quinta-feira, 23 de julho de 2009

REFLEXO

Que vejo eu no espelho?
Sou eu?
Não, é o meu simétrico.
E o simétrico, é o meu contrário?
Não, não é, é o meu inverso aditivo.
É o que a mim se soma na aparente disposição contrária que o não é!
É o outro do outro lado, tão longínquo que o nem oiço embora com ele me identifique.
De tanto com ele conviver, mais depressa me revejo no negativo fotográfico do que no positivo embora entre ambos haja uma ponte, um contínuo de revelação.
E que ponte, que contínuo é esse?
É a imagem visual, não a sonora (!), o simulacro da imagem pura que o espelho recriou, descoberta maravilhosa que logo nos fez ver, sem o sabermos, para lá de a meio caminho da anti-matéria ...
E o som, a imagem sonora?
É aí, precisamente aí que a contradição é mais radical sem o ser!
Eu não oiço, vejo o que o meu reflexo diz na absorção monopolista do som de que sou detentor ...
Ele há, porém, uma décalage, fracção temporal diminuta entre o que eu digo e o que vejo o meu reflexo mimar.
Décalage ...!?
Sim, uma décalage que, à escala, ultrapassa os trezentos mil quilómetros por segundo da velocidade da luz, é tal a distância que me separa do meu reflexo e que explica que a este, aprisionado pela luz, o não o oiça.
O reflexo é a imagem distorcida porque fundida com o som que nele, pela distância na relativa proximidade, se confunde.
O reflexo está longe, muito longe, tão longe que afinal até se diz, quando pretendendo romper essa distância partindo o espelho que são sete anos de azar ...!
Afinal, aquele com que mais depressa me identifico, o meu reflexo, dista tão longe, tão inacessível que, não fora ele e não seria capaz de ver ainda mais longe ...
Ele, o reflexo é um permanente enigma!
Se, com a escrita, ela mesma já reflexo, espelho da alma, a Humanidade passou da Pré-História à História, com o espelho, que salto não deu!?
Não te esqueças que todos aqueles instrumentos, microscópios e telescópios, que nos permitem ver em profundidade em direcção ao micro como ao macrocósmico são, todos eles, complexas combinações de espelhos que aproximam o infinitamente distante!
-
-
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 23 de Julho de 2009

3 comentários:

manuela baptista disse...

Clarão

O que vemos no espelho,não somos nós,não é o simétrico de nós é o mimétrico de nós.
Copia-nos e encontra semelhanças.

O eco é o espelho do som.

Isto parece uma redacção, mas não é.
Estou pastel como um reflexo na água.

Manuela Baptista

jaime latino ferreira disse...

ECO


Meu pastelinho de nata
na água reflexo de prata
o eco não é simétrico
diz o que digo profético

O eco é milimétrico
é o clarão de meu léxico
diz o que numa lata
reflectido não desata

Posto o poema não ata
ao espelho fica sem data
é um enigma bem tétrico

Dito porém é eléctrico
repetição e meu séquito
convulsão em mim inata
-
O eco, o reflexo sonoro resolve o que a imagem, o reflexo visual, pela simetria distorce.
-


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 23 de Julho de 2009

manuela baptista disse...

Bonito!

MB