terça-feira, 9 de junho de 2009

SEM PÁGINAS DE UMA ARTE

VII- O JARDIM SECRETO
-
A Improvável Paixão de um Cortador de Relva
-
A casa grande e velha, tinha crescido no meio de um enorme jardim arrelvado, com um poço, árvores de fruto, rosas de todas as espécies, malmequeres e um castanheiro onde os pássaros gostavam de fazer os ninhos. À noite ouvia-se o piar das corujas e os pirilampos luziam entre as ervas.
A um canto desse jardim, colada aos canteiros de salsa e aos limoeiros havia uma pequena casa (destinada outrora aos caseiros) de dois andares, pintada de branco e com cortinas às pintinhas nas janelas.
No andar de baixo vivia um solitário Pintor e no andar de cima com os pais, uma Menina pequenina.
O Pintor gostava do silêncio para pintar os seus quadros e para ouvir a sua música calma, deitava-se e levantava-se tarde e tinha dificuldade em adormecer. A Menina dormia bem, deitava-se cedo e acordava ainda mais cedo, gostava de tagarelar com o cão, de correr pelo jardim e de brincar à sombra das árvores.
Às vezes o Pintor zangava-se com tanta algazarra e perdia a inspiração, os pincéis baralhavam-se, as tintas misturavam-se e quando ele queria pintar uma flor, saía um coração, quando queria desenhar um pássaro, desenhava uma nuvem.
Os pais da Menina, pediam-lhe que fizesse menos barulho e diziam:
- Estás a ver, o Pintor perdeu a inspiração!
Então a Menina procurava a inspiração dentro do regador, debaixo dos vasos, no meio dos malmequeres e até na caixa do correio, mas não a encontrava.
Para cuidar de tudo isto, aparecia de vez em quando o Jardineiro que gostava de falar com as plantas e que ensinava ao Pintor e à Menina coisas da terra, do vento, das abelhas, dos mosquitos, das pragas que comiam as ameixas e de como prever a chuva olhando para a lua.
Tal como a casa era velha, também os instrumentos de jardinagem o eram: a enxada, o ancinho, o carro de mão, o regador e o corta-relva.
Atendendo a que aparar a relva dá muito trabalho e requer alguma técnica o Jardineiro dizia muitas vezes que aquele velho corta-relva só lhe complicava a vida e lhe duplicava o trabalho. Estava tão gasto e com a lâmina tão esgotada que sem avisar, parava a meio de um quadrado de relva, recusava-se a continuar e o Jardineiro zangado fechava-o com violência na casa das ferramentas.
- Estúpido Jardineiro! Eu não sou um corta-relva, sou o Cortador de Relva. Se ele não consegue ver a diferença, não sou eu que lhe facilito a vida!- resmungava o Cortador de Relva para com os seus parafusos.
Entre as árvores do jardim, havia um pequeno pessegueiro que crescia lentamente e que nunca tinha dado fruto, mas um dia de manhã cedo, sem ninguém dar por isso, uma pequena e bela flor apareceu no raminho mais alto e virado para o sol.
- Que bela flor! - exclamou o Cortador de Relva maravilhado. E sentiu o óleo a agitar-se dentro de si.
A Flor olhou de soslaio para o Cortador de Relva, mas achou-o tão feio e desajeitado que esticou mais um pouco as suas pétalas em direcção ao céu.
E todos os dias o Jardineiro encontrava o Cortador de Relva junto do pequeno pessegueiro, apesar de ter a certeza de, na véspera, cuidadosamente o ter guardado.
- Não percebo! Este corta-relva está cada vez mais esquisito, agora aparece-me aqui ao relento, se chover ficará ainda mais ferrugento!
A Flor crescia e, cada vez mais bela e altiva, ignorava a presença constante do Cortador de Relva enamorado que não se cansava de a contemplar e de lhe gabar a beleza. Andava tão feliz que as suas lâminas ganharam nova força e cortavam a relva com perfeição.
Uma noite o céu carregou-se de nuvens escuras e ameaçadoras, o vento soprou forte e não tardou que uma violenta tempestade desabasse sobre o jardim e todos os seus habitantes. As árvores abanavam, os frutos já formados caíam, a pequena Flor de pessegueiro assustada, gritava de pânico no alto do seu ramo até que uma rajada mais forte a arrancou sem piedade largando-a em cima da relva.
Na manhã seguinte o Jardineiro antes de varrer o jardim e de apagar os vestígios da tempestade, foi buscar o corta-relva rejuvenescido e começou a empurrá-lo por ali fora.
Andaram uns escassos metros e o Cortador de Relva deu um salto assustado.
Ali mesmo à sua frente, jazia molhada e com um pezinho tremente a Flor do seu coração enferrujado!
Parou, decidido e cheio de coragem não se mexeu dali! O Jardineiro bem o empurrou, chamou-lhe "inútil" e "máquina desaparafusada" mas perante tamanha força desistiu, levando-o ao colo para a casa das ferramentas deu por encerrado o seu dia de trabalho.
Um pouco depois, já o sol secara a relva fofa, a Menina saiu para brincar no jardim e ao ver a pequena Flor pegou-lhe com cuidado, colocou-a junto à sua orelha esquerda como se fosse a mais bela jóia.
Nesse dia o Pintor, atraído pela luminosidade após a chuva, trouxe para o jardim o cavalete, as tintas e os pincéis e no silêncio da tarde quente desenhou a Menina, a Flor e o velho Cortador de Relva que mais uma vez fugira da sua prisão e pintou um quadro onde ninguém conseguia ver uma Menina, uma Flor ou um Cortador de Relva mas um secreto, imenso e improvável amor.
-
-
Celebrando:
- "O Jardim Secreto" - The Secret Garden- 1945
Realizador: Fred M. Wilcox
-"Eduardo Mãos de Tesoura"- Edward Scissorhands- 1990
Realizador: Tim Burton
- "A Bela e o Monstro" - Beauty and the Beast- 1991
Estúdios Disney
-
Manuela Baptista
Estoril, 9 de Junho de 2009

3 comentários:

Ana Cristina disse...

O maravilhoso imaginário mundo da Disney.
A excelência da animação e das escolhas musicais.

Tal como o amor todos encontraremos,inevitavelmente, o nosso caminho.

Acho que vou ver o DVD do Rei Leão ou do Aladino, enquanto a Diana digere Imunologia,Toxicologia e outras "ias" para os exames do final do mês.

1 abraço.
Ana Cristina

Jaime Latino Ferreira disse...

E ...


Para quem saiba, uma maravilhosa casa portuguesa a fazer, este ano, setenta anos de provecta idade e recheada já pela quarta geração, com uma casinha de caseiros dividida em dois apartamentos onde no rés-do-chão a habita mesmo um Pintor e no primeiro andar a quarta geração e a pequenina quinta.

Com castanheiro e árvores de frutos, canteiros de rosas e de outras flores, ameaços de horta, arrecadação de velhas e especificadas ferramentas de jardinagem e onde apenas só não existe o pessegueiro ...

O pessegueiro simboliza, afinal, o maravilhoso e imaginário mundo da Manuela e o amor que, se nos abençoa, está também ao nosso alcance ...

... assim façamos o nosso caminho!


Jaime Latino Ferreira
Estoril, 9 de Junho de 2009

manuela baptista disse...

Da realidade ao imaginário realista ou a síndroma de Eduardo

Ana Cristina e Jaime,

só não existe o pessegueiro e...as cortinas às bolinhas!
Estas, são uma provocação aos habitantes do andar de cima que, jovens e biodinâmicos, detestam cortinas, e plasmados defronte das janelas da nossa sala, são um livro aberto nas suas deambulações entre os cereais, a cozinha e a casa de banho.
É certo que nós também não as temos, mas sempre ostentamos aqueles cortinados da Loja do Gato Preto que se podem correr e dar privacidade.

O canto de Bela,

"I know
Love will find a way
Anywhere I go
I'm home
If you are there beside me"

O pessegueiro,
que simboliza o que não possuimos, o que desejamos, como por exemplo uma flor ou umas mãos humanas que possam tocar e acariciar, em vez de lâminas ou facas afiadas.

Beijos e obrigada pelas palavras

Manuela Baptista