DE NOVO AO PRESIDENTE DA REPÚBLICA DE PORTUGAL
Professor Dr. Aníbal Cavaco Silva
Excelência, Caríssimo Amigo,
Nem vou entrar em pormenores e a razão por que o não faço prende-se, tão só, com o facto de não alimentar qualquer voyeurismo, mas desabafar, em Seu nome ou naquele de Sua mulher como já antes aconteceu, parte do valor que recebeis de reforma é, em si mesmo e no mínimo, infeliz!
Das duas vezes que o meu Amigo sobre o assunto se pronunciou, convenhamos, deu para perceber que, somada a Sua à de Sua mulher, tendes à cabeça um rendimento mínimo equivalente a, pelo menos, dois mil euros, isto se somarmos a Sua à pensão de Sua mulher.
Tudo isto já sem referir os valores da reforma que recebeis do Banco de Portugal e que não haveis especificado que, provavelmente, já ontem o alegava, informado, Mário Crespo no Jornal das Nove da SIC Notícias, quintuplica este valor.
E, no entanto e publicamente, desabafais …
… que tremenda inabilidade política!
Eu sempre pensei que, por inerência do lugar que ocupais e já para não falar do Vosso extenso currículo político, éreis uma pessoa particularmente informada, sensibilizada portanto, sobre a situação real do país e, logo, dos reais constrangimentos que afligem os Vossos concidadãos …
É certo, sou o primeiro a admiti-lo (!), que em termos absolutos e se atendermos ao facto de que haveis tido de prescindir do salário correspondente ao cargo que desempenhais em proveito das Vossas reformas, provavelmente, os Vossos rendimentos líquidos se viram reduzidos para menos de metade daquilo que recebíeis e que, se atendermos, para mais, à função que desempenhais, esta tem encargos que o cidadão comum não conhece.
Mas não é menos certo que à medida que o tempo passa, o cidadão comum tem crescentes dificuldades em, como eu, colocar-se na Sua posição e tanto mais quanto, entre o lamento e o desabafo, o confessais publicamente …!
Contas redondas, um rendimento mensal aproximado de dez mil euros …!
Sabeis, porventura, qual é o meu rendimento singular?
Nem Vo-lo digo, tenho disso não vergonha mas pudor …!
Porém, se Vo-lo dissesse, não estranharia que alegásseis, de pronto, a fábula da cigarra e da formiga, Vós, a formiga e eu, a cigarra …
Como se, de acordo, aliás, com uma certa formação de economista, tudo se resumisse a dinheiro.
Não se resume e, por isso mesmo, não sou voyeur …
Mas que este Vosso desabafo público choca … choca!
É que, devíeis saber, à medida que se adensam as medidas de austeridade, com elas cresce a intolerância ou a crescente dificuldade em atender ao lugar do Outro!
A Cigarra e a Formiga.
Todos nós fazemos opções na nossa vida e eu, de há muito, optei por investir na palavra!
Que peso tem a palavra?
Que valor tem ela, pergunto-me!?
Quando escrevo que invisto na palavra, a ela me refiro no seu mais amplo sentido, incluindo o seu mais nobre sentido político que a ela me compromete e envolve, obriga (!), na coerência tão em tamanho défice que a ela me impede de alienar.
E esse é o défice que explica, escrevo recorrentemente sobre o assunto, tantos outros défices …!
Dez mil euros …
Dez mil euros mensais são muito dinheiro e eu nem consigo imaginar o que com eles faria!
Não tenho de Si qualquer inveja mas certo é que, se com o que ganho invisto o que invisto, quanto mais não investiria com dez mil euros mensais!?
O Seu desabafo demonstra quanto se desvaloriza o dinheiro.
E a palavra, desvaloriza-se, ela também!?
Obstino-me, veja lá, em pensar que não!
A palavra não se desvaloriza e tanto assim o penso quanto, ainda hoje, aguardo respostas ao que, desde há mais de vinte e dois anos tenho escrito aos Seus antecessores e a Si próprio também na convicção de que as pessoas mudam mas os cargos permanecem!
Aguardo, aguardo e aguardo …
E o meu Amigo, imagine-se (!), desabafa.
Vosso
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 21 de Janeiro de 2012
6 comentários:
o Cavaquistão no seu máximo esplendor e abundância
ai que saudades de um boa luta, Natália!
Sem comentários mais longos que apenas considerar que os políticos perderam a noção do ridículo e o ridículo já não tem limites..., como já afirmei na página de José Tomaz Mello Breyner, no facebook.
Gostei de ouvir José Mário Branco, uma boa escolha para este texto.
A nossa única esperança são pessoas com ideologias, porque não as vislumbramos em quem nos governa, nem ideologias coerentes, nem princípios, nem o mínimo de sensibilidade, em afirmações como estas.
Um beijinho Jaime.
Até breve.
Branca
e acrescento
nunca imaginei, tanto tempo depois
a actualidade desta Queixa
para tirarmos um retrato triste da nossa história e que não haja mais palavras para o medo
Já tudo foi dito, amigo Jaime!
A indignação sobe ao rubro e sem rumo continuamos a permitir estas barbaridades.
Porque está o povo tão sereno?
Beijinho
Ná
Que bonito, Jaime, e que lúcido! Exactamente o oposto do comentário a que se refere, o do pobrezinho. É certo que a pobreza de espírito também é digna de pena mas, por enquanto, só sinto indignação.
Parabéns pelo seu investimento na palavra!!
Patrícia
Estava à espera deste texto, Jaime.
Quanta verdade pelo seu lado, quanta falta de vergonha pelo outro.
Por favor, tenhamos dó de quem é pobre de espírito e não demonstra, aparentemente,respeito pelos outros e para mais vindo de quem vem.
Enfim...
Um grande beijinho
Filomena
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