terça-feira, 27 de janeiro de 2009



V Série
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O PAÍS DAS PRAXES
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Ressequida mas resistente, no cume rochoso e exposto, agreste, persistia em manter-se de pé a árvore a lembrar um bonsai, a erguer-se quase nua e furando o nevoeiro.
Contava para quem a ouvisse uma história:
Nasci no país das praxes e por isso me vedes agora retirada no mais alto desta montanha onde ninguém, quase viva alma me chega e onde desfruto da mais ampla vista que me alimenta e por sobre o nevoeiro que tolda, cega os caminhantes que por atalhos se perdem desencorajados por tanta arrogância.
No país das praxes cultiva-se, à falta de lugares ao Sol e pequenino que é, a convicção implícita de ser esta, a praxe, a melhor forma de integrar quem quer que seja.
Canto-vos como um clarinete que toca e faz tremer os tiranetes, que afasta o nevoeiro e que replica ecoante cumes fora amplificando-se por todas as cordilheiras ressoando deslizante pela terra e até ao mar sonante e profundo.
Fui sujeita a todas as praxes:
Na escola e por repetidas vezes, pura e simplesmente por nunca ter abdicado das minhas fidelidades ou por na minha indignação delas não ter jamais prescindido;
Na minha tribo onde das minhas diferenças nunca me dispus a abdicar também;
Profissionalmente porque por mais precários que tenham sido sempre os meus vínculos laborais, tal nunca me impediu de dizer de minha justiça e mesmo que tal significasse, como significou e amiúde, a dispensa dos meus serviços;
De há vinte anos a esta parte durante os quais, praxado sistematicamente pelo silêncio este apenas e sempre me interpelou e fez crescer em Obra o que, ao invés e calando me teria remetido ao oblivion ...
No país das praxes entende-se que o desenvolvimento e a aprendizagem, o crescimento, em suma, não se concluem sem a aceitação da humilhação e essa sim, faculta as habilitações sem as quais se é pouco mais do que ninguém.
Muitos se atiram então a um canudo como se diz, a um grau ou título de doutor ou engenheiro e fazem tudo para o obter.
Cristalina, esta liturgia replica-se e a Democracia teima em não vingar senão pelo formalismo sufragista onde é práxis seguir-se a romaria do beija mão dos dignitários, embora nele, nesse país se viva em República.
Arruinada como uma velha abadia, a coisa pública, não espanta, tarda em ser identificada e reconhecida e tanto mais quanto assumida assim, com desassombro e para quem a queira ver.
Por isso e neste país, aqui me refugio como um bonsai ou árvore só no cume da montanha, repelindo messianismos, sebastianismos como entre nós os chamamos, que permanecem e que teimam em nublar os céus, na cegueira de tanto nevoeiro que aos seus lhes persiste em toldar as faces e a vista.
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Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Janeiro de 2009




1 comentário:

Anónimo disse...

OBSERVAÇÃO

No pais das praxes deveria ter aparecido após Variações mas por motivos que desconheço foi publicada cronologicamente após mas precedendo-as.

Pelo facto Vos peço desculpas, Vosso

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Janeiro de 2009