quarta-feira, 28 de janeiro de 2009



V Série

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VARIAÇÕES

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Esperei só, com o meu bloco de notas, rabiscando à maneira de Pollock, sugestionado pela Google em busca de uma chave, de um link que me desse acesso ao passo subsequente.

Como se fechado num estúdio e encurvado sobre mim mesmo, fechado nas minhas tramitações, saltando variante e sem aparente continuidade, longe do público e das gentes até que o café ficou vazio e me convidaram a sair ...

Como um Gould dispensando os espectadores mas convicto de deixar ali, em laboratório, não apenas uma interpretação ímpar mas também um fio de voz extra, condutora do que os dedos no teclado digitavam, pensamento vagamente audível que à dança dos seus membros interligava em sublime interpretação que se se bastava a si mesma, também para a posteridade ficava registada.

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Aquela ária ...

Abertura e final das Variações Goldberg pontuada, como chave ou solução enigmática do que, pelo meio, se sucede, a abrir e a fechar o ciclo antes da retirada de cena, nuns bastidores que, deles ciente, se perpetuam.

Despida de ruído desnecessário na pureza possível, viril e intimista que os seus dedos tocam e a voz, em improviso harmónico os encaminha sem a porosidade recalcitrante do imprevisto.

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Tenho ainda tempo de cantar em murmúrio um pouco mais.

Na penumbra que se faz e que, como num estúdio a sublinha, absorve o silêncio as minhas mágoas e a luz que sobra, de uma brancura crua e fria, pontuada de laivos de um azul celeste que se derramam dos espelhos que o ambiente vazio transporta e o próprio piano reflecte na sua superfície negra que pela fusão das cores em musicalidade só, paradoxalmente, logo se expande, olho o artista e com ele me identifico nesta trilogia que se apresta a concluir.

Acaricio a cadeira em que me sentei como se essa fosse a de Glenn Gould, na heterodoxia da sua forma de tocar e dando-me a esse luxo como ele sabendo que o que importa é o que fica e independentemente de um percurso mais ou menos de acordo com qualquer norma estabelecida.

E toco cada vez mais convencido ser uma incontornável verdade artística aquela que diz que se a interpretação é boa, se a Obra tem valor intrínseco, por mais que ela fique fechada na gaveta, escondida num estúdio dos olhares públicos ou votada ao aparente esquecimento ela há-de-se impor e tanto mais quanta a vergonha que acompanhará e esmagará aqueles que a tentaram, em vão, obliterar.

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Jaime Latino Ferreira

Estoril, 28 de Janeiro de 2009

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4 comentários:

Anónimo disse...

Dobragem

Linguagem familiar dentro de casa, a música chegou subtil antes das palavras.

Jovem, belo, dobrado e trauteado irritavas alguns e deslumbravas muitos mais.

Destes afastaste-te ainda a manhã sorria e no silêncio dos estúdios, tu o piano e a velha cadeira, talhada pelo pai, eram apenas um comovente prodígio.

O coração abandonou-te quando pensou ser tempo, no tempo que parece sempre cedo demais.

A Glenn Gould e à sua velha cadeira.

Manuela Baptista
Estoril, 28 de Janeiro 2009

Anónimo disse...

NINI


Minha Querida,

Esse tempo, o tempo dos sótãos dos avós, sem
pressas e sem tempo, sem regras senão aquelas que criamos e que têm de dar lugar à imaginação e ao sonho é o nosso como incansável e cada vez mais enclausurado, magistralmente, tocava Gould.

Toca, porque o continua a tocar Glenn Gould!

Paradoxos da modernidade que fazem o Passado reter-se no presente e catapultá-lo com acrescido vigor no Futuro ...

Observe, Minha Querida e escute-o enquanto toca:

Ali, ouve-lhe a voz!?

Aquele lamento sussurado, sim, já o está a ouvir (!?), e que lhe ordena aos dedos que prossigam como pano de fundo de um tímido e contraído solo vocal, fio de pensamento sobreposto, aduzido a Bach e que o complementa!?

Já ouve?

E a cadeira, a sua pose négligée que o faria rotundamente ser chumbado diante de um desses severos e empedernidos juris de festival ou exame!?

Não espanta que o coração o tenha abandonado tão cedo, se cedo demais ou que fôra!

Venha daí, Minha Querida Nini

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Janeiro de 2009

Anónimo disse...

NOTA

Sem saber como, talvez por a ter já em rascunho, a última página que editei a esta foi impressa precedendo-a.

Tem por título:

NO PAÍS DA PRAXE

Peço-Vos desculpas pelo incómodo, Vosso

Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Janeiro de 2009

Ana Cristina disse...

Jaime

Acho que dormitei no sofá ao som do piano de Gould nos sons de Bach.
Hoje as forças puxam-me para adormecer e sonhar com palcos onde a música nos emociona e arrepia, enquanto nos interrogamos se é real.
A resposta sabemos de cor.
É real sim, mas só os génios a tocam.
Felizmente os comuns mortais podem ouvi-la,ali,tímida,sussurrada,intemporal

Boa noite.
1 abraço.
Nini