VIII- MATCH POINT
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O Misterioso Chapéu de Chuva de Seda
O Misterioso Chapéu de Chuva de Seda
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Ninguém sabia ao certo como tinha ido ali parar, mas dava nas vistas o velho Chapéu de Chuva de Seda, rosa fúchsia, leve, macio, brilhante!
Não era dos clientes habituais da pastelaria, pois há mais de uma semana que um dos delicados e zelosos empregados perguntava a quem saía se não se teriam esquecido daquele chapéu de chuva.
Não era dos clientes habituais da pastelaria, pois há mais de uma semana que um dos delicados e zelosos empregados perguntava a quem saía se não se teriam esquecido daquele chapéu de chuva.
A verdade é que o chapéu nem se podia considerar de chuva, tal a delicadeza do seu tecido e do seu padrão. Num início de Verão suave qualquer ventinho o levaria, quanto mais uma chuvada de Inverno.
-Tenho a certeza que pertencerá a uma bailarina, pois apenas alguém sensível e dançante poderia gostar de um chapéu assim! -disse o Escritor, sentado como era seu costume, a uma mesa perto do bar a beber uma bica cheia e escaldada com os seus dois companheiros de tertúlia.
- Pois eu acho que pertence a um sonhador! Apenas alguém que sabe sonhar usará este chapéu. -contrapôs o Pintor mexendo vagarosamente o açúcar na sua meia de leite.
- Mas não, é claro que não! Este chapéu só pode pertencer a um viajante que o terá trazido de longe numa das suas viagens! -interrompeu o Falador, que tinha o péssimo costume de discordar de toda a gente, dando uma enorme dentada num delicioso croquete.
-Tenho a certeza que pertencerá a uma bailarina, pois apenas alguém sensível e dançante poderia gostar de um chapéu assim! -disse o Escritor, sentado como era seu costume, a uma mesa perto do bar a beber uma bica cheia e escaldada com os seus dois companheiros de tertúlia.
- Pois eu acho que pertence a um sonhador! Apenas alguém que sabe sonhar usará este chapéu. -contrapôs o Pintor mexendo vagarosamente o açúcar na sua meia de leite.
- Mas não, é claro que não! Este chapéu só pode pertencer a um viajante que o terá trazido de longe numa das suas viagens! -interrompeu o Falador, que tinha o péssimo costume de discordar de toda a gente, dando uma enorme dentada num delicioso croquete.
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O Escritor, o Pintor e o Falador todos os dias se encontravam, conversavam sobre os seus trabalhos e embora diferentes, tinham muito em comum. O Escritor escrevendo crónicas e versos, também desenhava e nunca estava calado; o Pintor, que carregava consigo um enorme caderno onde desenhava tudo o que o rodeava, também ilustrava com palavras o que via e o Falador, discordando, discordando, tinha um traço miudinho e gostava de desenhar janelas e varandas de ferro forjado.
Já não se lembravam de como tinham ficado amigos, de como num dia qualquer subiram os quatro degraus que conduziam ao bar, se sentaram perto uns dos outros e como uma certa palavra tinha sido dita e não outra, um certo desenho tinha sido mostrado e não outro, um certo desafio tinha sido lançado e outro não.
Poderia ter sido de outra forma, o tempo e o modo poderiam ter-se inclinado exactamente para o lado contrário e a conjugação daqueles três nunca teria acontecido. Talvez tenha existido um momento de pausa em que os passos se suspenderam, em que os olhos se fixaram, em que as mãos se imobilizaram, em que o tempo parou e depois de repente decidiu qual a direcção a tomar. E o decisivo ponto de encontro tinha sido especial para todos.
Já não se lembravam de como tinham ficado amigos, de como num dia qualquer subiram os quatro degraus que conduziam ao bar, se sentaram perto uns dos outros e como uma certa palavra tinha sido dita e não outra, um certo desenho tinha sido mostrado e não outro, um certo desafio tinha sido lançado e outro não.
Poderia ter sido de outra forma, o tempo e o modo poderiam ter-se inclinado exactamente para o lado contrário e a conjugação daqueles três nunca teria acontecido. Talvez tenha existido um momento de pausa em que os passos se suspenderam, em que os olhos se fixaram, em que as mãos se imobilizaram, em que o tempo parou e depois de repente decidiu qual a direcção a tomar. E o decisivo ponto de encontro tinha sido especial para todos.
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Quanto ao misterioso chapéu, foi colocado para seu conforto no recipiente de cobre destinado aos chapéus de chuva molhados, mas irremediavelmente só, pois estávamos no Verão e não se avizinhava chuva.
No entanto todas as manhãs o Chapéu de Chuva de Seda aparecia num sítio diferente, num canto do balcão, na esplanada, nas prateleiras das caixas de lata onde se guardavam as deliciosas Pratas, colado aos Croissants e chegou mesmo a aparecer junto dos pastéis de nata.
-Mas este chapéu, não tem vergonha nenhuma, sempre de um lado para o outro a perturbar! Se ele pensa que a beleza que possui me vai impedir de o pôr no olho da rua engana-se!-vociferava zangado o dono da pastelaria.
Era um Chapéu de Chuva de Seda inquieto!
Alguém sugeriu que a confusão adviria da sua linda cor, rosa fúchsia e do facto de Fúchsia ser uma flor da família dos Brincos-de-Princesa ou Lágrimas e que o Chapéu não teria resolvido ainda a sua verdadeira identidade, mas como em princípio os Psiquiatras não aceitam chapéus como pacientes, esta observação caiu no esquecimento.
O Escritor sugeriu então fazerem circular na net uma página, para procurar alguém que quisesse e fizesse seu o Chapéu de Chuva de Seda. O Falador disse imediatamente que não, mas foi o primeiro a abrir o p.c. e a executar o sugerido.
O Pintor ilustrou o texto que dizia o seguinte:
"Procura-se Bailarina, Sonhador ou Viajante que tenha perdido um maravilhoso Chapéu de Chuva de Seda rosa fúchsia numa Pastelaria à beira mar e que seja seu desejo recuperá-lo e amá-lo, pois o mesmo encontra-se um pouco baralhado e ainda não encontrou o seu verdadeiro lugar"
Responderam ao desesperado apelo e por ordem de chegada:
-uma Infanta de Espanha
-um Palhaço
-um Psiquiatra
-um Poeta
-uma Menina Vaidosa
-um Ladrão de Pratas
-uma Princesa da China
No entanto todas as manhãs o Chapéu de Chuva de Seda aparecia num sítio diferente, num canto do balcão, na esplanada, nas prateleiras das caixas de lata onde se guardavam as deliciosas Pratas, colado aos Croissants e chegou mesmo a aparecer junto dos pastéis de nata.
-Mas este chapéu, não tem vergonha nenhuma, sempre de um lado para o outro a perturbar! Se ele pensa que a beleza que possui me vai impedir de o pôr no olho da rua engana-se!-vociferava zangado o dono da pastelaria.
Era um Chapéu de Chuva de Seda inquieto!
Alguém sugeriu que a confusão adviria da sua linda cor, rosa fúchsia e do facto de Fúchsia ser uma flor da família dos Brincos-de-Princesa ou Lágrimas e que o Chapéu não teria resolvido ainda a sua verdadeira identidade, mas como em princípio os Psiquiatras não aceitam chapéus como pacientes, esta observação caiu no esquecimento.
O Escritor sugeriu então fazerem circular na net uma página, para procurar alguém que quisesse e fizesse seu o Chapéu de Chuva de Seda. O Falador disse imediatamente que não, mas foi o primeiro a abrir o p.c. e a executar o sugerido.
O Pintor ilustrou o texto que dizia o seguinte:
"Procura-se Bailarina, Sonhador ou Viajante que tenha perdido um maravilhoso Chapéu de Chuva de Seda rosa fúchsia numa Pastelaria à beira mar e que seja seu desejo recuperá-lo e amá-lo, pois o mesmo encontra-se um pouco baralhado e ainda não encontrou o seu verdadeiro lugar"
Responderam ao desesperado apelo e por ordem de chegada:
-uma Infanta de Espanha
-um Palhaço
-um Psiquiatra
-um Poeta
-uma Menina Vaidosa
-um Ladrão de Pratas
-uma Princesa da China
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Não sabemos quem era o verdadeiro proprietário do Chapéu de Chuva de Seda, mas temos a certeza, que no momento em que este foi reconhecido o tempo parou e que uma Flor ou Chapéu de Chuva de Seda rosa fúchsia soltou uma leve, macia, brilhante e furtiva lágrima.
O meu decisivo match point com Woody Allen foi em Manhattan no preto e branco de uma cidade onde nunca pus os pés e que conheço e imagino graças a ele.
Identifico-me com os seus personagens, com a fragilidade dos laços amorosos, com as angústias de uma sociedade a andar à roda, com os seus intelectuais, com o seu humor meio perdido, imperceptível por vezes, desajeitado e comovente.
Perdoo-lhe os seus filmes menos bons porque se não existissem, como é que poderia apreciar esta obra maior intitulada "Match Point", com o seu enredo perfeito e as suas perfeitas árias de Ópera?
E assim ofereço-lhe uma temporada na Pastelaria Garrett do Estoril, com as suas perfeitas Pratas e um Chapéu de Seda abandonado para que ele realize, com a banda sonora perfeita, o mistério dos seus encontros.
Perdoo-lhe os seus filmes menos bons porque se não existissem, como é que poderia apreciar esta obra maior intitulada "Match Point", com o seu enredo perfeito e as suas perfeitas árias de Ópera?
E assim ofereço-lhe uma temporada na Pastelaria Garrett do Estoril, com as suas perfeitas Pratas e um Chapéu de Seda abandonado para que ele realize, com a banda sonora perfeita, o mistério dos seus encontros.
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Resta-me acrescentar que a Infanta de Espanha aparece pela Páscoa, o Escritor mora cá em casa, o Pintor mudou-se para Lisboa mas continua nosso amigo, o Falador não gosta da Garrett após as obras e come croquetes noutro lado, Ladrões de Pratas, Psiquiatras, Meninas Vaidosas e Palhaços há muitos e finalmente o Poeta e a Princesa da China andam por aqui.
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Manuela Baptista
Estoril, 27 de Junho de 2009
14 comentários:
MANUELA
Oh ...!
Tirando o misterioso Chapéu de Chuva de Seda, importaria talvez acrescentar que os três personagens, o Falador que nem sei se é assim tão falador, não mais do que os outros e que também é pintor, o Pintor e o Escritor, em tempos fizeram uma obra em comum sobre a Pastelaria Garrett do Estoril e que rapidamente se esgotou ...!
A Infanta, Princesa de Espanha encontramo-La regularmente pela Semana Santa aqui na nossa terra que é também a Dela e faz questão de o sublinhar, aqui foi criada e é verdadeiramente encantadora!
O Poeta é uma alegoria que em muitos de nós se encaixa e a Pincesa da China, por fim, coloco à vossa consideração para que posseis adivinhar!
Acertaste no ponto, Match Point!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 27 de Junho de 2009
CORRECÇÃO
Pincesa dificilmente poderieis adivinhar, Princesa ...talvez!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 27 de Junho de 2009
Escritor,
Posei então para uma fotografia de grupo!
A Princesa da China anda por aqui, mas não sou eu! Eu sou mais Princesa da Índia, o que seguindo a rota da seda, faz todo o sentido na construção de um fio de seda pura.
E para que possais dormir descansados,
Boa Noite
Manuela Baptista
Manuela
Era uma vez uma história real ...mas também Real se pensarmos na Infanta e na ainda anónima Princesa da China.
Desta vez ocupou uma grande página cheia de arte e encanto.
O Jaime ficou embasbacado, cá para mim, claro!
Folgo em saber-vos bem.
Jaime, já agora, eu ando por aqui no meio do "seu" público.
Beijinhos e boa noite.
Ana Cristina
ANA CRISTINA
Realíssima,
Real quer dizer isso mesmo ... real!
E se considerarmos que a história de cada um de nós é única e insubstituível, então merece ser escrita com maiúscula, Real!!
Há mesmo histórias que, sendo públicas, são realíssimas!!!
Então não sei que está por aí!?
Princesa do Norte
e do Sul
Princesa do Paço
azul
tem a cor do firmamento
por cada passo que invento
Princesa o é de Istambul
é a Rainha do vento
Beijinhos
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Junho de 2009
ROTA DA SEDA
Refere-se a minha mulher, entre outras coisas, à peça do Teatro Meridional, A Caravana e que está presentemente em cena no seu espaço habitual, ali para o Beco da Mitra ao Poço do Bispo, em Lisboa!
Vale mesmo a pena!!
Trata-se de uma Companhia que desde o seu surgimento nunca nos desiludiu!!!
... ao contrário de outras que tendo-se instalado, no pior sentido da palavra, se tornaram, verdadeiramente, constrangedoras ...
Se me pedissem para resumir em poucas palavras as suas performances diria modernidade, ritmo, beleza e simplicidade!
Se poderem, vão ver!
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Junho de 2009
À Ana Cristina,
que tal como a Princesa da China também anda por aqui, convido-a para vestirmos o papel de Ladrões de Pratas, não das que fazem brincos e anéis, mas das verdadeiras as leves e deliciosas que se deixam trincar e se desfazem na boca, as que ainda se guardam em caixas de lata para manterem todo o seu sabor.
Para que não esqueçamos o sabor das coisas boas.
Beijinhos e bom dia
Manuela Baptista
Obrigada Jaime por me teres lembrado!
Gostamos tanto do Teatro Meridional,que lhes chamamos carinhosamente os "Meridionais"!
A verdade é que os acompanhamos desde as primeiras encenações, graças à minha sobrinha Susana que trabalhou com eles no início em Realização Plástica do Espectáculo.
Miguel Seabra é o seu Director, um homem cheio de coragem que sofreu há alguns anos um aneurisma que lhe deixou algumas limitações.
Mas ele não desistiu nunca e actor exemplar continuou a dirigir os outros, porque o seu amor pelo Teatro é mais forte e a representação faz parte da Humanidade.
Quando vi a peça "ACARAVANA" (assim tudo pegado) já tinha elaborado a minha história do Chapéu de Seda e Hélas! Roubei-lhes apenas "leve, macio, brilhante"
De qualquer jeito, fica também aqui a minha homenagem aos Meridionais
que andam por aí a contar histórias de Trás-os-Montes a Cabo Verde passando pela Rota da Seda.
Manuela Baptista
Manuela!
Belo conto como sempre.
Mal vi" sem páginas de uma arte" só podia ser obra sua.
Muita arte é necessária para se escrever assim!
Uma princesa da China e uma Infanta de Espanha ficam bem em qualquer história...tanto mais que a Princesa da China em tempos idos passava a vida a perder guarda-chuvas até que encontrou um pequenino e resistente aos quadradinhos laranja e brancos a lembrar os bibes dos meninos da escola. Desde aí nunca mais se separaram. Como é pequenino, cabe nas malas, não pesa nada e farta-se de viajar e não corre o risco de ficar na pastelaria ou em nenhum outro lugar.
Beijinhos
Filomena
Filomena,
Embora a Princesa da China possa ser quem nós quizermos, já pensava que a verdadeira não descobria o paradeiro de um dos seus chapéus, o mais especial de todos...
Obrigada por também me ter inspirado!
Beijinhos
Manuela Baptista
INTERJEIÇÃO
Ah princesas d'um raio!!!
( desculpem-me, sim ...!?)
Jaime Latino Ferreira
Estoril, 28 de Junho de 2009
Manuela,
Encontro uma constante escondida nesta sua mensagem: a imaginação - pensamento. Venha ela do Woody Allen,de Placido Domingo, da Manuela Baptista, do Escritor, do Pintor, do Falador ou, de não importa quem.
Não diria que grande parte da vida depende da sorte e está fora do nosso controle. Sei que o nosso pensamento controla tudo, mesmo sem nos darmos conta disso. Quando a bola fica suspensa sobre a rede, ganha aquele que pensou com mais força e convicção, que ia ganhar.
Curiosidade: Dos singelos brincos de princesa, já os tive de 10 cores e feitios diferentes, no meu jardim. Todavia, quando estão todos juntos, teimam em voltar às cores da estirpe inicial.
Um beijinho,
Maria Emília
Maria Emília,
obrigada pelas suas palavras.
A vida e tudo o mais (Anything Else, de Woody Allen)é exactamente a conjugação da sorte, da imaginação, do pensamento, do Amor!
Mas às vezes também ganha aquele que ficou sem a bola...como os sábios Brincos de Princesa que retomam a cor da sua tribo.
Um beijinho
Manuela Baptista
Olá Manuela,
Afinal também sabe escrever com poucas palavras versos cheios de sentido.
Obrigada.
Um grande beijinho,
Maria Emília
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