Sendo certo que há crimes e crimes, que se trata, por isso, de uma maneira de escrever, pareceu-me que este seria um título apropriado para o que se vai seguir:
Acontece, amiúde, nas minhas aulas, aulas de expressão musical que, perante a algazarra que por vezes se instala entre os meus alunos, jovens quási adultos e que mais se assemelha a um pensar em voz alta com dificuldades de ao pensamento o conseguirem introverter abstraído em si próprios, expectante e depois de ensaiar mais ou menos de improviso inúmeras estratégias, fico a aguardar, paulatinamente, que o silêncio se instale na sala de aula.
É então que, de suas bocas, não menos amiúde, oiço expandirem-se as mais bizarras teorias que tendo por base a metáfora da cenoura e da chibata ou da chantagem como pedagogia, pura e simples, se exprimem como seja:
- Ó professor, pois o professor não castiga, como quer que nos calemos …!
- Se o fizesse, seguramente que nos portaríamos de outra maneira!
- Então, não sabe que as faltas disciplinares estão aí para alguma coisa!?
Invariavelmente fico impressionado com os argumentos invocados e recordo-me dos tempos em que eu próprio era aluno e em que eu como os meus colegas nos insurgíamos contra o autoritarismo à época reinante …
Estarei a ficar velho!?
Como será possível ouvir dos meus alunos tais afirmações, em si mesmas apologéticas do autoritarismo!?
Para mais, a ser exercido sobre si próprios!?
Crime e castigo …!?
Não, por tal, não acho que esteja a ficar velho, simplesmente, educar para a Liberdade é muito mais difícil de o fazer!
Pois se por não serem, voluntariamente, aplicados pelo professor, os instrumentos que estão ao seu dispor suscetíveis de quebrar essa algazarra punindo os seus mais proeminentes mentores!?
Pois se por achar que o castigo, se infunde o medo, não interioriza regras de Liberdade!?
Pois se, eu próprio, não tendo sido educado nesses parâmetros, o castigo tal como a punição foram práticas normalmente ausentes do meu percurso educativo não tendo sido pela sua ausência que perdi a noção do bem ou do mal fazer ou das normas democráticas de convivência …!?
É certo que fui uma vez punido, suspenso por dois anos da escola onde estudava, por razões políticas ou pelo assim chamado delito de opinião, mas isso não me fez mudar de ideias …!
Responsabilidade.
Ser livre não é fazer o que me der na real gana, é antes, pelo exercício da Liberdade, aprender a conviver e a discernir.
Aprender que se esse exercício entronca com direitos, estes estão intimamente associados ao cumprimento de deveres.
Eu como aluno, eu como professor, eu como cidadão e que estes, direitos como deveres, não apenas se ligam qual sistema de vasos comunicantes como variam de acordo com as circunstâncias referidas:
Se o meu dever é aprender, não me posso julgar detentor da sabedoria, embora a minha sabedoria, porque todos a temos, deva concorrer para a sabedoria geral;
Se o meu dever é ensinar, também não me posso julgar detentor de toda a sabedoria porque todos a temos e, por isso, tenho também de estar disposto a aprender com a sabedoria dos meus alunos;
Se o nosso dever é saber mais e melhor, temos de aprender uns com os outros, os alunos com os professores e vice-versa ou os cidadãos uns com os outros, interiorizando normas de conduta em que não nos atropelemos uns aos outros!
O crime é atropelar e o castigo também e no meio deles, o mais difícil é darmo-nos disso conta sem exercermos nem um, nem o outro.
Assim se educa para a Liberdade, por mais penoso, complicado e demorado que o seja, bem como assim para Ela se vive!
E essa é a Educação que vale mesmo a pena exercitar indefinidamente …
Escrevi-As, à Liberdade bem como à Educação, notai bem, com maiúsculas porque é delas, com maiúsculas, que escrevo!
Outro dia e para lá das matérias que vinham ao caso, nas minhas aulas, acrescentei ao Sumário do dia, depois das matérias correntes, e muito silêncio!
Como quem diz:
Na dificuldade que tendes em fazer silêncio o que apenas traduz aquela que tendes, por falta de treino, em abstrair, aprendei a pensar sem terdes de estar permanentemente a verbalizar, falando, em silêncio, convosco mesmos como se cada qual fosse o próprio e os seus colegas, o mundo, num processo interior inesgotável que a todos permite fazer ouvir-se e ouvir.
Dentro de regras democráticas, aquelas da Liberdade e que são, em si mesmas, profundamente musicais.
A não ser assim, sobra o barulho onde todos somos castigados, o crime, isto é, a ignorância, não é punido e o sonho, transformando-se em pesadelo, não é realizado.
Ter medo do castigo, qual machadada, é mais do que compreensível mas do silêncio, perdoai-me, que disparate!
das minhas aulas, nas minhas aulas, aos meus alunos
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 2 de Fevereiro de 2012