemas ou melhor, o sistema capitalista contaminou de tal forma o seu próprio desenvolvimento que já não há volta atrás;
A classe média despontou e expandiu-se à escala das centenas de milhões de consumidores com tudo o que isso implica em hábitos e exigências que com o seu fechamento não se compadeceriam mais;
O residual comunismo … confunde-se com o próprio estado no social que ao regime, pese embora o seu ainda monolitismo, no seu todo o imprime e o regula …
Depois há outros fatores a ter em conta tais como a coesão da sua imensa escala e a tradição imperial que, pese embora, o próprio regime comunista herdou, moldou e à qual ficou condicionado sem dessa teia, na tradição que consigo, duplamente, transporta saber ou ter dificuldade em sair!
Imaginem que, subitamente e perdendo o controlo, o regime se desmoronaria!?
Que ondas de choque tal não desencadearia não apenas no interior do Império do Meio como à escala global!?
Que crise se somaria àquela que, globalmente, já nos afeta a todos!?
Tenho para mim e julgo que tal também advém da tradição ancestral da Cultura Chinesa que nela é, por demais, apreciada, não apenas a boa educação mas também aquilo que nela se traduz por frontalidade e tanto mais quanto vinda do exterior e seja numa carta como aquela que anteriormente escrevi.
Tenho, também, para mim que ser assim desabrido como nela o fui não será prática corrente nas relações diretas do exterior com a China.
Guardo ainda o desejo que este texto, tal como a carta anterior, sejam lidos pelos próprios dirigentes chineses na expressão não apenas da minha congruência, neles em nada abdico dos meus princípios (!), como exprimo ainda a minha boa fé em relação ao meu Destinatário!
Valorizo os passos de gigante que a China tem dado e, sublinhadamente, alerto para a impossibilidade de esta ficar a meio caminho de um desafio que a si própria, desde a década de oitenta, lançou sob pena crescente de implosão, irremediável que seria não apenas para a China mas para nós todos também!
Só mesmo quem não se dê conta da dimensão do Destinatário com quem se comunica é que poderá alimentar falsas ilusões, incredulidades ou espírito de má-fé, repito, que não se compadecem com as realidades maiores daqueles com quem se pretende, torna-se irremediável (!), aprofundar relações.
Dirijo-me ao meu Destinatário sem cartas na manga, com um aperto no coração e de mãos nuas.
Assim como sempre o faço!
a minha voz off é a minha voz on que me abafa ou vice-versa
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 9 de Janeiro de 2012
5 comentários:
Jaime
Meu amigo
Direto e expontaneo, como qualquer ingénuo que disso se orgulhe. Sabe, tenho para mim, que o olhar ausente de malicia ou o "excesso" de credulidade, não são de todo aspetos menos positivos em qualquer reflexão do mundo. À razão não advem necessáriamente o cepticimo em exagero e, abordar a realidade tal qual ela é percecionada é, antes de mais, um ato da maior e da mais profunda honestidade. Sei que tudo isso, é o que traz na "manga".
Um beijinho
Gostei imenso de conhecer o seu Blog!
Virei mais vezes visitá-lo!
se ser ingénuo
significa acreditar que os outros nos ouvem, lêem, refletem e mudam
então continua
a China tem tanto de desconhecido como de belo, como esta música
dará muitos contos por contar
Olá Jaime,
Começo por ficar contente por ver aqui a amiga Dad, que conheci pessoalmente e que foi até ao fim uma das maiores amigas do André Moa. Uma amiga leal e incondicional, uma belísima artista. Como o mundo é pequeno e por cá nos vamos cruzando todos!
Passando ao texto, digo antes aos textos, porque hoje li a carta anterior e esta confissão de ingenuidade, que não o é porque traduz uma noção lúcida da realidade.
Estamos num mundo em transformação e todos os cenários são possíveis, alertar para os caminhos mais sensatos é urgente e necessário, para que os povos se entendam sem supremacias absolutistas e sem xenofobias, porque como muito bem diz, o dinheiro não é tudo.
A música do link, bem a propósito é muito linda e tranquilizadora...
Beijinhos
Branca
Olá, Jaime.
Isto da ingenuidade (como quase tudo) tem muito que se lhe diga. Neste caso, talvez deva dizer-se dela abençoada ingenuidade, que tanto promove a lucidez própria e, até, a alheia.
Grande abraço.
JC
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