Passaram há três dias, a 27 de Janeiro, sessenta e cinco anos sobre a libertação de Auschwitz, esse abominável campo de concentração, símbolo do terror, do Holocausto, que pela execrável orgia ideológica levou ao extermínio organizado, industrial, de Estado de milhões de Judeus e de tantas outras minorias que, indefesas, sob o jugo nazi, encontraram aí como noutros campos a sua via-sacra e o inominável assassínio sistemático e em massa.
Deus estava com as vítimas de Auschwitz mas impotente para agir!
Entretanto consolidaram-se as Democracias em espaços geográficos globalmente mais abrangentes e no minguar ideológico que a experiência passada aconselhou a conter pelas barbáries que, em nome das ideologias, o século XX veio a revelar impiedosa e prodigamente.
A linguagem dos números, do factual, da estatística, das sondagens, dos sufrágios, da economia no seu sentido mais amplo foi-se, metodologicamente, impondo como factor imprescindível de análise e decisão, não o duvido, incontornável no ocaso da política ao ponto de, hoje em dia, nos interrogarmos até onde esta não se impôs como ditadura omnipresente que legitimou, pelo sufrágio, aliás (!), logo o próprio nazismo.
Não nos esqueçamos que foi pelo sufrágio universal, pelo poder dos números, que o nazismo tomou, na Alemanha do Reich, o poder!
Hoje, as Democracias confrontam-se com dilema maior:
Gastam-se rios de tinta a falar no défice externo que as abala e constrange mas mais importaria sublinhar e pôr o enfoque no défice interno do desemprego que as inquina e interpela pondo-as, pelos milhões de desempregados que da cidadania plena se vêm excluídos, directamente em cheque!
A linguagem dos números é, por si mesma, suficiente para fazer esta incontornável constatação mas insuficiente se torna para estancar e inverter o desemprego crescente que a milhões e milhões dos seus concidadãos, desprovidos do poder dos números, isto é, do dinheiro, para o limiar da pobreza e da exclusão os atira!!
A linguagem dos números não é, por si só, bastante e ameaça tornar-se na ditadura explícita deles mesmos, subvertendo os fundamentos da própria Democracia!!!
E, então, que será do um e do zero, na consideração dos números, centrais que eles são, em que se incluem!?
O um és Tu e sou eu no que logo pela palavra se explicita;
O zero é o institucional, refém dos números e das abstracções macro-económicas que a Ti e a mim, nele não contemplados, excluídos porque escamoteados na impessoalidade das projecções, nos não contempla ...
E a desconfiança cresce na proporção sem saída da ditadura dos números, tornando-nos asfixiados reféns em subliminar campo de concentração maior ou gueto e sem fronteiras, perante o défice que se avoluma.
Arbeit macht frei, o trabalho liberta, não como na cínica e arrepiante máxima que aprisionava para o trabalho escravo e a morte os prisioneiros em Auschwitz, seguramente, mas liberta, liberta e aprofunda, torna coesa a própria Democracia e enquanto não se atalhar este problema central ao qual todos os outros se subordinam, mal vamos, seguramente!
O um és tu e sou eu, uma palavra, um nome e um desempregado é um cidadão quartado do exercício democrático e pleno da cidadania.
E quantas palavras, na autoridade que lhes assiste, um nome esconde ou revela!?
E quantas palavras de integração, de inclusão, num nome se afirmam!?
E quantas palavras, por outro lado, envenenadas no hermetismo impessoal dos números, corroem os próprios fundamentos da Democracia!?
Foi num contexto crescente de fragilidade social como aquele que hoje assola, globalmente, a Democracia que o nazismo encontrou campo fértil, o fermento do ódio e da destruição e a não ser atalhada a ditadura impessoal dos números, doente que está a Democracia, não nos livraremos de ameaças tão ou maiores ainda!
Inflicta-se, centrada no Homem, a lógica dos números e dela emergirá, aí sim (!), toda a diferença democrática ...
Sim, não haverá maus nem bons mas excluídos também não os pode haver!
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Janeiro de 2010