TESE
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(...) A monotonia das vidas vulgares é,aparentemente,pavorosa.Estou almoçando neste restaurante vulgar,e olho,para além do balcão,para a figura do cozinheiro,e,aqui ao pé de mim,para o criado já velho que me serve,como há trinta anos,creio,serve nesta casa.Que vidas são as destes homens?Há quarenta anos que aquela figura de homem vive quase todo o dia numa cozinha;tem umas breves folgas;dorme relativamente poucas horas;vai de vez em quando à terra,de onde volta sem hesitação e sem pena;armazena lentamente dinheiro lento,que não se propõe gastar;adoeceria se tivesse de retirar-se da sua cozinha (definitivamente) para os campos que comprou na Galiza;está em Lisboa há quarenta anos e nunca foi sequer à Rotunda,nem a um teatro, e há só um dia de Coliseu-palhaços nos vestígios interiores da sua vida.Casou,não sei como nem porquê,tem quatro filhos e uma filha,e o seu sorriso,ao debruçar-se de lá do balcão em direcção a onde eu estou,exprime uma grande,uma solene,uma enorme felicidade.E ele não disfarça,nem (há)razão para que disfarce.Se a sente é porque verdadeiramente a tem (...)
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Fernando Pessoa
(Bernardino Soares)
"Livro do Desassossego"
ANTÍTESE
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Jaime,
Sabe que podia mudar o contexto deste texto de um café para o meu local de trabalho,as suas personagens para algumas das pessoas com quem lido em termos profissionais e a mensagem passaria exactamente da mesma forma,com a mesma interrogação e espanto!?Sabe que conheço pessoas que vivem há 30 anos nos arredores do Porto e nunca foram à Fundação Serralves,não conhecem o Magestic, de certo nunca entraram no Teatro Nacional de S.João (mesmo quando ele era um dos grandes cinemas da Invicta), mas cantam as cantigas do Tony Carreira e até vão assistir,excepcionalmente,a um musical do La Féria?Sabe que conheci pessoas no meu circulo profissional em Cascais que nunca tinham entrado na Fundação Calouste Gulbenkian,não sabiam qual o último livro que tinham lido,nunca tinham assistido a um espectáculo de ópera ou bailado,não compravam um jornal há anos(para quê se liam as notícias diárias no Destak...), mas compensava-as conhecerem todas as praias da costa vicentina ou algarvia!?Sabe que estou a falar de pessoas que têm uma formação superior(!?), que vivem em grandes cidades, que têm acesso à informação, cujos rendimentos lhes permite eleger prioridades,mas que se mantêm por opção à margem do conhecimento,da discussão,da opinião e da cidadania?
Sabe,Jaime, este é quanto a mim um dos grandes factores da reprodução, transgeracional de décadas, da nossa tão badalada crise.
Somos pouco curiosos.
Somos pouco ambiciosos.
Somos pouco afirmativos.
Somos pouco destemidos.
Vivemos pouco a vida.
Contentamo-nos em vivê-la pela metade!
A nossa Crise somos Nós e perdurará enquanto não quebrarmos o ciclo da ignorância,do "podia ser pior",da apatia e do autismo.
A nossa Crise anda e andará por aí, alimentada por Nós que dela parece dependermos para a pouca vida que vamos vivendo.
A nossa Crise anda e andará por aí, alimentada por Nós que dela parece dependermos para a pouca vida que vamos vivendo.
( ... )
Ana Cristina
5 de Fevereiro de 2009
5 de Fevereiro de 2009
Aparentemente ...
Aparentemente mas logo Pessoa também diz que se aquela pessoa sente ( uma enorme felicidade ) é porque verdadeiramente a tem ( ... ).
A minha Amiga Ana Cristina, por seu lado, afirma sermos pouco curiosos, ambiciosos, afirmativos e destemidos, contentarmo-nos apenas em viver a vida pela metade ...
Mas, se somos esse padrão, que a minha Amiga como Bernardino Soares caracterizam como se explicará então essa verdadeira e logo por sentida imensa felicidade!?
Encerra-se aqui um paradoxo ou contradição nos termos!
A sensação de imensa felicidade não corresponde àquilo que diz ser viver pela metade mas antes plenamente e, então, será que condição para isso é que, como diz, vivamos encarcerados no ciclo da ignorância, do podia ser pior, da apatia e do autismo?
Eu só posso falar por mim, já que nos outros não me consigo meter e por mais que tentasse fazê-lo!
Diz-me a experiência que abordando alguém que eventualmente se encaixasse nos padrões descritos, entabulando com esse alguém conversação e tentando aproximar-me do seu registo ou comprimento de onda o que não é, reconheço, fácil de fazer, quantas vezes não me surpreendo ao desvendar progressivo da vida que me é, mais ou menos relutantemente, posta a descoberto.
Diz-me a experiência que abordando alguém que eventualmente se encaixasse nos padrões descritos, entabulando com esse alguém conversação e tentando aproximar-me do seu registo ou comprimento de onda o que não é, reconheço, fácil de fazer, quantas vezes não me surpreendo ao desvendar progressivo da vida que me é, mais ou menos relutantemente, posta a descoberto.
Que mundo de imensos mundos se esconde num aparente cinzentismo amorfo e numa vida desinteressante!?
Às vezes mesmo, que epopeia se esconde nesses meandros!
Eu sei, acredite, o que é a sensação de imensa felicidade, atrever-me-ía a dizer de plenitude, e que esta implica, como o escreve, curiosidade, ambição, afirmação ou ousadia mas todos estes itens para que sejam revelados têm de ser vistos à escala do universo singular.
Claro que não dispenso os alimentos culturais sem os quais me faltaria o pão da alma ...
Mas, como olharia, pergunto-me, o velho criado ou o cozinheiro para Fernando Pessoa cujas vestes interiores ou heterónimos não carregava expostos à mesa do restaurante antes os guardava, expostos sim mas na sua Obra?
Monotonia!?
Mas, como olharia, pergunto-me, o velho criado ou o cozinheiro para Fernando Pessoa cujas vestes interiores ou heterónimos não carregava expostos à mesa do restaurante antes os guardava, expostos sim mas na sua Obra?
Monotonia!?
Vulgaridade!?
Pavor de vida!?
Que a crise é um estado de espírito é mas, por vezes, não basta contrariá-lo, é preciso fazer mais, muito mais.
Pavor de vida!?
Que a crise é um estado de espírito é mas, por vezes, não basta contrariá-lo, é preciso fazer mais, muito mais.
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Fevereiro de 2009
Estoril, 8 de Fevereiro de 2009
8 comentários:
Provavelmente era feliz assim... caso contrário porque não tentára mudar o seu rumo? :)
Um beijinho e bom domingo.
ELLEN
Minha Amiga,
Provavelmente não, sentia-se que era imensamente feliz como o escreve Bernardino Soares, isto é, Fernando Pessoa.
E sentindo-se assim, vivia ou não plenamente logo, de que lhe serviria uma vida diferente!?
Claro que percebo a minha Amiga Ana Cristina quando sublinha a carência de bens culturais de que tantos prescindem podendo usufruí-los ...
Mas quantos não os há que usufruindo desses bens têm vidas aparentemente não mais interessantes!?
Ver por dentro, eis o mais difícil de fazer!
Saber ver até para que se mobilizem as pessoas, se toque nas cordas sensíveis que as possam catapultar para outros standards.
Um beijinho de volta e tenha também um bom domingo
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Fevereiro de 2009
Tem razão,Jaime, é preciso fazer mais, muito mais e as suas palavras transportam-nos para "acção","movimento","mudança","participação","conhecimento"; nunca para apatia e "deixa andar".
"...verdadeira e logo por sentida imensa felicidade!?.."
A felicidade não existe.
Talvez encontremos gente feliz com lágrimas.
Existem vivências diferenciadas,estados de espírito,emoções,formas de sentir,escolhas e atitudes que nos fazem estar bem ou mal connosco e/ou com os outros.
O Eu só existe pelo Outro.
Eu não tenho qualidade de vida no meio da pobreza (moral e económica),da humilhação,da violência e da ignorância.
Aparentemente... tudo pode ser verdadeiro... mas só mesmo aparentemente.
E como sabemos,meu querido Jaime,as aparências iludem.
1 abraço amigo.
Ana Cristina
(o nevoeiro das margens do Douro reavivou a imagem de D.Sebastião,rsrsr,ou,dahh...)
NINI
Belíssima,
Hoje apetece-me tratá-la assim, desculpe-me!
Só para Lhe dizer:
A felicidade é gente feliz com lágrimas.
Não é uma sensação inodora e despida dos ingredientes sem os quais ela não existiria.
É um composto feito de tudo e tendo por medida o Outro mas onde sobreleva aquilo a que estereotipamente se convencionou assim chamar!
Gostou da carta que escrevi a Seu sobrinho David em A Casa da Venância?
Um grande beijinho para os Seus, para Sua irmã e para Si
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Fevereiro de 2009
Querido Jaime
Estamos on-line ;)
Adorei o Belíssima !
A carta que escreveu ao David!?,não haveria de gostar, já que com ela conheci um pouco mais de si na fase A.V ou D.V.,é indiferente!
O David gostaria de si!
1 abraço de todos nós para si e para a Manuela.
E um latido no tom,(deformação cascaense (!),do Alex.
BELISSÉRRIMA
DDAAHHHH!!!
( rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrr )
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Fevereiro de 2009
Boa noite!
Sobre a felicidade vem-me esta frase muito linda que pode servir para começar bem a semana que aí vem:
" Não devemos permitir que alguém saia da nossa presença sem se sentir melhor e mais feliz."
(Madre Teresa de Calcutá)
Beijinhos
Filomena
" Não devemos permitir que alguém saia da nossa presença sem se sentir melhor e mais feliz."
(Madre Teresa de Calcutá)
FILOMENA
Querida Amiga,
E não devemos mesmo!
Sob pena de a presença ter sido em vão.
Claro que isto é muito fácil de dizer, não estou com isto a crer dizer que Madre Teresa a tenha dito, a essa frase, retoricamente já que a sua vida se exemplo é, é-o também por se ter destacado pela entrega e pela acção, muito menos, seguramente, pela retórica mas, num encontro presencial, conseguir-se encontrar o tal comprimento de onda susceptível de tocar na corda sensível de alguém ao ponto de este sair dele melhor e mais feliz, tem, se tem (!), muito que se lhe diga!
É a tal coisa:
Deparamos com alguém e na aproximação visual que com essa pessoa estabelecemos logo somos induzidos por essa primeira impressão.
O que do Outro vemos, se é feio ou bonito, se se veste desta ou daquela maneira, o que faça, a maneira como fale ou como se nos dirige, a malinha ou os sapatos que calce ...!
E, logo aí, levantam-se imensos e até alguns imperceptíveis sinais que podem condicionar um verdadeiro aproach ...
Às vezes, na relação que se estabelece, é mesmo preciso que no tempo ela bata no fundo antes de finalmente o Outro ou eu próprio nos possamos vir a sentir melhor por a termos cultivado!
Mas, é isso mesmo, desde que para tal nos munamos não da desconfiança recíproca mas do benefício que estejamos dispostos a conceder e partilhar.
É isso mesmo ...!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 8 de Fevereiro de 2009
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