Maria Keil, A Música
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Aos dois quadros que abrem e fecham este meu texto, adquiri-os há uma boa vintena de anos na Galeria de Colares, em Sintra, em mostra patente da Obra de Maria Keil, porque com eles me revi na história que aqui Vos conto:
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I
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A música esteve presente desde sempre, antes mesmo disso, como plasma ou viveiro, cadinho, matriz da minha inteira identidade.
Cresci com ela e nela me identifiquei.
Eu era a própria música pelo canto que naturalmente e de mim nascia e crescia mesmo no relevo desmultiplicador, concentrado da criança, na tecitura de uma voz fina, aguda, feminina, de anjo e na natural não neutralidade que a caracteriza mas que não deixava de me fornecer a minha identidade onde o futuro se revia no passado, então presente.
Se me perguntavam o que quereria ser quando crescido e embora meus pais sempre tivessem tido a preocupação de canalizar os meus dotes musicais noutras direcções que não uma voz votada ao desengano, com os meus botões respondia, nunca explicitamente pela noção do ridículo que tinha, pequeno cantor!
E cantava, cantava e cantava sempre ...
Um dia a voz de anjo quebrou-se para sempre.
E nesse dia, em solilóquio íntimo com o piano chorei, debrucei-me sobre ele pedindo-lhe desculpas de o deixar assim ao abandono e fiz-me ao mundo!
Cai o pano -
II
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Transformei-me num fauno, divindade protectora dos rebanhos e dos pastores, demónio dos campos e das florestas, metade homem em construção e a outra bode, em busca do acorde, da vibração então perdida como um sol que me iluminara ...
E foram anos e anos de procura, investindo sempre a fundo!
Levantei-me e voltei a cair muitas vezes nas ilusões recriadas à sua imagem.
Imagem sonora, difusa, perdida no tempo mas que me levava a não desistir, a reerguer-me sempre e mais, ainda que na procura subconsciente dela mesma, dessa sublime sensação à qual lhe perdera a exacta dimensão!
Um dia, ao olhar estes dois quadros expostos lado a lado, neles vi um díptico, um ente apenas, fusão dos dois e nela me recriei.
Ao bicho e pela desenvoltura na palavra conquistada a pulso a essa vibração, a mesma que perdera, recapturada, num outro quadro reinventei ...
Aos dois quadros os levei para casa, redimensionada que então foi a música que em mim, de novo, intimamente livre e reconciliada, de um fauno renasceu.
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E canta a voz em surdo
mudo
espanto
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A Maria Keil que pessoalmente e na sequência da compra destes quadros tive o privilégio de conhecer em Sua casa e como autor que aquele que à obra contempla sempre o é, Lhe peço desculpas por esta minha reinterpretação tão abusiva.
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( As fotografias são de minha autoria )
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( As fotografias são de minha autoria )
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 29 de Março de 2010
Maria Keil, O Fauno
Maria Keil, O Fauno
21 comentários:
Tu ficaste triste por não seres pequeno cantor, quando fosses grande...
mas agora, o que é que eu faria de ti se tivesses ficado pequenino e com voz de anjo?
A tua identidade está bem firmada na tua voz, que é uma bonita voz!
Esqueceste-te de contar que antes de te decidires a comprar o Fauno e a Música, passávamos a vida a caminho de Colares só para os ver...
Manuela
Olá Jaime,
Passeei-me um bocadinho por aqui e fui lendo e vendo as obras de arte para tràs, desde o seu retrato, que não cheguei a comentar até estas de Maria Keil,gostei de todas, arte é sempre tocante em todos os estilos desde que criada com rigor, como a música. Penso que não se pode dizer que haja um estilo por excelência...muitos o são concerteza.
Assim também o seu esforço ao longo do tempo para chegar à voz e aos progressos que se impôs, merecem parabéns e foram concerteza recompensados, como o é todo o trabalho sério e suado.
Deixo-lhe beijinhos e anseio por o ouvir cantar.
Branca
Peço licença para entrar nesta que é quase a "Casa da Música"...mas não venho só pelo canto ou pelo dedilhar no piano... Venho pelo charme da foto e descubro nela a determinação de quem encontrou o seu caminho.
Desculpe vir só agora mas...quer ouvir um segredo?- Fiquei muitas vezes à soleira da porta ouvindo as suas sonatas e deliciando-me com as palavras... Parecia-me um santuário onde todas as artes se misturavam e era preciso mais que os quadros da Maria Keil...para entrar!!
A Manela desfêz o mistério: tirou-lhe o retrato que admirei e...suspirei de alívio: Afinal, é igual a nós!
Beijo e boa semana
Graça
MANUELA BAPTISTA
Pudera ...!
Lembrar-te-ás seguramente ... se me custaram os olhos de cara!!!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Março de 2010
BRANCAMAR
Minha Querida,
Mas então não ouve que é aqui, precisamente aqui neste blogue que canto verdadeiramente mais e melhor do que cantava em criança!?
Um grande beijinho
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Março de 2010
GRAÇA PEPREIRA
Minha Querida Amiga,
Que bom ouvi-la a confidenciar-me o que acabou de contar!
Mas então, esperava o quê, que fosse bicho de sete cabeças ... ou artes!???
Um beijinho e, para Si também, uma óptima semana
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Março de 2010
GRAÇA PEREIRA
Ó Graça,
Na atrapalhação veja lá no que transformei o Pereira ...!
Só pode ter sido a nefasta intervenção do bichano!!!
Desculpe-me ...
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Março de 2010
"Cresci com ela e nela me identifiquei"
Que Maravilha Jaime
crescer com a Música...
dificilmente ao acontecer
não nos tornaremos a "Ela"
numa identificação que passa a ser idade melodiosa, a nossa...
nos corações mais atentos...
beijinhos de música na pintura pelas palavras...
dulce ac
Crescer com a música não é para qualquer um!
Quem tem, TEM.Não há como separar...
E concordo com a Manuela: TENS uma bonita voz!
Um grande beijo
Linda Simões
Graça Pereira
tão igual, mas tão bonito...
é giro! ver-te aqui
um beijo
Manuela
DULCE AC
Minha Querida,
Tem razão, é um privilégio crescer com a música mas saiba que no crescer estão implícitos os espinhos como os há numa rosa que olhando-se deles nos não damos conta ...!
Beijinhos
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Março de 2010
LINDA SIMÕES
Boa Amiga,
Agradeço-Lhe sempre os Seus elogios e retribuo ...
Aproveito, já agora, para Lhe contexualizar:
Maria Keil, nascida em 1914, artista plástica portuguesa de nomeada, ilustradora, ceramista e pintora, casou com o arquitecto Francisco Keil do Amaral que era neto de Alfredo Keil, compositor português que se celebrizou por, entre outras, ter composto a música do nosso hino nacional conhecido como A Portuguesa ...
Muitos beijinhos adocicados de Páscoa
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Março de 2010
MANUELA BAPTISTA
... tu és mais bonita!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Março de 2010
De novo Olá!
Querido Amigo Jaime...
Quanto à Rosa ...quem a tocou e se picou, vê-los-á sempre lá os espinhos...ou deveria...
podemos aprender na Vida é o que penso, sobretudo com o que vamos vivendo num sentir tentas vezes só e num outro sentir implicando-nos com outros... e se a tivermos a música por perto ajudar-nos-á um pouco, seja em que circunstância for (falo óbviamente de mim ...e não só
também pelo que vou observando..)
beijinhos.
dulce
Jaime,
Venho testemunhar que todos os esforços por uma voz melodiosa valeram a pena...se valeram, ainda estou embalada nela...na voz!
Obrigada pela surpresa enorme e tão gratificante.
Manuela...não é ciumenta já sei, senão estava mal, :))
Beijinhos aos dois.
Branca
Jaime,
Desde ontem que ando para dizer que também temos fotógrafo por aqui e embrulhei-me noutros temas.
Só para saber que não estava distraída, gostei das fotografias e quero deixar-lhe os parabéns por se lançar nessa arte também.
Beijinhos e uma boa noite.
Branca
DULCE AC
Minha Querida,
Não sei se me terei feito explicar bem ...
Mas antes, quanto à rosa:
Quem na rosa toca e se pica, pode não ver os espinhos mas senti-los-á certamente.
Se vir uma rosa, no entanto, pode-lhe não ver os espinhos já que ela sobressai a tudo o resto ...
Quanto à música:
Tê-la por perto, concordo Consigo, ajudar-nos-á e seja em que circunstâncias for.
No entanto, ouvi-la é uma coisa e senti-la como nossa pertença é outra e se em relação a ela, a essa pertença, se é tomado pelo sentimento da perca como chama que se extingue, que fazer depois!?
Esse é o espinho a que aqui me refiro e que para o resolver ... sabe Deus!
Bejinhos
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Março de 2010
BRANCAMAR
Minha Querida,
Ah ...!
Então isto, todos os esforços que dispendeu, foram uma cilada para me ouvir a voz ...
... sua marota!
Saiba que também tem uma bonita voz!!!
Um beijinho
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Março de 2010
BRANCAMAR
Fotógrafo ...
Olhou bem para a fotografia de O Fauno de Maria Keil!?
Vá, olhe então com mais atenção, isso ...
Já viu, já viu o reflexo das minhas mãos e da própria máquina fotográfica estampadas na fotografia!?
Ai o que me diria um mestre perante calinada tão amadorística!!!
Em todo o caso, querida amiga, muito obrigado e um beijinho de boa noite
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 30 de Março de 2010
"Esse é o espinho a que aqui me refiro e que para o resolver ... sabe Deus!"
Querido Amigo Jaime...
toda a razão está Consigo.
Sem mais...
Um abracinho grande grande
profundo do coração,
da minha alma...
dulce
DULCE AC
... e outro grande para Si!
Beijinhos, coelhinhos e ovinhos
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 31 de Março de 2010
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